sábado, 31 de dezembro de 2011

Anemia falciforme é problema cada vez mais grave,

Anemia falciforme é problema cada vez mais grave, diz especialista
05/12/2011
Por Fábio de Castro

Agência FAPESP
– Doença hereditária que causa malformação das hemácias e provoca complicações em praticamente todos os órgãos do corpo, a anemia falciforme tem alta incidência no mundo, especialmente entre as populações afrodescendentes. No Brasil, a prevalência é de uma a cada mil pessoas, em média. Na Bahia, onde o contingente de negros é maior, a doença atinge um em cada 650 indivíduos nascidos vivos.
Congênita, a doença piora continuamente ao longo do tempo, reduzindo a expectativa de vida do paciente para uma média de 40 anos. O tratamento se torna cada vez mais difícil, uma vez que adultos apresentam lesões crônicas em todos os órgãos, com crises agudas de dor provocadas pela oclusão dos vasos sanguíneos, além de sequelas neurológicas e outras alterações degenerativas graves.
Há cerca de 30 anos, a professora Sara Olalla Saad, do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), se dedica a estudar a doença e aplicar o conhecimento no tratamento de pacientes.

Em 1992, grupos internacionais de pesquisadores publicaram pela primeira vez trabalhos que demonstravam os benefícios da hidroxiureia para diminuir o sofrimento dos pacientes. Desde então, o grupo da Unicamp passou a utilizar o medicamento, que, no entanto, só seria aprovado no Brasil 10 anos depois.

O pioneirismo, unindo pesquisa e clínica, levou o grupo a publicar muitos trabalhos com impacto internacional. Atualmente, os cientistas realizam um estudo de coorte com 114 pacientes de 14 a 55 anos, acompanhando-os continuamente a fim de compreender a doença e testar novas terapias.

Saad, que coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Sangue, participou, na sexta-feira (02/12), na sede da FAPESP, do Simpósio Regional sobre Medicina Translacional, realizado em celebração aos 60 anos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Em entrevista à Agência FAPESP, Saad comentou os rumos das pesquisas sobre anemia falciforme e destacou que as condições sociais dos pacientes, associadas às sequelas neurológicas, contribuem para que a doença, apesar de sua alta incidência e gravidade, seja negligenciada pelas políticas públicas de saúde.

Agência FAPESP
– A hidroxiureia é utilizada para tratar pacientes de anemia falciforme há mais de 20 anos. O que falta aprender sobre esse medicamento?


Sara Olalla Saad
– Embora já venhamos utilizando a hidroxiueria há muito tempo, ainda não sabemos se esse medicamento pode ser usado a partir do nascimento. Esse é o principal foco dos estudos recentes. Geralmente, para começar o tratamento, os médicos esperam por uma indicação, como uma síndrome torácica, ou uma sequência de crises. Mas quando o paciente chega à idade adulta já tem sequelas muito graves e uma péssima qualidade de vida. Queremos que os pediatras possam iniciar o tratamento precocemente, seja com a hidroxiureia ou com o transplante de medula óssea.

Agência FAPESP
– Como a senhora avalia o impacto da doença na qualidade de vida do paciente?


Sara Olalla Saad
– Todos consideram o diabetes, por exemplo, uma doença grave pelas sequelas que pode causar. Mas a anemia falciforme é muito mais grave, porque o paciente tem todos os órgãos lesionados. As hemácias, com má formação, têm dificuldade para atravessar os capilares, que podem entupir, causando necrose, morte celular e crises de dor intensa. É comum o aparecimento de úlceras nas pernas, descolamento de retina, priapismo, acidente vascular cerebral, enfartes, insuficiência renal e pulmonar. Todos os ossos são comprometidos, causando dores nas articulações. E a doença é um caminho sem volta: com o passar do tempo ela só piora. Quando esses indivíduos chegam aos 40 anos, o quadro é de uma gravidade desesperadora.

Agência FAPESP
– Qual o objetivo dos estudos de coorte que estão sendo realizados pelo seu grupo?


Sara Olalla Saad
– Temos investigado todas as complicações crônicas que ocorrem e o quanto conseguimos intervir em cada uma delas. Temos marcadores renais que hoje são usados no mundo todo e, no caso do coração, usamos ecocardiogramas para saber se está na hora de fazer transfusões. Mas para várias das complicações crônicas não temos muitos detalhes sobre os parâmetros que devem ser controlados. Fazemos nessa coorte um estudo de boas práticas de medicina, a fim de definir como podemos cuidar desses pacientes, prevenir e retardar sequelas, além de promover uma maior sobrevida.

Agência FAPESP
– A senhora manifestou preocupação com o crescimento do número de pessoas com anemia falciforme. Isso está ocorrendo porque esses pacientes estão vivendo mais?


Sara Olalla Saad
– Sim, isso está ocorrendo. À medida que vamos fazendo intervenções, eles vão vivendo mais. Mas isso não garante a qualidade de vida deles, que é muito ruim. Há algumas décadas, a sobrevida era de no máximo 30 anos. Hoje, a média de idade dos nossos pacientes é de 40 anos. Já aumentamos muito a sobrevida, mas eles estão com as sequelas.

Agência FAPESP
– A prioridade, então, além de estudar meios de prevenção, é descobrir novas maneiras de minimizar as sequelas?


Sara Olalla Saad
– Queremos aproveitar nossos métodos avançados para testar algumas opções que já estão em testes in vitro ou em animais. Graças a avanços como a pinça óptica, podemos fazer isso, mesmo trabalhando em uma coorte pequena de pacientes, sem necessidade de estudos enormes e demorados. Com esse recurso, podemos testar o uso de diversos medicamentos e observar rapidamente como ele modifica a dinâmica das células. Não conseguimos observar a complicação crônica, demora-se 20 anos para isso. Então, precisamos de parâmetros que possam ser estudados rapidamente.

Agência FAPESP
– Há polêmica em torno do uso de transplante como alternativa, já que é preciso aplicar quimioterapia em pacientes que não têm câncer. Como a senhora avalia isso?


Sara Olalla Saad
– Sou favorável ao transplante e recentemente pedi para transplantar um paciente meu. Disse a ele que, se fizesse o transplante, corria o risco de morrer em 10 dias, mas ele preferiu fazer, porque tinha muitas sequelas e dores ósseas terríveis. Está bem agora. Tenho agora um paciente de 19 anos na fila. O rapaz tem muitas crises de vaso-oclusão. É um adolescente que, quando sai à noite, fica uma semana internado, com muitas complicações sérias. Está tendo uma vida péssima. Temos receio em fazer transplantes em pacientes adultos, porque estão cheios de sequelas e, para fazer a quimioterapia, o ideal seria que os pacientes não tivessem órgãos lesionados. Mas os estudos mostram que os resultados dos transplantes são excelentes.

Agência FAPESP
– O tratamento com hidroxiureia e o transplante são as principais alternativas? Há muitas limitações?


Sara Olalla Saad
– Há algumas limitações. Alguns pacientes não respondem à hidroxiureia. Também não é todo mundo que consegue doador para transplante. Além disso, temos que trabalhar com outras drogas que melhorem toda a inflamação e não apenas a vaso-oclusão, por causa da sequela neurológica causada pela doença. Tratar só a vaso-oclusão não vai resolver, porque é também a inflamação que leva à morte neuronal, causando as sequelas neurológicas. Não sabemos ainda se só a hidroxiureia vai prevenir esse problema. Como vamos ter um número cada vez maior de pacientes, será preciso investir em outras drogas, como o composto que associa a hidroxiureia à talidomida – que é uma droga anti-inflamatória e imunossupressora. Tenho esperança que alguns doadores de óxido nítrico e magnésio possam ser usados nas crises de vaso-oclusão, para aliviar a dor do paciente. Acho que todas essas alternativas podem ter resultados bons.

Agência FAPESP
– Pode-se dizer que a anemia falciforme foi negligenciada ao longo da história?


Sara Olalla Saad
– Sim, com certeza. Basta observar a história da hidroxiureia. Em 1992, já havia evidências em humanos de que a droga era eficiente e mesmo assim não conseguíamos aprovação. O Ministério da Saúde publicou uma portaria para o uso da hidroxiureia na qual foi incluída uma absurda lista de efeitos colaterais e um termo de consentimento para que o paciente não queira usar. Mas usávamos a droga há 10 anos e esses efeitos colaterais nunca ocorreram. Qualquer remédio pode ter muitos efeitos colaterais, mas eles podem ser raros, enquanto as sequelas da doença são absolutamente reais.

Agência FAPESP
– Por que houve tanta resistência à adoção do medicamento?


Sara Olalla Saad
– Não sei. Não entendo por quê. Mas acho que a negligência pode estar ligada ao fato de que esses pacientes são muito pouco mobilizados. São muito carentes, muito pobres, vários são afrodescendentes, têm uma doença crônica e grave, com sequelas neurológicas. São excluídos da sociedade de todas as formas.


segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Desdobramentos do Preconceito Cultural de Ferreira Gullar

Desdobramento texto de Ferreira Gullar  - Preconceito Cultural. “Cruz e Souza e Machado de Assis foram herdeiros de tendências européias: não se pode afirmar que faziam literatura negra…” – Folha de São Paulo (Ilustrada) de 03/12/2011.

por Cuti*

Por conta da publicação, em quatro volumes, da Literatura e Afrodescendência no Brasil: antologia crítica, organizada pelos professores Eduardo de Assis Duarte e Maria Nazareth Fonseca, seja pela apresentação gráfica sofisticada da obra, seja pelo seu aporte crítico envolvendo profissionais de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, a questão de ser ou não ser negra a vertente da literatura brasileira que compõe seu conteúdo tem trazido à tona manifestações que vão desde respeitosas e aprofundadas abordagens até esdrúxulos pitacos de quem demonstra sua completa ignorância do assunto, má vontade e racismo crônico. Neste último caso está o que publicou Ferreira Gullar, com o título “Preconceito cultural”, no caderno Folha Ilustrada, do jornal Folha de São Paulo, de 04/12/2011.

O autor do Poema Sujo, no qual compara um urubu a um negro de fraque, deve estar estranhando (estranheza é a palavra que ele emprega) que o negro não é uma simples idéia desprezível, mas um imenso número de pessoas, cuja maior parte, hoje, não come carniça, e que aqueles ainda submetidos à miséria mais miserável jamais quiseram fazer o trabalho daquela ave, e que se a “a vasta maioria dos escravos nem se quer aprendia a ler”, como diz ele, não é porque não queria. Era proibida. Há vários dispositivos legais e normas que comprovam isso. Havia uma vontade contrária. Há e sempre houve um querer coletivo negro de revolta contra a opressão racista.

Quanto a existir ou não literatura negro-brasileira, deixemos de hipocrisia. No mundo da cultura só existe o que uma vontade coletiva, ou mesmo individual, diz que sim e consegue vencer aqueles que dizem não. Foi assim com a própria literatura brasileira e os tantos ismos que por aqui deixaram seus rastros. Características, traços estilísticos, vocabulário etc., que demarcam a possibilidade de se rotular um corpus literário, no tocante à produção literária negra, já vem sendo estudados. Basta lembrar três antologias de ensaios: Poéticas afro-brasileiras, de 2002, com 259 páginas; A mente afro-brasileira (em três idiomas), de 2007, com 577 páginas; Um tigre na floresta dos signos, de 2010, com 748 páginas, além de outras reuniões de textos, estudos, dissertações e teses. Por outro lado, se Cruz e Sousa e Machado de Assis, como argumenta Gullar “foram herdeiros de tendências literárias européias”, e, portanto, “não se pode afirmar que faziam literatura negra”, o que dizer de Lépold Senghor e Aimé Césaire, principais criadores do Movimento da Negritude, embora herdeiros da tradição literária francesa? A literatura não é só resultado de si mesma. Só uma perspectiva genética tacanha desconheceria outras influências do texto literário, tais como a experiência existencial do autor, sua formação política e ideológica, o contexto social, entre tantas mais. Nenhum escritor é obrigado a reproduzir suas influências.

A maneira como o tal poeta cita o samba, a dança, o carnaval, o futebol é aquela que simplesmente aponta o “lugar do negro” que o branco racista determinou, um lugar que serviu de “contribuição” para que os brancos ganhassem dinheiro, não só produzindo sua arte a partir do aprendizado com os negros, mas também explorando compositores diretamente e calando-os na sua autoafirmação étnica. Basta inventariar quantos grandes compositores negros morreram na miséria. A essa realidade o poeta chama de: “nossa civilização mestiça”. Mas, pelo visto, a literatura, sendo a menina dos olhos da cultura, deve ser defendida da invasão dos negros. O escritor e crítico Afrânio Peixoto, lá no passado, deixou a expressão bombástica sobre a literatura ser “o sorriso da sociedade”. Gullar não pensa isso, com certeza, mas em seus pobres argumentos está a ruminar que a literatura não pode ser negra. Talvez sinta que a negrura pode sujá-la, postura bem ainda dentro do diapasão modernista que abordou o negro pelo viés da folclorização.

A esquerda caolha e daltônica brasileira sempre se negou a encarar o racismo existente em nosso país. Por isso andou e anda de braços e abraços com a direita mais reacionária quando se trata de enfrentar o assunto. Para ela, a mesma ilusão dos eugenistas, tipo Monteiro Lobato, se apresenta como verdade: o negro vai (e deve) desaparecer no processo de miscigenação. Para alguns cristinhos ressuscitados dos porões da ditadura militar e seus seguidores sobreviveria e sobreviverá apenas o operariado branco. Concebem isso completamente esquecidos de que a cor da pele e traços fenotípicos estão inseridos do mundo simbólico, o mundo da cultura. No seu inconsciente, o embranquecimento era líquido e certo, solução de um “problema”. Hoje, é provável que os menos estúpidos já tenham se deparado com as estatísticas e ficado perplexos. Gullar, pelos seus argumentos, se coloca como um representante da encarquilhada maneira de encarar o Brasil sem a participação crítica do negro. E, como é de praxe, entre os encastelados no cânone literário brasileiro, incluindo os críticos, não ler e não gostar é a regra. Em se tratando de produção do povo negro, empinam e entortam ainda mais o nariz. Devem se sentir humilhados só de pensar em ler o que um negro brasileiro escreveu e, no fundo, um terrível medo de verem denunciado o seu analfabetismo relativo a um grave problema nacional: o racismo, ou serem levados a cuspir no túmulo de seus avós.

Gullar  diz ser “tolice ou má-fé” se pensar um grande público afrodescendente como respaldo da produção literária negra. Será que ele algum dia teve em seu horizonte de expectativa o leitor negro? Certamente não, como a maioria dos escritores brancos. Isso, sim, é tolice, má-fé e, cá entre nós, uma sutil forma de genocídio cultural, próxima daquela obsessão de se matar personagens negros. E não adianta nesse quesito invocar um parente mulato como, em outros termos, fez o imbecil parlamentar racista Bulsonaro.

Antonio Cândido, em entrevista publicada na revista Ethnos Brasil, em março de 2002, com o título “Racismo: crime ontológico”, fazendo sua autocrítica relativa à sua omissão, por muito tempo, do debate sobre a questão racial, argumenta que o “nó do problema” estaria “no aspecto ontológico”, e prosseguindo: “está no drama, para o negro, de ter de aceitar uma outra identidade, renegando a sua para ser incorporado ao grupo branco.” Façamos um acréscimo ao que disse o consagrado mestre. A questão racial é um problema ontológico no Brasil porque diz respeito também ao ser branco, pois o debate sobre o problema enfrenta a ilusão da superioridade congênita do branco, que o racismo insiste em manter cristalizada na produção intelectual brasileira. Ele, o branco, tem o drama de ser forçado a aceitar uma outra identidade que não aquela de superioridade congênita que o racismo lhe assegurou, de ser obrigado pelo debate a experimentar a perda da empáfia da branquitude, descer do salto alto. Aliás, o sociólogo Guerreiro Ramos nos legou um ensaio elucidativo do assunto, intitulado “A patologia social do branco brasileiro”.

A produção intelectual não é tão somente uma exclusividade de brancos racistas, apesar de certa hegemonia ainda presente. Além de brancos conscientes da história do país, negros escrevem, publicam livros e falam não só de si, mas também dos brancos, dos mestiços e de todos os demais brasileiros. Quem não leu e não gostou dessa produção, em especial a do campo literário, já não está fazendo tanta diferença. A crítica binária, baseada no Bem X Mal, está enfraquecida. Um dos propósitos de seus defensores quando pensam negros escrevendo é o de tirar o entusiasmo dos filhos e dos netos daqueles que por muitos séculos lhes serviram a mesa e lhes limparam o chão e mesmo daqueles que ainda o fazem. A vontade coletiva negra está em expansão e não é só no campo literário. Assim, quando o poeta Ferreira Gullar diz que falar em literatura negra não tem cabimento, é de ser fazer a célebre pergunta: “Não tem cabimento para quem, cara-pálida?” A sua descrença no que chama de “descriminação” na literatura, crendo que ela não “vá muito longe” e gera “confusão” é o simples reflexo da baixa expectativa de êxito que a maioria dos brancos tem em relação aos negros, resultado dos preconceitos inconfessáveis, passados de geração para geração, para minar qualquer ímpeto de autodeterminação da população negra.

Para Aristóteles havia os gregos e o resto (os bárbaros). O branco brasileiro precisa superar este complexo helênico de pensar que no Brasil há os brancos e o resto (mestiços e negros). Tal postura é uma das responsáveis pelo descompasso da classe dirigente em face da real população. Certamente, essa é a razão de Lima Barreto, o maior crítico do bovarismo brasileiro, ainda ser muito pouco ensinado em nossas escolas. O daltonismo de Ferreira Gullar, advindo de um tempo de utopia socialista, hoje é pura cegueira. Traços físicos que caracterizam historicamente os negros não são só traços físicos, como quer o articulista, mas representações simbólicas, por isso perfeitamente suscetíveis de gerar literatura com especificidades. Se o poeta não concebe negros possuidores de consciência crítica no país e as históricas particularidades de sua gente, devia fazer a sua autocrítica e não insistir na cegueira. Não dá mais para negar que a classe C está disputando também assentos no vôo literário, além dos bancos de universidades, nos shoppings e outros espaços sociais. E a população negra também faz parte dela. Quem não quiser enxergar vai continuar vivendo embriagado por esta cachaça genuinamente brasileira, produzida nos engenhos decadentes: o mito da democracia racial. Pena que alguns, de tão viciados, não largam a garrafa.

* Luiz Silva (Cuti), escritor, doutor em literatura brasileira.
Fonte: Lista Discriminação Racial
Enviado por Vera Lopes
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O texto de Ferreira Gullar publicado na Folha de São Paulo no dia 04.12.2011.
Ferreira Gullar – Preconceito cultural
Cruz e Souza e Machado de Assis foram herdeiros de tendências europeias; não se pode afirmar que faziam ‘literatura negra’

De alguns anos para cá, passou-se a falar em literatura negra brasileira para definir uma literatura escrita por negros ou mulatos. Tenho dúvidas da pertinência de uma tal designação. E me lembrei de que, no campo das artes plásticas, em começos do século 20, falava-se de escultura negra, mas, creio eu, de maneira apropriada.

Naquele momento, a arte europeia questionava o caráter imitativo da linguagem plástica e descobria que as formas têm expressão autônoma, independentemente do que representem, ou seja, não é necessário que uma escultura imite um corpo de mulher para ter expressão estética, para ser arte.

As esculturas africanas, trazidas para a Europa pelos antropólogos, eram tão “modernas” quanto as dos artistas europeus de vanguarda, já que fugiam a qualquer imitação anatômica. Foram chamadas de arte negra não apenas porque as pessoas que as faziam eram da raça negra e, sim, porque constituíam uma expressão própria a sua cultura.

Não é o caso da literatura. A contribuição do negro à cultura brasileira é inestimável, a tal ponto que falar de contribuição é pouco, uma vez que ela é constitutiva dessa cultura.

O Brasil não seria o país que o mundo conhece - e que nós amamos - sem a música que tem, sem a dança que tem, criada em grande parte pelos negros.

Ninguém hoje pode imaginar este país sem os desfiles de escolas de samba, sem a dança de suas passistas, o ritmo de sua bateria, a beleza e euforia que fascinam o mundo inteiro.

Uma parte dessas manifestações artísticas é também dos brancos, mas constituem, no seu conjunto, uma expressão nova no mundo, nascida da fusão dos muitos elementos de nossa civilização mestiça.

Certamente, os estudiosos reconhecem que, sem o negro e sua criatividade, seu modo próprio de encarar a vida e mudá-la em festa e beleza, não seríamos quem somos. Mas teria sentido, agora, pretender separar, no samba, na dança, no Carnaval, o que é negro do que não é? E já imaginou se, diante disso, surgissem outros para definir, em nosso samba, o que é branco e o que é negro?

E, em função disso, se iniciasse uma disputa para saber quem mais contribuiu, se Pixinguinha ou Tom Jobim, se Ataulfo Alves ou Noel Rosa, se Cartola ou Chico Buarque?

Felizmente, isso não vai acontecer, mesmo porque, nesse terreno, ninguém se preocupa em distinguir música negra de música branca. O que há é música brasileira.

Mas, infelizmente, na literatura, essa descriminação começa a surgir. Não acredito que vá muito longe, uma vez que é destituída de fundamento, mas, de qualquer maneira, contribuirá para criar confusão.

Falar de literatura brasileira negra não tem cabimento. Os negros, que para cá vieram na condição de escravos, não tinham literatura, já que essa manifestação não fazia parte de sua cultura. Consequentemente, foi aqui que tomaram conhecimento dela e, com os anos, passaram a cultivá-la. Se é verdade que, nas condições daquele Brasil atrasado de então, a vasta maioria dos escravos nem sequer aprendia a ler – e não só eles, como também quase o povo todo -, com o passar dos séculos e as mudanças na sociedade brasileira, alguns de seus descendentes, não apenas aprenderam a ler como também se tornaram grandes escritores, tal é o caso de Cruz e Souza, Machado de Assis e Lima Barreto, para ficarmos nos mais célebres.

Cruz e Souza era negro; Machado de Assis, mulato, mas tanto um quanto outro foram herdeiros de tendências literárias europeias, fazendo delas veículo de seu modo particular de sentir e expressar a vida. Não se pode, portanto, afirmar que faziam “literatura negra” por terem negra ou parda a cor da pele.

Pode ser que os que falam em literatura negra pretendam valorizar a contribuição do negro à literatura brasileira. A intenção é boa, mas causa estranheza, já que o Brasil inteiro reconhece Machado de Assis como o maior escritor brasileiro de todos os tempos, Pelé como um gênio do futebol e Pixinguinha, um gênio da música.

Contra toda evidência, afirmam que só quando se formar no Brasil um grande público afrodescendente os escritores negros serão reconhecidos, como se só quem é negro tivesse isenção para gostar de literatura escrita por negros. Dizer isso ou é tolice ou má-fé.

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Recebido de Nelson Maka, a quem agradecemos.


domingo, 11 de dezembro de 2011

Lélia Gonzalez é homenageada "in memoriam" no 1º Presente de Oxum do Rio de Janeiro


Lélia Gonzalez é homenageada "in memoriam" no
Primeiro Presente de Oxum

Troféu Espelho d'Água


11 de dezembro de 2011
domingo

a partir das 10h

 Aterro do Flamengo
Posto 03
(altura da Praia do Flamengo, 300)
(altura da Rua Tucumã / entre Paissandu e Cruz Lima)

Iniciativa e Realização:
Mãe Iva D'Oxum - Ilê Axé Funmilayo
Desde a direita: Mãe Iva, Ana Felippe, Vanda Ferreira, Mãe Arlene de Katende (óculos)

À caça do racismo verde-amarelo* ou Quem tem medo de encruzilhadas?

À caça do racismo verde-amarelo* ou Quem tem medo de encruzilhadas?
Este texto foi publicado em 16 de junho de 2011
no site parceiro Amai-vos.
1 - Situando a questão


Em 01 de junho de 2011, a Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação (do Ministério da Educação) aprovou por unanimidade o voto da Relatora ao Parecer CNE/CEB nº 6/2011 - Processo nº 23001.000097/2010-26 – fruto da devolução por parte do MEC (sob pretexto de “reexame”) do Parecer CNE/CEB nº 15/2010.  Este Parecer 15/2010 sofreu (no final de 2010 e início de 2011) interpretações por demais equivocadas por parte de alguns órgãos da imprensa (escrita e falada) e de alguns “intelectuais”, apesar de estar totalmente coerente com “os parâmetros, critérios e procedimentos utilizados no PNBE” (Programa Nacional Biblioteca da Escola).

O Parecer CNE/CEB nº 15/2010 foi atentamente reexaminado e reescrito pela mesma Conselheira Relatora, após estudar detalhadamente todo o rico e controverso material que chegou ao conhecimento da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), o qual subsidiou a redação do novo Parecer.

O novo Parecer (nº 6/2011) termina com a aprovação por unanimidade: Brasília (DF), 1º de junho de 2011. Conselheira Nilma Lino Gomes – Relatora / A Câmara de Educação Básica aprova por unanimidade o voto da Relatora. Sala das Sessões, em 1º de junho de 2011. Conselheiro Francisco Aparecido Cordão – Presidente / Conselheiro Adeum Hilário Sauer – Vice-Presidente.

2 - As encruzilhadas não temem sacrifícios!

Li o Parecer CNE/CEB nº 6/2011 (1), aprovado em 01 de junho de 2011 (fruto do Reexame do Parecer CNE/CEB nº 15/2010).  Também li algumas notas jornalísticas.

Reitero que o Parecer anterior – bem como o atual – evidenciam o núcleo central do assunto que é muito mais grave e profundo que uma eventual proibição ou veto à obra literária de quem quer que seja.

Penso que o que motivou a devolução do Parecer anterior, por parte do Senhor Ministro da Educação, foi exatamente o fato de – como responsável-mor pela política educacional; pela aquisição de obras e pela colocação dessas obras nas mãos (e nas mentes) de alunos e alunas para a Formação destes e destas – o Senhor Ministro ter sido colocado em uma encruzilhada!  Não que o Conselho Nacional de Educação tenha colocado uma questão maniqueísta (ou este lado; ou este outro) para a educação; ou para a sociedade; para a Academia Brasileira de Letras e, menos ainda, para o Senhor Ministro!

Uma encruzilhada foi criada por uma mídia apressada e de antolhos que, mesmo quando tem a possibilidade de tirar o bridão, de pronto coloca um par de óculos 3D para o conforto de uma visão que só vislumbra o que está afeto a seu métier.  Nessa direção compartilho das análises de Ignacio Romonet que tem tratado, nos últimos quinze anos, da mercantilização e pasteurização da imprensa. (“Ignacio Ramonet descreve explosão do jornalismo”, 20/04/2011)

O que nos espantou foi o fato de o Sr. Ministro ter escorregado na “casca de banana” que a imprensa e intelectuais da hegemonia da falácia da “democracia racial” jogaram em sua caminhada, em sua estrada, fazendo aparecer uma encruzilhada que não estava projetada para aquela trajetória.

E por que não estava projetada? Por que havíamos entendido que o racismo havia acabado, depois da belíssima audiência pública sobre Cotas (2) quando intelectuais, políticos e ativistas favoráveis deram um verdadeiro “banho” de conhecimento das causas da brasilidade, além da serenidade com que colocaram suas posições? Por que entendemos que o racismo está em passo largo de superação quando o IBGE declara (e os jornais publicam) que o PNAD de 2008 (divulgado em setembro de 2009) identificou que maioria da população se considera parda ou preta? Não! Não! ... E não!  Depois de 122 anos de abolição inconclusa, não temos ilusões quanto à persistência de um racismo que é estrutural e sistêmico (conforme explica Carlos Moore com bastante lucidez)!

O que não estava projetado era o fato de o Sr. Ministro abdicar de sua posição “mor” e não ter tomado a atitude de analista profundo – lançando mão da competência do Conselho Nacional de Educação... O que não estava projetado era o fato de o Sr. Ministro se permitir perder a oportunidade de dar uma aula “inaugural” (naquele final de 2010) dos novos tempos projetados mundialmente para 2011 como o Ano Internacional para Afrodescendentes (lançado na Assembleia Geral da ONU, em 18 de dezembro de 2009).

Como o segundo País de maior população negra no planeta, o Sr. Ministro se deixou colocar na encruzilhada criada pela mídia e por intelectuais racistas; a mesma encruzilhada que desde o “caminho marítimo para as Índias” a hegemonia colocou para negros africanos impondo um holocausto negro que (ainda no viés da democracia racial) chamamos de diáspora africana no Brasil (ou nas Américas).

O que muitos não sabem é que “encruzilhada” não é problema para negros/as colocados em holocausto e agora diasporisados!  Tive a oportunidade de aprender com o artista plástico Ronaldo Rego, profundo conhecedor da Negritude, que “as encruzilhadas não temem sacrifícios”. Este provérbio iorubá, mesmo que talvez não seja do conhecimento consciente da maioria da população brasileira (majoritariamente negra) é, com certeza, força ancestral que tem possibilitado ao longo de mais de 400 anos a superação da eugenia que vem sendo imposta a negros e negras; eugenia que muitas vezes, ao longo da história e até recentemente, se veste de extermínio!

Sobre o que tem aparecido em publicações alternativas e listas de discussão, no que concerne a declarações de algumas pessoas da causa negra brasileira, congratulo-me com o espírito combativo de algumas delas, mas, ao mesmo tempo, penso que o combate não pode (jamais!) ser dirigido aos nossos e às nossas.  E, no caso dos Pareceres, ambos tiveram a participação e relatoria da Professora Doutora Nilma Lino Gomes que precisa ser respeitada como intelectual coerente com os temas da negritude que se apresentam a ela (e a nós, quando temos a oportunidade de partilhar com ela) a partir de seu próprio corpo e mente e lucidez!

Quando vejo companheiros e companheiras de militância racial dirigirem seu peso de combate para parceiros da cor (ou não), sempre aliados, cúmplices da causa da superação do racismo, revejo o quanto de energia desperdiçamos num exercício – aí sim – de semântica que não chega ao significado.

Penso que intelectuais, jornalistas, professores/as, pesquisadores/as que tenham compreendido as causas dos direitos humanos, dos direitos civis, dos direitos de cidadania podem lançar mão da reflexão trazida pela intelectual, doutora Luiza Bairros (atualmente na pasta da SEPPIR), conforme entrevista à Revista Raça: “... não existe conflito entre ser militante e gestora à medida que se reconheça as diferenças entre esses dois espaços. Permanece como gestora o compromisso com os direitos do povo negro, permanece como gestora o compromisso no combate ao racismo, mas entre a atuação no movimento social e a atuação do governo o que acontece é uma tradução. Nós traduzimos no governo aquilo que os movimentos sociais propõem. Mas essa tradução, como se sabe, nunca é literal. Existem diferenças do ponto de vista do sentido, existem adaptações que precisam ser feitas para que aquela agenda seja entendida nos termos que o  Estado opera. ...”  Se nos damos conta desses “dois espaços” e da necessidade de fazer a “tradução”, teremos muito mais resultados em nossa militância combativa, reivindicando (e não reclamando) por caminhos que passam a constituir estradas abertas para todos e todas cansados de seguirem por trilhas sinuosas que levam a pessoa negra (de qualquer idade) em fuga do olhar e da abordagem racista.

Sobre o objeto dos Pareceres, (um dos livros da obra de Monteiro Lobato), peço licença para nada falar, na medida em que concordo com cada uma das declarações e textos de pessoas que muito respeitamos na causa da negritude, incluindo o Parecer CNE/CEB nº 15/2010 (e, agora, o Parecer CNE/CEB nº 6/2011), e que publicamos [no] neste Blog “Memorial Lélia Gonzalez Informa” (Monteiro Lobato em "Marcadores"), entre 27 de novembro de 2010 a 03 de março de 2011:

> “Lobato e a caçada ao racismo verde-amarelo” - Heloisa Pires Lima
> “Brasil 2011: Estado festejará Ano Internacional dos Afrodescendentes distribuindo livro racista nas escolas”- Eliane Cavalleiro
> “Carta aberta ao Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil, Sr. Luís Inácio Lula da Silva”
> “Solicitação de adesão ao Parecer CNE/CEB nº 15/2010, no abaixo-assinado – com nossa pequena análise”
> “A questão étnico-racial na educação do país”- Antonio Carlos C. Ronca, Francisco Aparecido Cordão e Nilma Gomes / Opinião - Folha de São Paulo
> “Dia Internacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres: Em Defesa de nossas Meninas Candaces” - Andréia Lisboa de Sousa
> “Carta Aberta ao Ziraldo”- Ana Maria Gonçalves
> “Ziraldo e Lobato no desenho do racismo à brasileira - Heloisa Pires Lima
> “Monteiro Lobato vai para o trono?” - Muniz Sodré
> “Monteiro Lobato era racista” - Fernando Molica / "Estação carioca", jornal O Dia

Para finalizar – mas nunca suficiente, pelo tamanho do tempo histórico, tempo geográfico, tempo psicológico, social, político, econômico, de racismo ambiental e tantos outros que continuam degradando as pessoas negras e afrontando a consciência de pessoas de outras etnias que, apesar de solidárias, jamais podem imaginar o que é ter o racismo sistêmico sobre si – gostarei de deixar aos Conselheiros – e em especial à Conselheira Nilma Lino Gomes – mais um dos provérbios iorubás que dignificam a cultura ancestral e “seguram” nossos irmãos e nossas irmãs para a continuidade da luta: “Gba-n-gba lÒgèdèm̀gbé ńṣawo”. Ògèdèm̀gbé sempre realiza seus rituais ao livre. (3) Ou: “Uma grande pessoa não precisa hesitar em fazer o que tem competência para fazer”.
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* Parafraseando o título de Heloisa Pires Lima “Lobato e a caçada ao racismoverde-amarelo”, publicado neste Afrodescendentes, em "Amai-vos"
(1) Para baixar e ler o Parecer, acesso no portal do MEC
(2) STF
(3) Ògèdèm̀gbé – guerreiro Ijexá do século XIX
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** Ana Maria Felippe é Pós-graduada em Filosofia, Coordenadora de Memorial Lélia Gonzalez, professora, articulista, consultora.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Saúde: Carta de Brasília 2011

14ª Conferência Naciona de Saúde Aprova a Carta de Brasília!
  • Carta da 14ª Conferência Nacional de Saúde à Sociedade Brasileira
  • Todos usam o SUS: SUS na Seguridade Social! Política Pública, Patrimônio do Povo Brasileiro
  • Acesso e Acolhimento com Qualidade: um desafio para o SUS

Nestes cinco dias da etapa nacional da 14ª Conferência Nacional de Saúde reunimos 2.937 delegados e 491 convidados, representantes de 4.375 Conferências Municipais e 27 Conferências Estaduais.
  • Somos aqueles que defendem o Sistema Único de Saúde como patrimônio do povo brasileiro.
  • Punhos cerrados e palmas! Cenhos franzidos e sorrisos.
  • Nossos mais fortes sentimentos se expressam em defesa do Sistema Único de Saúde.
  • Defendemos intransigentemente um SUS Universal, integral, equânime, descentralizado e estruturado no controle social.
  • Os compromissos dessa Conferência foram traçados para garantir a qualidade de vida de todos e todas.

A Saúde é constitucionalmente assegurada ao povo brasileiro como direito de todos e dever do Estado. A Saúde integra as políticas de Seguridade Social, conforme estabelecido na Constituição Brasileira, e necessita ser fortalecida como política de proteção social no País.

Os princípios e as diretrizes do SUS – de descentralização, atenção integral e participação da comunidade – continuam a mobilizar cada ação de usuários, trabalhadores, gestores e prestadores do SUS.

Construímos o SUS tendo como orientação a universalidade, a integralidade, a igualdade e a equidade no acesso às ações e aos serviços de saúde.

O SUS, como previsto na Constituição e na legislação vigente é um modelo de reforma democrática do Estado brasileiro. É necessário transformarmos o SUS previsto na Constituição em um SUS real.

São os princípios da solidariedade e do respeito aos direitos humanos fundamentais que garantirão esse percurso que já é nosso curso nos últimos 30 anos em que atores sociais militantes do SUS, como os usuários, os trabalhadores, os gestores e os prestadores, exercem papel fundamental na construção do SUS.

A ordenação das ações políticas e econômicas deve garantir os direitos sociais, a universalização das políticas sociais e o respeito às diversidades etnicorracial, geracional, de gênero e regional. Defendemos, assim, o desenvolvimento sustentável e um projeto de Nação baseado na soberania, no crescimento sustentado da economia e no fortalecimento da base produtiva e tecnológica para diminuir a dependência externa.

A valorização do trabalho, a redistribuição da renda e a consolidação da democracia caminham em consonância com este projeto de desenvolvimento, garantindo os direitos constitucionais à alimentação adequada, ao emprego, à moradia, à educação, ao acesso à terra, ao saneamento, ao esporte e lazer, à cultura, à segurança pública, à segurança alimentar e nutricional integradas às políticas de saúde.

Queremos implantar e ampliar as Políticas de Promoção da Equidade para reduzir as condições desiguais a que são submetidas as mulheres, crianças, idosos, a população negra e a população indígena, as comunidades quilombolas, as populações do campo e da floresta, ribeirinha, a população LGBT, a população cigana, as pessoas em situação de rua, as pessoas com deficiência e patologias e necessidades alimentares especiais.

As políticas de promoção da saúde devem ser organizadas com base no território com participação inter-setorial articulando a vigilância em saúde com a Atenção Básica e devem ser financiadas de forma tripartite pelas três esferas de governo para que sejam superadas as iniqüidades e as especificidades regionais do País.

Defendemos que a Atenção Básica seja ordenadora da rede de saúde, caracterizando-se pela resolutividade e pelo acesso e acolhimento com qualidade em tempo adequado e com civilidade.

A importância da efetivação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, além da garantia de atenção à mulher em situação de violência, contribuirão para a redução da mortalidade materna e neonatal, o combate ao câncer de colo uterino e de mama e uma vida com dignidade e saúde em todas as fases de vida.

A implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra deve estar voltada para o entendimento de que o racismo é um dos determinantes das condições de saúde. Que as Políticas de Atenção Integral à Saúde das Populações do Campo e da Floresta e da População LGBT, recentemente pactuadas e formalizadas, se tornem instrumentos que contribuam para a garantia do direito, da promoção da igualdade e da qualidade de vida dessas populações, superando todas as formas de discriminação e exclusão da cidadania, e transformando o campo e a cidade em lugar de produção da saúde. Para garantir o acesso às ações e serviços de saúde, com qualidade e respeito às populações indígenas, defendemos o fortalecimento do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. A Vigilância em Saúde do Trabalhador deve se viabilizar por meio da integração entre a Rede Nacional de Saúde do Trabalhador e as Vigilâncias em Saúde Estaduais e Municipais. Buscamos o desenvolvimento de um indicador universal de acidentes de trabalho que se incorpore aos sistemas de informação do SUS. Defendemos o fortalecimento da Política Nacional de Saúde Mental e Álcool e outras drogas, alinhados aos preceitos da Reforma Psiquiátrica antimanicomial brasileira e coerente com as deliberações da IV Conferência Nacional de Saúde Mental.

Em relação ao financiamento do SUS é preciso aprovar a regulamentação da Emenda Constitucional 29. A União deve destinar 10% da sua receita corrente bruta para a saúde, sem incidência da Desvinculação de Recursos da União (DRU), que permita ao Governo Federal a redistribuição de 20% de suas receitas para outras despesas. Defendemos a eliminação de todas as formas de subsídios públicos à comercialização de planos e seguros privados de saúde e de insumos, bem como o aprimoramento de mecanismos, normas e/ou portarias para o ressarcimento imediato ao SUS por serviços a usuários da saúde suplementar. Além disso, é necessário manter a redução da taxa de juros, criar novas fontes de recursos, aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para a saúde, tributar as grandes riquezas, fortunas e latifúndios, tributar o tabaco e as bebidas alcoólicas, taxar a movimentação interbancária, instituir um percentual dos royalties do petróleo e da mineração para a saúde e garantir um percentual do lucro das empresas automobilísticas.

Defendemos a gestão 100% SUS, sem privatização: sistema único e comando único, sem “dupla-porta”, contra a terceirização da gestão e com controle social amplo. A gestão deve ser pública e a regulação de suas ações e serviços deve ser 100% estatal, para qualquer prestador de serviços ou parceiros. Precisamos contribuir para a construção do marco legal para as relações do Estado com o terceiro setor. Defendemos a profissionalização das direções, assegurando autonomia administrativa aos hospitais vinculados ao SUS, contratualizando metas para as equipes e unidades de saúde. Defendemos a exclusão dos gastos com a folha de pessoal da Saúde e da Educação do limite estabelecido para as Prefeituras, Estados, Distrito Federal e União pela Lei de Responsabilidade Fiscal e lutamos pela aprovação da Lei de Responsabilidade Sanitária.

Para fortalecer a Política de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde é estratégico promover a valorização dos trabalhadores e trabalhadoras em saúde, investir na educação permanente e formação profissional de acordo com as necessidades de saúde da população, garantir salários dignos e carreira definida de acordo com as diretrizes da Mesa Nacional de Negociação Permanente do SUS, assim como, realizar concurso ou seleção pública com vínculos que respeitem a legislação trabalhista. e assegurem condições adequadas de trabalho, implantando a Política de Promoção da Saúde do Trabalhador do SUS.

Visando fortalecer a política de democratização das relações de trabalho e fixação de profissionais, defendemos a implantação das Mesas Municipais e Estaduais de Negociação do SUS, assim como os protocolos da Mesa Nacional de Negociação Permanente em especial o de Diretrizes Nacionais da Carreira Multiprofissional da Saúde e o da Política de Desprecarização. O Plano de Cargos, Carreiras e Salários no âmbito municipal/regional deve ter como base as necessidades loco-regionais, com contrapartida dos Estados e da União.

Defendemos a adoção da carga horária máxima de 30 horas semanais para a enfermagem e para todas as categorias profissionais que compõem o SUS, sem redução de salário, visando cuidados mais seguros e de qualidade aos usuários. Apoiamos ainda a regulamentação do piso salarial dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), Agentes de Controle de Endemias (ACE), Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN) com financiamento tripartite.

Para ampliar a atuação dos profissionais de saúde no SUS, em especial na Atenção Básica, buscamos a valorização das Residências Médicas e Multiprofissionais, assim como implementar o Serviço Civil para os profissionais da área da saúde. A revisão e reestruturação curricular das profissões da área da saúde devem estar articuladas com a regulação, a fiscalização da qualidade e a criação de novos cursos, de acordo com as necessidades sociais da população e do SUS no território.

O esforço de garantir e ampliar a participação da sociedade brasileira, sobretudo dos segmentos mais excluídos, foi determinante para dar maior legitimidade à 14ª Conferência Nacional de Saúde. Este esforço deve ser estendido de forma permanente, pois ainda há desigualdades de acesso e de participação de importantes segmentos populacionais no SUS.

Há ainda a incompreensão entre alguns gestores para com a participação da comunidade garantida na Constituição Cidadã e o papel deliberativo dos conselhos traduzidos na Lei nº 8.142/90. Superar esse impasse é uma tarefa, mais do que um desafio.

A garantia do direito à saúde é, aqui, reafirmada com o compromisso pela implantação de todas as deliberações da 14ª Conferência Nacional de Saúde que orientará nossas ações nos próximos quatro anos reconhecendo a legitimidade daqueles que compõe os conselhos de saúde, fortalecendo o caráter deliberativo dos conselhos já conquistado em lei e que precisa ser assumido com precisão e compromisso na prática em todas as esferas de governo, pelos gestores e prestadores, pelos trabalhadores e pelos usuários.

Somos cidadãs e cidadãos que não deixam para o dia seguinte o que é necessário fazer no dia de hoje. Somos fortes, somos SUS.


Brasília, DF, 04/12/11

recebido de Telia Negrão - Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos / Coletivo Feminino Plural

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O leninismo literário do poeta oficial


O leninismo literário do poeta oficial

Francisco Maciel*


Senhor Editor [da FSP],

Li com espanto o a crônica “Preconceito cultural”, do poeta Ferreira Gullar, Prêmio Jabuti deste ano [2011] e considerado o maior poeta brasileiro vivo [sic].  Como ele pode escrever a seguinte frase [?]:  “Falar de literatura brasileira negra não tem cabimento. Os negros, que para cá vieram na condição de escravos, não tinham literatura, já que essa manifestação não fazia parte de sua cultura.”

Caramba! Era só o poeta ir no Google, o pai dos cyberburros:  “Literatura oral é a antiga arte de exprimir eventos reais ou fictícios em palavras, imagens e sons. Histórias têm sido compartilhadas em todas as culturas e localidades como um meio de entretenimento, educação, preservação da cultura e para incutir conhecimento e valores morais. A literatura oral é frequentemente considerada como sendo um aspecto crucial da humanidade.”   [“] Os seres humanos têm uma habilidade natural para usar comunicação verbal para ensinar, explicar e entreter, o que explica o porquê da literatura oral ser tão preponderante na vida cotidiana”.

Ou então, melhor ainda, consultar o primeiro volume do livro Literatura e Afrodescendência no Brasil: antologia crítica – Os precursores, organizado por Eduardo de Assis Duarte, publicado pela Editora da Univers
idade Federal de Minas Gerais neste ano [2011], e conhecer o Mestre Didi, fundador da Sociedade de Estudos da Cultura Negra do Brasil (1974), da Sociedade Cultural Religiosa Ilê Asipa (1986) e do Instituto Nacional da Tradição e Cultua Afro-Brasileira (1987).  As esculturas do Mestre Didi, consideradas como recriações e interpretações pessoais dos símbolos dos orixás, já foram expostas em museus e galerias de arte de várias países. Ele participou, em 1996, da XXIII Bienal de São Paulo e em 1999 recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal da Bahia.

Mas vamos ao que interessa. “Com a sua literatura, Mestre Didi contou casos, narrou a história da cultura africana na Bahia e registrou antigos Itans, que são contos que fazem parte do patrimônio sagrado da tradição nagô. Baseadas na oralidade, tais narrativas ganham a chancela do texto impresso, sendo publicado no Brasil e no exterior” (ob. cit., p. 474).

Mestre Didi - escultura
Mestre Didi pertence à tradição dos griots, contadores de histórias, que vivem ainda hoje em muitos lugares da África ocidental, incluindo Mali, Gâmbia, Guiné, e Senegal, e estão presentes entre os povos Mandê ou Mandingas (Mandinka, Malinké, Bambara, etc.), Fula, Hausa, Songhai, Tukulóor, Wolof, Serer, Mossi, Dagomba, árabes da Mauritânia e muitos outros pequenos grupos.  Lembro aqui o romance que Os Mandarins, que narra as vidas pessoais dos membros de um grupo de intelectuais franceses no fim da Segunda Guerra Mundial, quase recebeu o título de Les Griots.

Escreve Ferreira Gullar: “Pode ser que os que falam em literatura negra pretendam valorizar a contribuição do negro à literatura brasileira. A intenção é boa, mas causa estranheza, já que o Brasil inteiro reconhece Machado de Assis como o maior escritor brasileiro de todos os tempos, Pelé como um gênio do futebol e Pixinguinha, um gênio da música.” O fato que é Machado de Assis nunca foi reconhecido oficialmente como escritor negro. Nem Gonçalves Dias. Os únicos escritores negros de valor reconhecido são Cruz Souza, porque era impossível pintá-lo de branco, e Lima Barreto, porque sempre se assumiu escritor negro. E os estudos do livro mostram que todos faziam literatura com consciência negra.

No quarto volume do Literatura e Afrodescendência no Brasil – História, teoria, polêmica pode-se ler o estudo “A personagem negra na literatura brasileira contemporânea”, de Regina Dalcastagnè, Doutora em Teoria Literária pela UNICAMP.  Sua pesquisa aborda 258 romances de autores brasileiros publicados entre 1990 e 2004 pelas “três editoras mais prestigiosas do país, segundo levantamento realizado junto a acadêmicos, críticos e ficcionistas: Companhia das Letras, Record e Rocco.”  Uma segunda base de dado, usada como complemento e contraponto, reúne os 130 romance de autores brasileiros publicados em primeira edição entre 1965 e 1979 pela Civilização Brasileira.

Foram publicados 80 diferentes escritores no primeiro período e 165 no segundo – em sua grande maioria homens, sendo que as mulheres não alcançaram um quarto total. Mas a homogeneidade racial é ainda mais gritante: no segundo período são brancos 93,9% dos autores e autoras estudados (3,6% não tiveram a cor identificada e os “não-brancos”, como categoria coletiva, ficaram em menos de 2,4%). Para o primeiro período, foram 93% de brancos e 7% sem cor identificada” (ob. cit., p. 312).

Buscar um público de leitores negros para uma literatura negra pode até ser “tolice ou má-fé.” Mas diante de um trabalho de 10 anos, fruto da colaboração de 61 pesquisadores de 21 universidades brasileiras e seis estrangeiras, não pode ser descartado como “discriminação”. Se tivesse boa vontade, o autor do Poema Sujo reconheceria que tal esforço merece aplausos por dar visibilidade a uma produção literária que tem sido relegada aos cupins e sofre um “você não existe” de uma certa “silenciatura” brasileira. O fato dessa literatura ser negra não é um detalhe ou empecilho: é uma urgência, um reconhecimento, um testemunho.  E não é um preconceito cultural: é uma luta cultural contra o preconceito.

Ressalvada as diferenças, o projeto Literatura e Afrodescendência no Brasil: Antologia Crítica tem pontos em comum com Cinco vezes favela - Agora por nós mesmos, projeto capitaneado por Cacá Diegues e Renata Almeida Magalhães, que reúne curtas-metragens realizados por jovens cineastas originários de comunidades carentes do Rio de Janeiro. É como se Cacá Diegues incorporasse Castro Alves, Jorge Amado: “Já falamos por vocês. Agora está hora de vocês botarem a boca no trombone e serem todos Pixinguinhas”.

Seria bonito ouvir isso do Ferreira Gullar. O poeta consagrado consegue ver boa intenção onde há busca de valorização e representação, mas vê estranheza na reivindicação de falar por si mesmo, ter voz própria e mostrar que, além de sambista e jogador de futebol, negros podem ser poetas e escritores.

Seria até uma força. Mas talvez seja pedir generosidade de alguém que encarna a luta pelo poder literário com um certo leninismo determinado e agressivo.



* Francisco Maciel
Autor do romance O primeiro dia do ano da peste (Estação Liberdade, 2001), que um repórter da Folha não gostou: marcou entrevista comigo e não veio.  Faço  parte antologia Entre Dois Mundos (lançada também pela Estação Liberdade, em parceria com o Instituto Goethe de São Paulo). Lancei este ano um livro de poemas, Cavalos & Santos, justamente no dia do lançamento do Literatura e Afrodescendência, no dia 28 de fevereiro, na Biblioteca Nacional, no Auditório Machado de Assis.
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O texto de Ferreira Gullar, na FSP - Folha de São Paulo, Revista “llustrada” de domingo, 04/12/2011, pode ser lido no Blog “Conteudo livre” - “É Clipping!!”, de Ibitinga, São Paulo, Brasil
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Recebido de Adriana Baptista e Lia Vieira, a quem agradecemos.


domingo, 4 de dezembro de 2011

Estado Laico e minorias sofrem nova agressão de fundamentalistas - PEC 99/11


Nova agressão fundamentalista ao Estado Laico e às minorias: PEC 99/11


Por Karla Joyce

Como se não bastasse a realização de cultos em dependências de órgãos públicos como a Presidência da República e Senado Federal, Parque Gospel no Acre, obrigatoriedade de bíblias em bibliotecas públicas, ameaças ao Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação para que esta voltasse a transmitir programas religiosos na TV pública, e a concessão de passaportes diplomáticos a pastores evangélicos (Edir Macedo e R. R. Soares), a Bancada Teocrata lança uma nova ameaça ao nosso (frágil) Estado Laico.


Aqui, para assinar contra.


DH aprova inclusão de nome indígena ou africano no RG


Direitos Humanos aprova inclusão de nome indígena ou africano no RG


A Comissão de Direitos Humanos e Minorias aprovou na quarta-feira (30 de novembro de 2011) projeto...

Globo e STF patrocinam crime contra crianças do Brasil


Globo e STF patrocinam crime contra crianças do Br...:

Está na Constituição Federal de 1988. Artigo 220: § 3º – Compete à lei federal: I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ...


domingo, 20 de novembro de 2011

Crianças negras: ainda preteridas na adoção


Crianças negras ainda são preteridas por famílias na adoção

20/11/2011 - às 09h18 - JB online

Três anos após a criação do Cadastro Nacional de Adoção, as crianças negras ainda são preteridas por famílias que desejam adotar um filho. A adoção inter-racial continua sendo um tabu: das 26 mil famílias que aguardam na fila da adoção, mais de um terço aceita apenas crianças brancas. Enquanto isso, as crianças negras (pretas e pardas) são mais da metade das que estão aptas para serem adotadas e aguardam por uma família.

Apesar das campanhas promovidas por entidades e governos sobre a necessidade de se ampliar o perfil da criança procurada, o supervisor da 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, Walter Gomes, diz que houve pouco avanço. "O que verificamos no dia a dia é que as família continuam apresentando enorme resistência à adoção de crianças negras. A questão da cor ainda continua sendo um obstáculo de difícil desconstrução."

Mirian Veloso se tornou mãe de Camille há cinco anos

Hoje no Distrito Federal há 51 crianças negras habilitadas para adoção, todas com mais de cinco anos. Entre as 410 famílias que aguardam na fila, apenas 17 admitem uma criança com esse perfil. Permanece o padrão que busca recém-nascidos de cor branca e sem irmãos. Segundo Gomes, o principal argumento das famílias para rejeitar a adoção de negros é a possibilidade de que eles venham a sofrer preconceito pela diferença da cor da pele.

"Mas esse argumento é de natureza projetiva, ou seja, são famílias que já carregam o preconceito, e esse é um argumento que não se mantém diante de uma análise bem objetiva", defende Gomes. O tempo de espera na fila da adoção por uma criança com o perfil "clássico" é em média de oito anos. Se os pretendentes aceitaram crianças negras, com irmãos e mais velhas, o prazo pode cair para três meses, informa.

Há cinco anos, a advogada Mirian Andrade Veloso se tornou mãe de Camille, uma menina negra que hoje está com sete anos. Mirian, que tem 38 anos, cabelos loiros e olhos claros, conta que na rotina das duas a cor da pele é apenas um "detalhe". Lembra-se apenas de um episódio em que a menina foi questionada por uma pessoa se era mesmo filha de Mirian, em função da diferença física entre as duas.

"Isso o medo do preconceito é um problema de quem ainda não adotou e tem essa visão. Não existe problema real nessa questão, o problema está no pré-conceito daquela situação que a gente não viveu. Essas experiências podem existir, mas são muito pouco perto do bônus", afirma a advogada.

Hoje, Mirian e o marido têm a guarda de outra menina de 13 anos, irmã de Camille, e desistiram da ideia de terem filhos biológicos. "É uma pena as pessoas colocarem restrições para adotar uma criança porque quem fica esperando para escolher está perdendo, deixando de ser feliz."

Para Walter Gomes, é necessário um trabalho de sensibilização das famílias para que aumente o número de adoções inter-raciais. "O racismo, no nosso dia a dia, é verificado nos comportamentos, nas atitudes. No contexto da adoção não tem como você lutar para que esse preconceito seja dissolvido, se não for por meio da afirmatividade afetiva. No universo do amor, não existe diferença, não existe cor. O amor, quando existe de verdade nas relações, acaba por erradicar tudo que é contrário à cidadania", ressalta.


Meninas estudantes de Malawi

sábado, 19 de novembro de 2011

Declaração das mulheres da AL e Caribe contra as leis que penalizam o aborto



Declaración de redes, coaliciones, articulaciones y organizaciones de mujeres de América Latina y el Caribe

Las leyes que penalizan el aborto atentan contra el derecho humano de las mujeres a la salud

Adhesiones a esta declaración
, enviarlas a: secretaria@reddesalud.org


La Asamblea General de las Naciones Unidas ha recibido el informe provisional de fecha 3 de agosto de 2011, elaborado por Anand Grover, Relator Especial del Consejo de Derechos Humanos sobre el derecho de toda persona al disfrute del más alto nivel posible de salud física y mental, deconformidad con las resoluciones 15/22 y 6/29 del Consejo de Derechos Humanos de esa entidad.

El informe, titulado “El derecho de toda persona al disfrute del más alto nivel posible de salud física y mental”, aborda las normas internacionales de derechos humanos y el derecho a la salud sexual y reproductiva, así como los nocivos efectos que las leyes penales yotras restricciones jurídicas tienen en la salud sexual y reproductiva, conénfasis en la práctica del aborto; la conducta en el embarazo; los métodos anticonceptivos y la planificación de la familia; y el acceso a la educación y la información en materia de salud sexual y reproductiva. Taxativamente señala que algunas de las restricciones jurídicas penales y de otra índole que se aplican en cada uno de esos ámbitos, a menudo discriminatorias, dificultan el acceso a bienes, servicios e información de calidad y, por consiguiente, vulneran gravemente el derecho a la salud. Y atentan contra la dignidad humana al coartar las libertades que emanan del derecho a la salud, en particular en lo que respecta a la adopción de decisiones y a la integridad física.

Agrega: “El ejercicio del derecho a la salud requiere la eliminación de las barreras que interfieren en la adopción de decisiones relacionadas con la salud y en el acceso a los servicios de salud, la educación y la información, en particular en lo que respecta a las afecciones que solo afectan a las mujeres y a las niñas. En los casos en que una barrera es producto de una ley penal o de restricciones jurídicas de otra índole, los Estados están obligados a eliminarla” (énfasis nuestro). A partir de ello, en sus recomendaciones sostiene que los Estados pueden y deben adoptar las medidas necesarias para que el derecho a la salud se haga plenamente efectivo para todas las personas, sin exclusión, y no se coloquen obstáculos como los señalados para su pleno y efectivo ejercicio.

Las redes, coaliciones, articulaciones y organizaciones abajo firmantes, históricamente comprometidas con una agenda que promueve y defiende el derecho a la salud como un derecho humano y como un bien social para todas las mujeres, sin discriminación por edad, condición socioeconómica, raza o etnia, opción sexual o identidad de género, creenciareligiosa, lugar de residencia, capacidades diferentes, estado de salud o de cualquier otro tipo, aplaudimos con vigor y entusiasmo el espíritu del documento citado, el cual surge a partir de un trabajo con alto nivel de experticia, y desarrollado con total autonomía de cualquier gobierno, postura ideológica o religiosa.

A partir de ello, lo asumimos como indispensable herramienta para la acción política y la vigilancia ciudadana, así como también para interpelar a los gobiernos de la región latinoamericana y caribeña, exigiéndoles que garanticen las mejores condiciones para ejercer el derecho a la salud con dignidad e integralidad, y libres de toda forma de violencia, coerción o discriminación.

Llamamos la atención, finalmente, al hecho de que en la presentación del informe señalado tan solo la delegación argentina en la ONU expresó un apoyo activo respecto de su contenido, incluso en lo relativo al aborto y a las recomendaciones de revisión de las leyes que lo penalizan, mientras que el resto de las delegaciones latinoamericanas y caribeñas no se expresaron en el mismo sentido y algunas incluso manifestaron su rechazo a las recomendaciones sobre este tema en particular, demostrando su renuencia en reconocer las necesidades urgentes e impostergables de las mujeres en el ámbito de la autonomía sexual y reproductiva, y de la maternidad voluntaria.

Esto sin duda demuestra que, en pleno siglo 21, el derecho a la salud integral de las mujeres, en especial de las más pobres, las adolescentes, las indígenas, las afrodescendientes, las mujeres de la diversidad sexual, las inmigrantes, las mujeres de zonas rurales, las mujeres VIH+, las mujeres desplazadas, las mujeres víctimas de violencia, entre otras, continúa ausente e ignorado de los grandes y álgidos debates nacionales y regionales que hoy se desarrollan, y también del diseño de políticas públicas de nuestros países, las que no pueden dejar de garantizar los derechos humanos de las mujeres y sus libertades fundamentales.

Santiago, Chile, noviembre, 2011


Red de Salud de las Mujeres Latinoamericanas y del Caribe, RSMLAC

Alianza Nacional, Bolivia

Alianza Nacional por el Derecho a Decidir, México

Articulación Feminista Marcosur

Articulación Feminista por la Libertad de Decidir, Chile

Asociación Milenia Comunicaciones, Perú

Base Educativa y Comunitaria de Apoyo, BECA, Paraguay

Campaña 28 de Septiembre por la Despenalización del Aborto en América Latina y el Caribe

Campaña 28 de Septiembre por la Despenalización del Aborto, Santa Cruz, Bolivia

Campaña 28 de Septiembre por la Despenalización del Aborto, Punto Focal Nicaragua

Campaña 28 de Septiembre por la Despenalización del Aborto, Punto Focal Chile

Campaña Nacional por el Derecho al aborto legal, seguro y gratuito, Argentina

Campaña por una Convención Interamericana de los Derechos Sexuales y Derechos Reproductivos

Católicas por el Derecho a Decidir, Bolivia

Católicas por el Derecho a Decidir, Chile

Centro de la Mujer Peruana “Flora Tristán”, Perú

Centro de Investigación para la Acción Femenina, CIPAF, República Dominicana

CLADEM, Honduras

Colectiva Mujer y Salud, República Dominicana

Coletivo Feminino Plural, Brasil

Colectivo Cons-pirando, Chile

Colectivo Feminista Mujeres Universitarias, Honduras

Colectivo Juvenil “DECIDE”, Bolivia

Comisión Internacional de los Derechos Humanos para Gays y Lesbianas, Programa de América Latina

Comité de Servicio Chileno, COSECH

Comunicación, Intercambio y Desarrollo Humano para América Latina A. C., CIDHAL, México

Coordinación de Mujeres del Paraguay (CMP)

Diálogos Feministas, Bolivia

Educación Popular en Salud, EPES, Chile

El Closet de Sor Juana, México

Equidad de Género, Ciudadanía, Trabajo y Familia, México

Equifonia, Colectivo por la Ciudadanía, Autonomía y Libertad de
las Mujeres, México

Federación Internacional de Planificación Familiar, Región del Hemisferio Occidental (IPPF/WHR)

Feministas en Resistencia, Honduras

Foro de Mujeres y Políticas de Población, México

Foro Red de Salud y Derechos Sexuales y Reproductivos, Chile

Fundación Arcoiris por el respeto a la diversidad sexual, México

Fundación para el Estudio e Investigación de la Mujer, FEIM, Argentina

Gestos- HIV, Comunicação e Genero, Brasil

IAWC (Grupo Internacional de Mujer y Sida)Instituto de la Mujer, Chile

Isis Internacional, Chile

Kolektiva Rebeldías Lésbicas, Perú

La Ciudad de las Diosas, Chile

Mesa por la Vida y la Salud de las Mujeres, Colombia

Movimiento pro Emancipación de la Mujer Chilena, MEMCH, Chile

Mujer y Salud en Uruguay, MYSU

Observatorio de Sexualidad y Política, Brasil

Observatorio de Equidad de Género en Salud, Chile

Red Chilena contra la Violencia Doméstica y Sexual, Chile

Red de Educación Popular entre Mujeres para América Latina y el Caribe, REPEM

Red Dominicana por la Salud de las Mujeres, República Dominicana

Red Latinoamericana de Católicas por el Derecho a Decidir

Red Mujer y Hábitat de América Latina

Red Nacional de Mujeres, Colombia

Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, Brasil

SI MUJER – Nicaragua

SI Mujer, Cali, Colombia

Solidarité Fanm Ayisyen (SOFA)

Tierra Viva, Guatemala


Adhesiones a esta declaración
, enviarlas a: secretaria@reddesalud.org

recebido de Telia Negrão - Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Dia Internacional para a Tolerância


Dia Internacional para a Tolerância

Luanda - Assinala-se hoje, 16 de Novembro, o Dia Internacional para a Tolerância, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em reconhecimento à Declaração de Paris, assinada no dia 12 deste mês, em 1995, por 185 Estados.

A Declaração da ONU fez parte do evento sobre o esforço internacional do Ano das Nações Unidas para a Tolerância.  Nela, os Estados participantes reafirmaram a "fé nos Direitos Humanos fundamentais" e ainda na dignidade e valor dos seres humanos, além de poupar sucessivas gerações das guerras por questões culturais, devendo ser incentivada a prática da tolerância, a convivência pacífica entre os povos vizinhos.

Foi então evocado o dia 16 de Novembro, aquando da assinatura da Constituição da UNESCO em 1945. Remetia, ainda, à Declaração Universal dos Direitos Humanos que afirma:

1 - Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião (Artigo 18);

2 - Todos têm direito à liberdade de opinião e expressão (Artigo 19)

3 - A educação deve promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações, grupos raciais e religiosos (Artigo 26).

Para a consecução da tolerância entre os povos, são relacionados os seguintes instrumentos jurídicos internacionais:

  • - Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos. 
  • - Convenção Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
  • - Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
  • - Convenção para a Prevenção e Combate ao Crime de Genocídio.
  • - A Convenção de 1951 relativa aos Refugiados e seus Protocolos de 1967 e, ainda, os instrumentos regionais.
  • - Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
  • - Convenção contra a Tortura e combate a todas as formas de tratamento cruel, desumano ou castigo degradante.
  • - Declaração de Eliminação de todas as formas de Intolerância baseada na religião ou crença.
  • - Declaração dos Direitos das Pessoas que pertencem a Nações ou Minorias Étnicas, Religiosas e Linguísticas.
  • - Declaração de Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional.
  • - Declaração de Viena e Programa de Acção da Conferência Mundial de Direitos Humanos.
  • - Declaração de Copenhague e Programa de Acção adoptada pela Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social.
  • - Declaração da UNESCO sobre Raça e Preconceito Racial.
  • - Convenção da UNESCO e Recomendação contra a Discriminação na Educação.

Numa mensagem divulgada no dia 14 por ocasião da data, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considera que “o velho mundo está mudando lentamente, mas de forma irreversível, e os contornos de um novo estão apenas começando a tomar forma”

“Em tempos de mudança, precisamos nos manter leais aos ideais e princípios que estão no coração da Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, disse.

Segundo Ban Ki-mon, “Todos nós temos responsabilidades para proteger os vulneráveis à discriminação, seja pela raça, naturalidade, língua, género, orientação sexual ou por outros factores. Praticar a tolerância pode servir de antídoto contra o preconceito e o ódio”.

Disse que a UNESCO tem papel essencial na promoção da tolerância activa, promovendo a qualidade do ensino para todos as crianças, desenvolvendo uma média livre e pluralista, incluindo a Internet, protegendo a herança cultural e nutrindo o respeito pela diversidade cultural.

Ao enfrentarmos os complexos desafios globais dos nossos tempos, as Nações Unidas continuarão a trabalhar para o entendimento mútuo entre os povos e países, alicerce fundamental em um mundo inter-conectado. Neste dia internacional, vamos lembrar que a tolerância começa com cada um de nós, todos os dias”, lê-se na mensagem.

Extraído de Angola Press