domingo, 22 de março de 2009

Quilombolas da Região dos Lagos vivem penúria!


Descendentes de escravos da Região dos Lagos viram tema de documentário
Publicada em 21/03/2009 às 16h34m
Ludmilla de Lima e Luisa Valle


RIO - Num mundo onde as barreiras culturais há muito tempo foram rompidas, seis irmãs quase centenárias preservam involuntariamente hábitos hoje praticamente contados apenas nos livros de história. Na área rural de Iguaba Grande, município da Região dos Lagos a 123 quilômetros do Rio de Janeiro, Georgina, Sigislete, Hermanda, Maria, Hilda e Luiza da Conceição seguem a vida de acordo com tradições herdadas de seus ascendentes do Congo escravizados no século XIX. Elas são remanescentes do quilombo de Papicu, já extinto. Fechadas em seu próprio mundo, as "irmãs congas", como são conhecidas, se comunicam por meio de um dialeto próprio, onde palavras em português dão lugar a expressões bantu.

As culturas africana e escravista também estão vivas no modo de vida da família: como era de costume nos tempos da escravidão, elas circulam pela cidade em fila indiana, sempre respeitando a liderança da mais velha, Georgina. Moradoras da Cruz, região rural da cidade, elas caminham mais de uma hora até o Centro - têm medo de ônibus - e escondem uma dura história de vida e uma rotina muito longe da ideal, na qual o alimento do dia muitas vezes depende da boa vontade de vizinhos e a população local, que nem sempre consegue compreendê-las. As congas, no entanto, são há mais de 50 anos personagens míticos do município, que vive basicamente dos veranistas.

- O respeito aos mais velhos é uma caracteristica importante de grande parte das sociedades africanas e dos povos de língua banto em especial. No Rio de Janeiro da primeira metade do seculo XIX, a concentração de africanos de lingua banto era realmente notável. Bantificou o português brasileiro e deixou marcas mais profundas em alguns grupos e falas regionais. Andar em fila também era uma caracteristica da sociedade escravista brasileira - observou a historiadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Hebe Mattos.

As letras e as horas não existem para essas mulheres: nenhuma foi alfabetizada, e todas contam com a natureza para calcular o tempo. Tempo que parece não passar nas cabeças brancas de Georgina, Sigislete, Hermanda, Maria, Hilda e Luiza. Não por acaso, uma das características mais inusitadas da família é o fato das seis serem solteiras e ainda sonharem com o casamento. Apenas uma teve um filho. Na sua linguagem própria, decifada pela historiadora e museóloga Nilma Teixeira, diretora de um documetário sobre as congas, Hilda revela o desejo:

- Se Deus quiser a gente vai ter filhos - afirma Hilda, a mais falante e sonhadora das irmãs, alheia ao fato de que hoje, já contando cerca de 80 anos - pelos cálculos da sobrinha -, essa já não é mais uma possibilidade.

Mesmo sem conhecer a idade - todas foram registradas somente na década de 70 -, elas não admitem serem chamadas de senhoras. E são vaidosas. Antes de receber uma visita é preciso aguardar até que estejam prontas, com cabelos presos e vestidas com suas melhores roupas. Até o soutien ganha uma armação de lata, tudo para garantir a silhueta de uma jovem noiva. Pelas contas de parentes, a mais nova tem mais de 70 anos, enquanto a mais velha beira os cem.

Na contramão do estranhamento provocado na maioria da população local, as congas despertaram a curiosidade de Nilma Teixeira e viraram tema de um documentário patrocinado pela Petrobras. Nilma, que passava seus verões em Iguaba, admitiu sempre ter tido uma forte curiosidade sobre elas quando era criança.

- Lembro delas desde que tinha dez anos. Elas eram adultas e andavam pela cidade vendendo guando - recorda a idealizadora do documentário "Ibiri:tua boca fala por nós", que deve ser exibido no fim deste mês. No documentário, a historiadora explora a luta delas por uma terra onde possam plantar. No passado, quando possuiam terras suficientes para uma lavoura, a família chegou a abastecer parte da cidade. Hoje, sem as terras, que foram tomadas a força por um grande fazendeiro da região, há 30 anos – episódio traumático que é ainda hoje um tabu para a família Conceição -, elas comercializam o pouco que dá para plantar em cerca de 200 metros quadrados de chão, cedido por um proprietário sensibilizado com a penúria das congas. Basicamente dali saem limão, acerola e urucum.

- Antigamente elas abasteciam a região com o que plantavam. Hoje vivem da ajuda de vizinhos e da sobrinha - conta Nilma.

Crentes da realização do sonho, as seis guardam as sementes de tudo que comem em pedacinhos de papel, que já se acumulam em sacolas de plástico, e aguardam ansiosas por um pedaço de terra para "pegarem na enxada" e viver.

- A gente plantava mais, mas não temos muito espaço. A gente vendia mel, farinha, ovo, mas acabou tudo. Não gosto de lembrar, quando falo já dói o coração - lamenta Georgina.

Ver mais fotos das irmãs moradoras de Iguaba Grande

Assista ao vídeo de Hilda, uma das irmãs, explicando o que é Quilombo - só para assinantes O Globo

extraído de O Globo Rio - 2009/03/17

recebido de Adagoberto Arruda

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