sexta-feira, 25 de março de 2011

EBC abre seus canais para todas as religiões

Empresa Brasileira de Comunicação abre seus canais para todas as religiões


Conselho curador da EBC - Empresa Brasileira de Comunicação - vota pela pluraridade em seus programas religiosos.

Por João Jorge Santos Rodrigues*


Hoje foi um dia importante na minha vida, nesta vida. Vim à Brasília depois de ter vivido a emoção de ter visto e escutado o Presidente Barack Obama falar no Rio de Janeiro - o primeiro negro presidente da maior potência do mundo - e depois de receber a notícia de que os heróis da Revolta dos Búzios: João de Deus, Lucas Dantas, Manuel Faustino, Luis das Virgens, foram considerados Heróis da Pátria, 212 anos após as suas mortes.

João Jorge com Abdias Nascimento, na visita de Obama
Rio de Janeiro, março 2011


Na reunião do conselho curador da EBC - Empresa Brasileira de Comunicação - foi votado, após um intenso debate de mais de seis meses, a pluralidade dos programas religiosos; ou seja, a suspensão dos atuais programas cristãos e a criação de programas com as diferentes convicções religiosas existentes no Brasil.

Fui o ultimo dos conselheiros a defender esta proposta e obtive o apoio de uma ampla maioria para que o Candomblé, a Umbanda, o Espiritismo, o Islamismo, o Judaísmo, e as Religiões Ameríndias possam também falar de sua fé, das suas crenças e da paz destas religiões.

Veio na minha imagem, minha mãe, Dona Alice dos Santos Silva, uma mulher branca da Bahia, no seu terreiro de candomblé, dançando para sua Iansã e o seu caboclo Boiadeiro; veio na minha cabeça a imagem dos terreiros batendo, na Boca do Rio, e me chamando para ser um dos seus filhos; veio na minha imagem, os negros que conheci e que eram do Candomblé: Deco, Raul, que frequentavam minha casa, na rua do Bispo, na Praça da Sé; veio na minha mente o que vi no Benin, em 1986, nas cidades sagradas de Uidá, Pobé.

Veio na minha mente a autorização da Delegacia de Jogos e Costumes para que o terreiro de minha mãe pudesse praticar seu culto. Veio na minha mente a luta do Olodum** junto com outros setores para tirar o posto príncipe da frente do terreiro da Casa Branca.

Passou um filme na hora; uma enorme dor no peito e o medo de não dar conta do recado. Mas o nosso amor ao Parque de São Bartolomeu, à terra de Oxumaré me deram forças e energia; veio na minha mente a homenagem a Yemanjá, a Iansã, a Xangô, a Oxossi nas músicas Olodum e o Ayndeô de Mario Gusmão. E fui lá como um advogado do povo, um mestre em Direito publico, o único negro do conselho curador da EBC, fiz a minha melhor defesa, contei a história da nossa resistência aqui, desde 1549, e como fomos perseguidos, combatidos, e ainda assim, generosos como manda o Candomblé e a Umbanda, integramos os filhos dos opressores na nossa fé. Ganhamos! Sai e fui chorar no canto alegre por ter aprendido tanto nas ruas da Roma negra - a cidade de Salvador - e nas andanças pelo mundo.

A luta pela liberdade religiosa exige respeito e pluralidade, democracia e energia, mais que luz.

Estou muito feliz, alegre em poder legar aos meus filhos e neto este legado. Eles vão poder ver na TV Pública a religião dos seus avós e antepassados: o Candomblé - a primeira forma de religião do Planeta nascida nas civilizações africanas inspiradas na energia... e na luz.


*João Jorge dos Santos Rodrigues é mestre em direito e fundador do Bloco Olodum

** Em 1984 surge o Grupo Cultural Olodum voltado para atuar no movimento negro brasileiro. Já no final da década, transforma-se em uma das instituições mais respeitadas na luta contra o racismo no país, liderando campanhas em favor dos afro-descentes e pela defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais da população.

João Jorge é uma das principais lideranças do Olodum, que na última década do século XX era considerado ícone das conquistas do movimento negro. O diferencial do grupo foi promover uma vigorosa ação sociocultural através de elementos da cultura afro, harmonizando cultura e cidadania nos bairros empobrecidos e negros da capital baiana.

Juventude e educação são eixos importantes do trabalho que promove a auto-estima e o orgulho da comunidade negra. A Escola Criativa Olodum para crianças e adolescentes revela valores culturais, artísticos e históricos de seu contexto social, e garante liberdade de criação e acesso às fontes de cultura. As ações capacitam na área de informática e formam lideranças. A prevenção mantém adolescentes longe das drogas, da criminalidade e das doenças sexualmente transmissíveis, propiciando o fortalecimento dos vínculos familiares, escolares e comunitários.

O resultado institucional mais expressivo foi a campanha que inseriu na Constituição do Estado da Bahia o capítulo XXIII, Artigo 286 a 290, voltado para a defesa dos direitos do Negro. A disseminação do modelo foi replicada por outros grupos culturais como em outras cidades do Brasil (Afro-Reggae - Rio de Janeiro; Projeto Arte no Dique – Santos; Grupo Unidos do Quilombo – Aracaju; Projeto Sons de Cidadania - Brasília).


Recebido de mamapress
23 de março de 2011

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