Conselho curador da EBC - Empresa Brasileira de Comunicação - vota pela pluraridade em seus programas religiosos.
Por João Jorge Santos Rodrigues*
Hoje foi um dia importante na minha vida, nesta vida. Vim à Brasília depois de ter vivido a emoção de ter visto e escutado o Presidente Barack Obama falar no Rio de Janeiro - o primeiro negro presidente da maior potência do mundo - e depois de receber a notícia de que os heróis da Revolta dos Búzios: João de Deus, Lucas Dantas, Manuel Faustino, Luis das Virgens, foram considerados Heróis da Pátria, 212 anos após as suas mortes.
Na reunião do conselho curador da EBC - Empresa Brasileira de Comunicação - foi votado, após um intenso debate de mais de seis meses, a pluralidade dos programas religiosos; ou seja, a suspensão dos atuais programas cristãos e a criação de programas com as diferentes convicções religiosas existentes no Brasil.
Fui o ultimo dos conselheiros a defender esta proposta e obtive o apoio de uma ampla maioria para que o Candomblé, a Umbanda, o Espiritismo, o Islamismo, o Judaísmo, e as Religiões Ameríndias possam também falar de sua fé, das suas crenças e da paz destas religiões.
Veio na minha imagem, minha mãe, Dona Alice dos Santos Silva, uma mulher branca da Bahia, no seu terreiro de candomblé, dançando para sua Iansã e o seu caboclo Boiadeiro; veio na minha cabeça a imagem dos terreiros batendo, na Boca do Rio, e me chamando para ser um dos seus filhos; veio na minha imagem, os negros que conheci e que eram do Candomblé: Deco, Raul, que frequentavam minha casa, na rua do Bispo, na Praça da Sé; veio na minha mente o que vi no Benin, em 1986, nas cidades sagradas de Uidá, Pobé.
Veio na minha mente a autorização da Delegacia de Jogos e Costumes para que o terreiro de minha mãe pudesse praticar seu culto. Veio na minha mente a luta do Olodum** junto com outros setores para tirar o posto príncipe da frente do terreiro da Casa Branca.
Passou um filme na hora; uma enorme dor no peito e o medo de não dar conta do recado. Mas o nosso amor ao Parque de São Bartolomeu, à terra de Oxumaré me deram forças e energia; veio na minha mente a homenagem a Yemanjá, a Iansã, a Xangô, a Oxossi nas músicas Olodum e o Ayndeô de Mario Gusmão. E fui lá como um advogado do povo, um mestre em Direito publico, o único negro do conselho curador da EBC, fiz a minha melhor defesa, contei a história da nossa resistência aqui, desde 1549, e como fomos perseguidos, combatidos, e ainda assim, generosos como manda o Candomblé e a Umbanda, integramos os filhos dos opressores na nossa fé. Ganhamos! Sai e fui chorar no canto alegre por ter aprendido tanto nas ruas da Roma negra - a cidade de Salvador - e nas andanças pelo mundo.
A luta pela liberdade religiosa exige respeito e pluralidade, democracia e energia, mais que luz.
Estou muito feliz, alegre em poder legar aos meus filhos e neto este legado. Eles vão poder ver na TV Pública a religião dos seus avós e antepassados: o Candomblé - a primeira forma de religião do Planeta nascida nas civilizações africanas inspiradas na energia... e na luz.
*João Jorge dos Santos Rodrigues é mestre em direito e fundador do Bloco Olodum
** Em 1984 surge o Grupo Cultural Olodum voltado para atuar no movimento negro brasileiro. Já no final da década, transforma-se em uma das instituições mais respeitadas na luta contra o racismo no país, liderando campanhas em favor dos afro-descentes e pela defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais da população.
João Jorge é uma das principais lideranças do Olodum, que na última década do século XX era considerado ícone das conquistas do movimento negro. O diferencial do grupo foi promover uma vigorosa ação sociocultural através de elementos da cultura afro, harmonizando cultura e cidadania nos bairros empobrecidos e negros da capital baiana.
Juventude e educação são eixos importantes do trabalho que promove a auto-estima e o orgulho da comunidade negra. A Escola Criativa Olodum para crianças e adolescentes revela valores culturais, artísticos e históricos de seu contexto social, e garante liberdade de criação e acesso às fontes de cultura. As ações capacitam na área de informática e formam lideranças. A prevenção mantém adolescentes longe das drogas, da criminalidade e das doenças sexualmente transmissíveis, propiciando o fortalecimento dos vínculos familiares, escolares e comunitários.
O resultado institucional mais expressivo foi a campanha que inseriu na Constituição do Estado da Bahia o capítulo XXIII, Artigo 286 a 290, voltado para a defesa dos direitos do Negro. A disseminação do modelo foi replicada por outros grupos culturais como em outras cidades do Brasil (Afro-Reggae - Rio de Janeiro; Projeto Arte no Dique – Santos; Grupo Unidos do Quilombo – Aracaju; Projeto Sons de Cidadania - Brasília).
Recebido de mamapress
23 de março de 2011
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