Povo Kuntanawa ressurge na Amazônia e tenta resgatar suas raízes
Fabíola Ortiz
O povo indígena da etnia Kuntanawa no Acre, tido como extinto, ressurge agora a partir de seus descendentes misturados com os “brancos” e luta pela demarcação de suas terras no estado.
Eles eram apenas cinco em 1911 e hoje são cerca de 400. Os Kuntanawa foram quase exterminados no início do século XX com o avanço da extração da borracha, durante as perseguições armadas aos povos indígenas que acompanharam a abertura e a instalação dos seringais em todo o Acre.
Eles não falam mais a sua língua indígena, pertencente ao tronco linguístico Pano. Agora todos falam o português. Sua cultura praticamente desapareceu tendo sido esquecida.
“Nós somos a prova viva de que é possível erguer uma nação, trazer de volta aquilo que foi esquecido”, afirmou Haru Xinã Kuntanawa, embaixador mundial da paz pelas Nações Unidas.
O jovem Haru, de 28 anos, representa esse movimento de articulação e resgate cultural e histórico de seu povo. Jovem liderança indígena pertencente à etnia Kuntanawa, José Flávio do Nascimento (seu nome de registro) é um grande articulador das 11 etnias dos povos Pano. Ele tomou para si a importante missão de levar de volta à casa o seu povo, fortalecer os valores culturais e linguísticos dos Kuntanawa e promover o resgate de seus rituais sagrados há muito tempo perdidos.
“Acreditei que era possível e tenho certeza, mais do que nunca, que o meu povo erguerá a sua história novamente”, confia Haru ao lembrar o passado marcado pela matança de seus parentes.
“Me traz um sentimento de tristeza. É algo muito recente, não tem nem um século que passou o massacre de 1911. Hoje temos um pouco mais de 300 Kuntanawa e o meu objetivo é juntar o nosso povo de volta para casa”.
Eles são uma etnia em reconstrução nos mais diversos os sentidos: na língua, na pintura corporal, nos cantos, rituais sagrados com uso de medicinas da floresta e no sentimento de pertencimento à sua terra.
No final de julho, diversos povos do tronco Pano se reuniram na aldeia Kuntamanã, no Acre, neste que foi um primeiro movimento de revitalização de suas tradições. Na semana do 26 ao 31 de julho, os Kuntanawa realizaram o seu primeiro festival cultural, o “Corredor Pano”.
Neste, que foi um encontro para um momento de auto afirmação de sua unidade em meio às diferenças étnicas, estavam também os povos Pano, entre eles, os Huni Kuin, Yawanawa, Shanenawa, Shawãdawa, Jaminawa, Nukini, Marubo e Katukina.
“Quando os povos se juntam, têm uma força grande para recuperar e fortalecer as suas tradições. Temos todos uma história compatível dos povos”, salienta Haru. À beira do rio Tejo, na Reserva Extrativista (Resex) do Alto Juruá, próximo à fronteira com o Peru, reuniram-se naqueles dias 200 pessoas, entre indígenas e convidados ‘brancos’, brasileiros e estrangeiros.
É através do contato com as etnias vizinhas do tronco Pano que se traçou a estratégia de reconstituir a língua de seu povo por meio de outras similares. Os esforços de reconstrução da língua têm sido empreendidos também por meio de fragmentos ainda vivos na memória da matriarca do grupo e de canções ‘ayahuasqueiras’ durante os rituais sagrados.
Demarcação
Reafirmar o sangue indígena passa também pela conquista de um território próprio. A demarcação da terra é uma das grandes causas que os Kuntanawa abraçam hoje em dia e que estão se preparando para enfrentar.
O desafio é que a área de 80 a 100 mil hectares de terra que o povo reivindica está inteiramente sobreposta pela Reserva Extrativista do Alto Juruá, onde os Kuntanawa são um dos principais responsáveis pela criação.
“Estamos lutando pela demarcação da nossa terra. Estamos dentro de uma reserva que foi criada pelo nosso povo na década de 80 para 90, quando houve a proposta de criação dessa reserva. Aqui era dominado pelos patrões com trabalho forçado indígena”, explica Haru ao afirmar que seus ancestrais têm as suas raízes naquelas terras.
Contudo, o modelo de reserva extrativista não é o “mais adequado” para os povos indígenas, argumenta a liderança. “Nós estamos reivindicando, mas essa terra a gente já considera demarcada. É a terra Kuntanawa. Temos raízes plantadas nessa terra. Estamos só esperando o momento oficial da demarcação pelo governo brasileiro”, defende. “O que nós queremos é proteger, chamar a atenção para a consciência ecológica”, promete.
O esforço de demarcação já vem de 2001, com a revindicação apresentada à Fundação Nacional do Índio (Funai). Em 2003, o povo Kuntanawa obteve o apoio público do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj) para garantir que os Kuntanawa sejam reconhecidos enquanto tais e tenham a sua área indígena demarcada.
Foram eles que ajudaram a fundar a reserva extrativista, no início da década de 90. Hoje, no entanto, discordam sobre o usufruto dos recursos naturais e minerais e passaram a reunir-se em torno do local onde se situa o agrupamento principal, a aldeia Kuntamanã (conhecida pelo antigo nome ‘Sete Estrelas’).
Primeira reserva extrativista a ser criada no Brasil, a Resex do Alto Juruá tem uma área de 506 mil hectares. Os indígenas reivindicam o equivalente a quase um quinto da área da reserva. No ano de 2008, o Ministério Público Federal no Acre ingressou com ação civil pública para obrigar a Funai e a União a procederem a demarcação e o registro das terras, localizadas na região do rio Tejo, próximo à vila de Restauração com cerca de 130 casas, pertencente ao município de Marechal Thaumaturgo.
Ciente que um processo de demarcação pode levar cerca de 10 anos ou até mais e gerar um debate polêmico na sociedade, Haru, em nome de seu povo, garante estar preparado: “Eu estou preparado de espírito, corpo, alma e coração para lutar por essa terra, proteger, manter e resgatar. Também já ganhamos novos aliados”, promete.
Extraído de IBASE
Fabíola Ortiz
O povo indígena da etnia Kuntanawa no Acre, tido como extinto, ressurge agora a partir de seus descendentes misturados com os “brancos” e luta pela demarcação de suas terras no estado.
Eles eram apenas cinco em 1911 e hoje são cerca de 400. Os Kuntanawa foram quase exterminados no início do século XX com o avanço da extração da borracha, durante as perseguições armadas aos povos indígenas que acompanharam a abertura e a instalação dos seringais em todo o Acre.
Eles não falam mais a sua língua indígena, pertencente ao tronco linguístico Pano. Agora todos falam o português. Sua cultura praticamente desapareceu tendo sido esquecida.
“Nós somos a prova viva de que é possível erguer uma nação, trazer de volta aquilo que foi esquecido”, afirmou Haru Xinã Kuntanawa, embaixador mundial da paz pelas Nações Unidas.
O jovem Haru, de 28 anos, representa esse movimento de articulação e resgate cultural e histórico de seu povo. Jovem liderança indígena pertencente à etnia Kuntanawa, José Flávio do Nascimento (seu nome de registro) é um grande articulador das 11 etnias dos povos Pano. Ele tomou para si a importante missão de levar de volta à casa o seu povo, fortalecer os valores culturais e linguísticos dos Kuntanawa e promover o resgate de seus rituais sagrados há muito tempo perdidos.
“Acreditei que era possível e tenho certeza, mais do que nunca, que o meu povo erguerá a sua história novamente”, confia Haru ao lembrar o passado marcado pela matança de seus parentes.
“Me traz um sentimento de tristeza. É algo muito recente, não tem nem um século que passou o massacre de 1911. Hoje temos um pouco mais de 300 Kuntanawa e o meu objetivo é juntar o nosso povo de volta para casa”.
Eles são uma etnia em reconstrução nos mais diversos os sentidos: na língua, na pintura corporal, nos cantos, rituais sagrados com uso de medicinas da floresta e no sentimento de pertencimento à sua terra.
No final de julho, diversos povos do tronco Pano se reuniram na aldeia Kuntamanã, no Acre, neste que foi um primeiro movimento de revitalização de suas tradições. Na semana do 26 ao 31 de julho, os Kuntanawa realizaram o seu primeiro festival cultural, o “Corredor Pano”.
Neste, que foi um encontro para um momento de auto afirmação de sua unidade em meio às diferenças étnicas, estavam também os povos Pano, entre eles, os Huni Kuin, Yawanawa, Shanenawa, Shawãdawa, Jaminawa, Nukini, Marubo e Katukina.
“Quando os povos se juntam, têm uma força grande para recuperar e fortalecer as suas tradições. Temos todos uma história compatível dos povos”, salienta Haru. À beira do rio Tejo, na Reserva Extrativista (Resex) do Alto Juruá, próximo à fronteira com o Peru, reuniram-se naqueles dias 200 pessoas, entre indígenas e convidados ‘brancos’, brasileiros e estrangeiros.
É através do contato com as etnias vizinhas do tronco Pano que se traçou a estratégia de reconstituir a língua de seu povo por meio de outras similares. Os esforços de reconstrução da língua têm sido empreendidos também por meio de fragmentos ainda vivos na memória da matriarca do grupo e de canções ‘ayahuasqueiras’ durante os rituais sagrados.
Demarcação
Reafirmar o sangue indígena passa também pela conquista de um território próprio. A demarcação da terra é uma das grandes causas que os Kuntanawa abraçam hoje em dia e que estão se preparando para enfrentar.
O desafio é que a área de 80 a 100 mil hectares de terra que o povo reivindica está inteiramente sobreposta pela Reserva Extrativista do Alto Juruá, onde os Kuntanawa são um dos principais responsáveis pela criação.
“Estamos lutando pela demarcação da nossa terra. Estamos dentro de uma reserva que foi criada pelo nosso povo na década de 80 para 90, quando houve a proposta de criação dessa reserva. Aqui era dominado pelos patrões com trabalho forçado indígena”, explica Haru ao afirmar que seus ancestrais têm as suas raízes naquelas terras.
Contudo, o modelo de reserva extrativista não é o “mais adequado” para os povos indígenas, argumenta a liderança. “Nós estamos reivindicando, mas essa terra a gente já considera demarcada. É a terra Kuntanawa. Temos raízes plantadas nessa terra. Estamos só esperando o momento oficial da demarcação pelo governo brasileiro”, defende. “O que nós queremos é proteger, chamar a atenção para a consciência ecológica”, promete.
O esforço de demarcação já vem de 2001, com a revindicação apresentada à Fundação Nacional do Índio (Funai). Em 2003, o povo Kuntanawa obteve o apoio público do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj) para garantir que os Kuntanawa sejam reconhecidos enquanto tais e tenham a sua área indígena demarcada.
Foram eles que ajudaram a fundar a reserva extrativista, no início da década de 90. Hoje, no entanto, discordam sobre o usufruto dos recursos naturais e minerais e passaram a reunir-se em torno do local onde se situa o agrupamento principal, a aldeia Kuntamanã (conhecida pelo antigo nome ‘Sete Estrelas’).
Primeira reserva extrativista a ser criada no Brasil, a Resex do Alto Juruá tem uma área de 506 mil hectares. Os indígenas reivindicam o equivalente a quase um quinto da área da reserva. No ano de 2008, o Ministério Público Federal no Acre ingressou com ação civil pública para obrigar a Funai e a União a procederem a demarcação e o registro das terras, localizadas na região do rio Tejo, próximo à vila de Restauração com cerca de 130 casas, pertencente ao município de Marechal Thaumaturgo.
Ciente que um processo de demarcação pode levar cerca de 10 anos ou até mais e gerar um debate polêmico na sociedade, Haru, em nome de seu povo, garante estar preparado: “Eu estou preparado de espírito, corpo, alma e coração para lutar por essa terra, proteger, manter e resgatar. Também já ganhamos novos aliados”, promete.
Extraído de IBASE
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