domingo, 11 de dezembro de 2011

À caça do racismo verde-amarelo* ou Quem tem medo de encruzilhadas?

À caça do racismo verde-amarelo* ou Quem tem medo de encruzilhadas?
Este texto foi publicado em 16 de junho de 2011
no site parceiro Amai-vos.
1 - Situando a questão


Em 01 de junho de 2011, a Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação (do Ministério da Educação) aprovou por unanimidade o voto da Relatora ao Parecer CNE/CEB nº 6/2011 - Processo nº 23001.000097/2010-26 – fruto da devolução por parte do MEC (sob pretexto de “reexame”) do Parecer CNE/CEB nº 15/2010.  Este Parecer 15/2010 sofreu (no final de 2010 e início de 2011) interpretações por demais equivocadas por parte de alguns órgãos da imprensa (escrita e falada) e de alguns “intelectuais”, apesar de estar totalmente coerente com “os parâmetros, critérios e procedimentos utilizados no PNBE” (Programa Nacional Biblioteca da Escola).

O Parecer CNE/CEB nº 15/2010 foi atentamente reexaminado e reescrito pela mesma Conselheira Relatora, após estudar detalhadamente todo o rico e controverso material que chegou ao conhecimento da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), o qual subsidiou a redação do novo Parecer.

O novo Parecer (nº 6/2011) termina com a aprovação por unanimidade: Brasília (DF), 1º de junho de 2011. Conselheira Nilma Lino Gomes – Relatora / A Câmara de Educação Básica aprova por unanimidade o voto da Relatora. Sala das Sessões, em 1º de junho de 2011. Conselheiro Francisco Aparecido Cordão – Presidente / Conselheiro Adeum Hilário Sauer – Vice-Presidente.

2 - As encruzilhadas não temem sacrifícios!

Li o Parecer CNE/CEB nº 6/2011 (1), aprovado em 01 de junho de 2011 (fruto do Reexame do Parecer CNE/CEB nº 15/2010).  Também li algumas notas jornalísticas.

Reitero que o Parecer anterior – bem como o atual – evidenciam o núcleo central do assunto que é muito mais grave e profundo que uma eventual proibição ou veto à obra literária de quem quer que seja.

Penso que o que motivou a devolução do Parecer anterior, por parte do Senhor Ministro da Educação, foi exatamente o fato de – como responsável-mor pela política educacional; pela aquisição de obras e pela colocação dessas obras nas mãos (e nas mentes) de alunos e alunas para a Formação destes e destas – o Senhor Ministro ter sido colocado em uma encruzilhada!  Não que o Conselho Nacional de Educação tenha colocado uma questão maniqueísta (ou este lado; ou este outro) para a educação; ou para a sociedade; para a Academia Brasileira de Letras e, menos ainda, para o Senhor Ministro!

Uma encruzilhada foi criada por uma mídia apressada e de antolhos que, mesmo quando tem a possibilidade de tirar o bridão, de pronto coloca um par de óculos 3D para o conforto de uma visão que só vislumbra o que está afeto a seu métier.  Nessa direção compartilho das análises de Ignacio Romonet que tem tratado, nos últimos quinze anos, da mercantilização e pasteurização da imprensa. (“Ignacio Ramonet descreve explosão do jornalismo”, 20/04/2011)

O que nos espantou foi o fato de o Sr. Ministro ter escorregado na “casca de banana” que a imprensa e intelectuais da hegemonia da falácia da “democracia racial” jogaram em sua caminhada, em sua estrada, fazendo aparecer uma encruzilhada que não estava projetada para aquela trajetória.

E por que não estava projetada? Por que havíamos entendido que o racismo havia acabado, depois da belíssima audiência pública sobre Cotas (2) quando intelectuais, políticos e ativistas favoráveis deram um verdadeiro “banho” de conhecimento das causas da brasilidade, além da serenidade com que colocaram suas posições? Por que entendemos que o racismo está em passo largo de superação quando o IBGE declara (e os jornais publicam) que o PNAD de 2008 (divulgado em setembro de 2009) identificou que maioria da população se considera parda ou preta? Não! Não! ... E não!  Depois de 122 anos de abolição inconclusa, não temos ilusões quanto à persistência de um racismo que é estrutural e sistêmico (conforme explica Carlos Moore com bastante lucidez)!

O que não estava projetado era o fato de o Sr. Ministro abdicar de sua posição “mor” e não ter tomado a atitude de analista profundo – lançando mão da competência do Conselho Nacional de Educação... O que não estava projetado era o fato de o Sr. Ministro se permitir perder a oportunidade de dar uma aula “inaugural” (naquele final de 2010) dos novos tempos projetados mundialmente para 2011 como o Ano Internacional para Afrodescendentes (lançado na Assembleia Geral da ONU, em 18 de dezembro de 2009).

Como o segundo País de maior população negra no planeta, o Sr. Ministro se deixou colocar na encruzilhada criada pela mídia e por intelectuais racistas; a mesma encruzilhada que desde o “caminho marítimo para as Índias” a hegemonia colocou para negros africanos impondo um holocausto negro que (ainda no viés da democracia racial) chamamos de diáspora africana no Brasil (ou nas Américas).

O que muitos não sabem é que “encruzilhada” não é problema para negros/as colocados em holocausto e agora diasporisados!  Tive a oportunidade de aprender com o artista plástico Ronaldo Rego, profundo conhecedor da Negritude, que “as encruzilhadas não temem sacrifícios”. Este provérbio iorubá, mesmo que talvez não seja do conhecimento consciente da maioria da população brasileira (majoritariamente negra) é, com certeza, força ancestral que tem possibilitado ao longo de mais de 400 anos a superação da eugenia que vem sendo imposta a negros e negras; eugenia que muitas vezes, ao longo da história e até recentemente, se veste de extermínio!

Sobre o que tem aparecido em publicações alternativas e listas de discussão, no que concerne a declarações de algumas pessoas da causa negra brasileira, congratulo-me com o espírito combativo de algumas delas, mas, ao mesmo tempo, penso que o combate não pode (jamais!) ser dirigido aos nossos e às nossas.  E, no caso dos Pareceres, ambos tiveram a participação e relatoria da Professora Doutora Nilma Lino Gomes que precisa ser respeitada como intelectual coerente com os temas da negritude que se apresentam a ela (e a nós, quando temos a oportunidade de partilhar com ela) a partir de seu próprio corpo e mente e lucidez!

Quando vejo companheiros e companheiras de militância racial dirigirem seu peso de combate para parceiros da cor (ou não), sempre aliados, cúmplices da causa da superação do racismo, revejo o quanto de energia desperdiçamos num exercício – aí sim – de semântica que não chega ao significado.

Penso que intelectuais, jornalistas, professores/as, pesquisadores/as que tenham compreendido as causas dos direitos humanos, dos direitos civis, dos direitos de cidadania podem lançar mão da reflexão trazida pela intelectual, doutora Luiza Bairros (atualmente na pasta da SEPPIR), conforme entrevista à Revista Raça: “... não existe conflito entre ser militante e gestora à medida que se reconheça as diferenças entre esses dois espaços. Permanece como gestora o compromisso com os direitos do povo negro, permanece como gestora o compromisso no combate ao racismo, mas entre a atuação no movimento social e a atuação do governo o que acontece é uma tradução. Nós traduzimos no governo aquilo que os movimentos sociais propõem. Mas essa tradução, como se sabe, nunca é literal. Existem diferenças do ponto de vista do sentido, existem adaptações que precisam ser feitas para que aquela agenda seja entendida nos termos que o  Estado opera. ...”  Se nos damos conta desses “dois espaços” e da necessidade de fazer a “tradução”, teremos muito mais resultados em nossa militância combativa, reivindicando (e não reclamando) por caminhos que passam a constituir estradas abertas para todos e todas cansados de seguirem por trilhas sinuosas que levam a pessoa negra (de qualquer idade) em fuga do olhar e da abordagem racista.

Sobre o objeto dos Pareceres, (um dos livros da obra de Monteiro Lobato), peço licença para nada falar, na medida em que concordo com cada uma das declarações e textos de pessoas que muito respeitamos na causa da negritude, incluindo o Parecer CNE/CEB nº 15/2010 (e, agora, o Parecer CNE/CEB nº 6/2011), e que publicamos [no] neste Blog “Memorial Lélia Gonzalez Informa” (Monteiro Lobato em "Marcadores"), entre 27 de novembro de 2010 a 03 de março de 2011:

> “Lobato e a caçada ao racismo verde-amarelo” - Heloisa Pires Lima
> “Brasil 2011: Estado festejará Ano Internacional dos Afrodescendentes distribuindo livro racista nas escolas”- Eliane Cavalleiro
> “Carta aberta ao Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil, Sr. Luís Inácio Lula da Silva”
> “Solicitação de adesão ao Parecer CNE/CEB nº 15/2010, no abaixo-assinado – com nossa pequena análise”
> “A questão étnico-racial na educação do país”- Antonio Carlos C. Ronca, Francisco Aparecido Cordão e Nilma Gomes / Opinião - Folha de São Paulo
> “Dia Internacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres: Em Defesa de nossas Meninas Candaces” - Andréia Lisboa de Sousa
> “Carta Aberta ao Ziraldo”- Ana Maria Gonçalves
> “Ziraldo e Lobato no desenho do racismo à brasileira - Heloisa Pires Lima
> “Monteiro Lobato vai para o trono?” - Muniz Sodré
> “Monteiro Lobato era racista” - Fernando Molica / "Estação carioca", jornal O Dia

Para finalizar – mas nunca suficiente, pelo tamanho do tempo histórico, tempo geográfico, tempo psicológico, social, político, econômico, de racismo ambiental e tantos outros que continuam degradando as pessoas negras e afrontando a consciência de pessoas de outras etnias que, apesar de solidárias, jamais podem imaginar o que é ter o racismo sistêmico sobre si – gostarei de deixar aos Conselheiros – e em especial à Conselheira Nilma Lino Gomes – mais um dos provérbios iorubás que dignificam a cultura ancestral e “seguram” nossos irmãos e nossas irmãs para a continuidade da luta: “Gba-n-gba lÒgèdèm̀gbé ńṣawo”. Ògèdèm̀gbé sempre realiza seus rituais ao livre. (3) Ou: “Uma grande pessoa não precisa hesitar em fazer o que tem competência para fazer”.
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* Parafraseando o título de Heloisa Pires Lima “Lobato e a caçada ao racismoverde-amarelo”, publicado neste Afrodescendentes, em "Amai-vos"
(1) Para baixar e ler o Parecer, acesso no portal do MEC
(2) STF
(3) Ògèdèm̀gbé – guerreiro Ijexá do século XIX
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** Ana Maria Felippe é Pós-graduada em Filosofia, Coordenadora de Memorial Lélia Gonzalez, professora, articulista, consultora.

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