sábado, 26 de fevereiro de 2011

Ziraldo e Lobato no desenho do racismo à brasileira


Ziraldo e Lobato no desenho do racismo à brasileira


Heloisa Pires Lima (1)

Dois monstros sagrados, ícones da produção editorial voltada para o público infantil e juvenil, acabaram reunidos numa mesma polêmica acerca do racismo no Brasil. O poder inegável do que representam para a sociedade, parecia, até o momento, ter o reconhecimento das massas, do Estado ou da mídia de capital privado. Mas, se a sacralidade lhes atribuída já adquirira a condição de perene, vimos aparecer o lado monstruoso dessas moedas valiosas.

Ano de 2010. Em novembro, um manifesto pró Monteiro Lobato circulou em nome da falsa idéia de suas obras haverem sido proibidas pelo governo às vésperas de uma eleição. Longe disto, o parecer assinado pela conselheira Nilma Lino Gomes com o aval, por unanimidade, dos demais analistas do Conselho Nacional de Educação recomendava um conjunto de ações frente ao teor racista localizado na obra Caçadas de Pedrinho (original de1933). A partir da distribuição do título pela Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal um educador, mais atento, toma a iniciativa de protocolar à denúncia. A análise, de instância a instância acabou pauta para o CNE que chamou para si a responsabilidade de emitir o parecer com as sugestões. O critério considerou o objetivo de promover uma educação anti-racista que prevê a formação do educador para lidar com o assunto.

O viés eleitoral amplificou o caso com manchetes do tipo “querem proibir Lobato para as crianças”. Foram inúmeros adeptos da hora a multiplicar o arsenal de matérias em defesa do escritor. Os blogs replicaram artigos afiados no desejo de interpretar o momento impuseram o assunto. Os grandes jornais, revistas, programas radiofônicos, televisivos, enfim, tiveram à disposição uma pauta embasada em manifesto tornado celebridade. Somente a voz dos conselheiros demorou a ganhar a atenção da grande mídia. Até o ministro da educação, paradoxalmente, emitiu opinião informal antes de ouvir o próprio CNE. Mas em pouco tempo a espetacularização foi serenando, tornando cada mais insustentável a defesa do racismo em nome da bio-bibliografia de um autor. O debate amadureceu nos meios de comunicação com elementos inéditos para o grande público auxiliando na flexibilização do juízo de valor anterior. E eis que, enquanto a posição definitiva e oficial do MEC estava ainda sendo aguardada para encerrar o caso aberto lá atrás, surge a ação protagonizada pelo cartunista Ziraldo. Numa tentativa de se adiantar ao ministro, o ponto final da polêmica, na concepção que ele adotou, foi desenhar um bem vestido Lobato agarrando uma mulata de poucas vestes para a estampa de um bloco de carnaval no Rio de Janeiro.

(Caso não conheça, clique na figura para ampliar. Não temos a intenção de divulgar esta asneira racista, irresponsável - e tudo o mais que se possa dizer a respeito - e que reflete o descaso com a dignidade humana!)

Não fosse a provocação do tema, a livre expressão do cartunista tinha tudo para reacender os melindres acerca da representação da mulher negra. Não suficiente, a imagem ficou mais animada com a voz, em off, do próprio Ziraldo, que afirma:

- Para acabar com a polêmica, coloquei o Monteiro Lobato sambando com uma mulata. Ele tem um conto sobre uma neguinha que é uma maravilha. Racismo tem ódio. Racismo sem ódio não é racismo. A idéia é acabar com essa brincadeira de achar que a gente é racista - revela o cartunista.


O pau do gato

O chiste é plausível na vida intelectual. A espirituosa capacidade de rir de si mesmo ou de realizar junções inesperadas, o duplo sentido, o trocadilho são jogos que a linguagem permite para sutilezas bem construídas. No entanto, não há nada mais desagradável do que uma piada sem graça. Maldita, então, é a jocosidade ofensiva. O humano é capaz de exacerbar fragilidades emocionais produzindo prazer para si e para o público para o qual exibe a própria esperteza. Somente a sensibilidade crítica inibe esse tipo de prazer. O dado de realidade localiza o impulso e tem força para a suspensão do conteúdo que agride. A percepção da dor do outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença é o princípio da alteridade, noção cara para os dias atuais.

Por isso a “gracinha” de Ziraldo soou como um tapa na cara, sobretudo, pela maneira displicente de referir o racismo que atinge a cidadania da população negra no país. A agressão veio acompanhada da asneira conceitual que pressupõe racismo com ódio e sem ódio. Mas a excrescência teve troco. A densidade e o estilo conhecido das análises definitivas da ágil intelectual negra Ana Maria Gonçalves (2) foi um golpe preciso. Outro, o isolamento do cartunista carente de eventuais defensores públicos da “carnavalização do racismo”.

A vinculação entre os escritores a partir de uma mesma ocorrência pode vir a ser um marco para a atenção sobre o racismo quando sobreposto à sociedade brasileira. Todavia, a etiqueta racista entregue a um ou a outro esgotaria o evento nele mesmo. Certamente, Ziraldo não está sozinho na sua livre expressão. É comum os pleitos racistas invocarem a liberdade de expressão associada à absolutamente condenada idéia de censura. Esta é uma das nuanças do “deixe meu politicamente incorreto em paz”, como se a criação artística não devesse satisfação nem ao constrangimento que possa submeter seja ao gato, ao urubu ou à infância negra. Se a razão do Estado é garantir a proteção e a defesa dos incluídos em seu território, a cidadania é livre para agir mas deve responder pelas conseqüências dos seus atos. Os aperfeiçoamentos legais conquistados arduamente são demandas que resultam do embate de argumentos culturais.

Portanto, não há como considerar irrelevante o racismo difundido por meio de aparentemente ingênuas obras ou o dimensionado no mapa da violência 2011 a demonstrar o extermínio de jovens negros. Se estampado fosse o slogan - “não somos racistas”- a mensagem a circular no carnaval seria a mesma. Todavia, por trás dessa opinião há a dificuldade para reconhecer a história particular da parcela negra da população do país e o esmero em atrasar intervenções que superem a desigualdades que a atinge. É braço da manutenção de privilégios.

E com a “mulata” impressa, Ziraldo consegue animalizar mais ainda a mulatisse das mulas que a semântica oferta às moças negras. Despida da história do uso semântico para racismos criadores de hierarquias entre mulheres reais, a do desenho está numa situação pior do que a do gato que segura numa das mãos o pau enquanto a outra lhe passa a mão na bunda.

O argumento aí implícito defende que não ser racista é sair ridicularizando uma pedagogia anti-racista. A indignidade sexista recupera ainda, a contenda da miscigenação, ora exaltada, ora condenada como síntese sociológica do Brasil. A máxima de sermos todos mestiços, concepção, aliás, soberana em princípios racialistas a priorizar o aspecto genético da questão, está da mesma forma dimensionada. Essa conotação social do feminino negro o transforma em categoria apaziguadora de conflito racial. É a mesma lógica presente em teorias do relacionamento harmônico que tendem a evidenciar a felicidade do convívio inter-racial nas ruas e a silenciar no que diga respeito à segregação dos mesmos nas esferas de poder do país. A evidente desigualdade para acessos sociais e as iniciativas que afirmem a condição da diferença na escala dos fenótipos tem sido um importante desafio para a sociedade compreender, demandar e alterar padrões de poder no país. O principal entrave está nas visões que apenas consideram o fator classe para o desdobramento de políticas universalistas gestadas pelos governos. Para o Estado, a nuança da história da escravidão e suas conseqüências para os que dela descendem deveria ser uma variável particular na administração do bem comum.


O racismo nativo e o informante

Se o que os escritores protagonizaram pode ser visto como dimensionamento do racismo enrustido ou explícito, condenado ou negligenciado na sociedade dos nossos tempos, a inesperada reunião propicia uma circunstância singular; a de serem sujeitos nativos e informantes de conteúdos vinculados ao setor editorial.

Essa dicotomia é central para o saber antropológico, área que adotei como profissão. A problemática relação nativo-informante, para a teoria, faz lembrar a busca de sistemática fundamentação a lançar luzes sobre o intercâmbio entre argumentos culturais e produção de conhecimento. A revisão incessante tendo para exame as contingências imperialistas, colonialistas e tantas outras istas imbricadas nesse conhecer o “outro” considerou-os monólogos discursivos Os inúmeros alertas confirmaram ao menos uma certeza: o acesso à produção a garantir o espaço para pontos de vista distintos, para o embate de idéias é a única e a mais louvável das lapidações em prol da democracia a gerar o saber compartilhado.

Mas e quando o tema passa a considerar a perspectiva infantil de ser informada pelo mundo e sobre o mundo? No caso brasileiro, podemos nos dar conta do imenso espaço que Lobato e Ziraldo ocupam na cabeça de várias gerações de brasileiros, o que ressalta o tema da presença negra na história editorial. As figurinhas negras elaboradas por suas mentalidades fazem parte do imaginário que produziram abundantemente quase como um monólogo promovido e consentido. A representação ofertada por esses autores quase não teve contraponto.

Pensando ainda sobre os polos que se opõem é hora de recordar o fato de sermos mais complexos que a teoria. Se a filiação ao partido político pode enviesar o julgamento de um relatório do MEC, o que dizer dos males da xenofobia? Reveladas as idéias racistas de Lobato, como o fez, recente e brilhantemente, Ana Maria Gonçalves examinando inclusive o acervo de cartas do escritor, a análise da produção do autor ganhou em redimensionamentos. Não há como negligenciar que para a história da presença de personagens negros no universo da literatura infantil os textos que ele produziu, foram inovadores, assim como o valor positivo para gênero, ou o protagonismo do idoso e outros aspectos que o exame atento pode, infinitamente, revelar. Caso o foco seja a ilustração de seu material, lá também está a Nastácia pelas mãos de Voltolino recebendo tratamento visual mais equitativo do que se poderia esperar quando relacionada à Benta.

O contrário também é exemplar. Uma leitura contemporânea das edições, ilustradores a fora e além do período original, reserva as mais grotescas formas da personagem. Idiotizada, bestializada, animalizada, inferiorizada sob todos os aspectos, tornada monstrenga, suja o que facilmente contrasta com a composição das demais figuras.



O dado, sem dúvida, tem muito a dizer a respeito da livre circulação de preconceitos para as gerações de diferentes contextos. Por sua vez, Ziraldo, com seu trabalho O menino marrom (1986) produziu uma narrativa datada deixando como depoimento a dificuldade do cartunista em construir um personagem negro bonito, é o que o enredo propõe. E ele cumpriu a tarefa reservando o cuidado gráfico ao personagem. O que se depara, nesse caso, é a dificuldade em desenhar um menino negro. Negro não; marrom. A estrutura da obra testemunha que nos anos 1980 ainda não havia meninos negros bonitos retratados nos livros. Também deixa dicas sobre a resposta da época em afirmar a identidade negra. A interlocução com o menino cor de rosa reduz a densidade da história pela da cor.


É um ângulo para lidar com a questão. Mas não o único. É provável que tanto Lobato quanto Ziraldo precisaram localizá-la para traçar mapas, itinerários e rotas de viagem em terras desconhecidas como a de facultar seus modelos de humanidade negros. Da para imaginar os dois submetidos a uma série de circunstâncias políticas e de logística expedicionária durante o processo de suas criações. E, se muito se sabe das práticas coletivas de atribuir significados aos povos negros pelos não tão negros pouca é a investigação dos processos em que a paisagem humana negra vai surgindo no universo desconhecido do explorador. E é nessa brecha que pode surgir o destaque para a força dos personagens em sua soberania a propor conteúdos para a autoria. Na verdade, as Nastácias ou o Barnabés lobatianos são expressões da narrativa popular se impondo. O autor se serviu da saborosa fonte para as suas elaborações. A alusão ao menino negro apesar da assimetria com o cor de rosa também conquistou visibilidade. E todo o escritor sabe que a construção do sentido literário nunca é unilateral. Ela indaga e negocia, o tempo todo, com a criação. O personagem, como espessura inconsciente, adquire vida, espaço e autonomia. Incluir a imagem da população negra por Lobato e Ziraldo foi uma condição advinda do contato com o tema já que antes ele não havia. Apesar das concepções racistas, é a demanda por um protótipo negro que chama a atenção para si a ponto de entrar para o livro. E é esta soberania que torna mais notória ainda a ausência/presença da imagem como nativos e/ou informantes para dar a conhecer o mundo.

O outro lado dessa mesma moeda é o comparecimento de escritores negros no cenário das publicações. A existência negra expressa na literatura pouco abasteceu bibliotecas, videotecas, acervos de brinquedos. O racismo editorial produziu uma história de violência. O personagem, mas também o autor negro são heróis na jornada contra o preconceito. A desigualdade das cenas ficcionais dentro das obras é a mesma fora delas. Não obstante as ausências, as mudanças de mentalidades nos processos envolvendo o setor.

Em pleno século XXI, não fosse o educador bater na porta do MEC, os conteúdos do livro de Lobato, continuariam pouco problematizados. Da mesma forma o tabu de questionar seja quem for o autor consagrado nas bibliotecas escolares. Por sua vez, não estariam colocadas na mesa as indagações extensivas como o acesso à produção diversificador de pontos de vista. Não havendo confronto, a ignorância lúcida ou ingênua é mantida e não conseguirá identificar a dor do racismo. A “mulata” impressa na camiseta, nesse ínterim, se olharmos bem, ela começa a falar da violência e da assimetria em que a posicionaram e que está ali sufocada e constrangida. A passividade simbolicamente sugerida, no entanto, acabou tridimensionalizada pela realidade. A entrada da internet como variável para os principais polêmicas nacionais tornou o nativo informante e aponta a precariedade da dicotomia. Este é um ponto de inversão cultural.

O racismo, enfim, é um desafio para todas as sociedades e todas as esferas. O acervo de obras singelas é extensão de obras acadêmicas. A prevalência de fórmulas racistas em material, aparentemente ingênuo, também significa a falta de analistas formados para a temática. A tecnologia, consenso para aperfeiçoar o desenvolvimento do país deveria tornar mais apto o saber acerca do racismo. Assunto de impacto, as diretrizes da tecnologia das relações raciais ocupam qual o espaço no gerenciamento da ciência produzida no país? Cadê o bloco do anti-racismo no investimento e na inovação tecnológica voltada para as dinâmicas raciais? A gestão de financiamento da pesquisa em centros universitários atenta para a diversidade e equanimidade dos pesquisadores que a acompanha? Estas são algumas cores para imprimir no desenho de Brasil.


(1) Antropóloga com mestrado e doutorado obtido na Universidade de São Paulo. Também escreve para crianças e é consultora para os episódios do Livros Animados- Programa A Cor da Cultura - TV Futura.

(2) Carta Aberta ao Ziraldo, por Ana Maria Gonçalves



Para MAIS evidências sobre os fatos REAIS:
E a "ousadia" da mídia continua:


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Rio de Janeiro - Decisão CME: não ao "ensino religioso"


No Diário Oficial desta 5ª feira, dia 24 de fevereiro de 2011,
foi publicada a decisão do
Conselho Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro,
eliminando completamente a possibilidade de ser implantado
ensino religioso nas escolas municipais do Rio de Janeiro


Foi fruto de um longo processo de discussão e amadurecimento.

A implantação do ensino religioso nas escolas sempre foi uma das bandeiras dos neopentecostais.

As ponderações da relatora foram fulminantes. Destaco os seguintes trechos:

"Se, como prescreve a lei, o ensino religioso é de matrícula facultativa ao aluno, como pode fazer parte dos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental? Farão parte das 800 horas de carga horária mínima estipulada? Como computar a carga horária dos alunos que optarem por não freqüentá-lo? "

"Como pensar o estabelecimento de conteúdos que respeitem a diversidade Cultural e religiosa, ouvindo entidades civis constituídas pelas diferentes denominações religiosas, sem que isso represente qualquer forma de proselitismo?"

"A consulta a essas instituições religiosas poderia ser interpretada como uma forma de ingerência em matéria que cabe ao Estado? Quais critérios seguir para o oferecimento de aulas/turmas que levem em consideração a diversidade de credos (ou ausência deles) dos alunos?"

"Como equacionar a representatividade de credos religiosos e os critérios oficiais de organização de turmas pautados na relação adulto-criança/jovem?"

"Quantos e com que formação deveriam ser os professores credenciados para esse cargo?Quais as implicações jurídicas, administrativas, financeiras e estruturais seriam decorrentes dessa medida?"

"O Conselho Municipal do Rio de Janeiro, reafirmando o caráter laico da escola pública, compreende que o ensino religioso não se constitui em uma área de conhecimento específica que deva ser tratada nos moldes disciplinares".

"O Conselho compreende que ele integra o que as Diretrizes Curriculares Nacionais nomeiam como Princípios (éticos, estéticos e políticos), devendo, portanto, ser tratado, na condição de Princípio, como um balizador dos Projetos Políticos Pedagógicos, sem hierarquização face a outros valores que circulam na cultura”.


Abaixo, a íntegra da decisão.

Recebido de Átila Nunes Neto, a quem agradecemos.


DIÁRIO OFICIAL de 24 de fevereiro de 2011

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
ATO DO CONSELHO
CÂMARA DE POLÍTICAS SOCIAIS
INTEGRADAS À EDUCAÇÃO
PARECER N.º04/2011

Opina sobre a aplicabilidade do disposto no art.33 da Lei nº 9.394, de 20/12/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) tratando do Ensino Religioso.

HISTÓRICO

Em 14 de dezembro de 2010, o Conselho Nacional de Educação publicou a Resolução n° 7, que fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos.

A leitura atenta da referida Resolução esteve em pauta neste Conselho, em sessões realizadas nos meses de janeiro e fevereiro do corrente ano, propiciando um substantivo debate. Mereceram destaque o Artigo 15 e seu 6° parágrafo, que tratam do Ensino Religioso na organização dos Componentes Curriculares Obrigatórios do Ensino Fundamental, resultando neste parecer cujo objetivo é apresentar o posicionamento do Conselho Municipal do Rio de Janeiro face ao tema em tela.

Considerando a diversidade que constituiu a sociedade brasileira e a garantia constitucional do direito dos cidadãos em exercer livre e democraticamente seus pensamentos e crenças, todo processo que envolve o campo religioso é de grande complexidade e requer cuidado em sua abordagem, sobretudo quando se refere à normatização do Ensino Religioso pelos Sistemas de Ensino.

Vários fatores se colocam em conflito e contribuem para essa complexidade: a relação entre Estado e Religião; a relação hierárquica entre instituições religiosas hegemônicas e outras de menor visibilidade; o respeito à diversidade e às diferenças religiosas, bem como o direito ao ateísmo ou agnosticismo; o papel da escola e da família na formação das crianças e jovens; o sentido da escola pública. A construção e constante reformulação de documentos legais para este campo são exemplares da complexidade e do reduzido consenso que a temática alcança. Vejamos:

Na Constituição Brasileira, datada de 1988, encontramos:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Em 20 de dezembro de 1996, em conformidade com a Constituição promulgada em 1988, foi editada a Lei 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sendo o ensino religioso assim tratado :

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:

I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou

II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa.

Esse artigo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sete meses depois de sua publicação, sofreu alteração através da Lei 9.475, de 22 de julho de 1997, passando a vigorar com a seguinte redação:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso." Seguindo essa redação, o artigo 15 da Resolução n° 7 do Conselho Nacional de Educação, que “fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos”, apresenta o ensino religioso entre os componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental.

Art. 15 “Os componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental serão assim organizados em relação às áreas de conhecimento:

I – Linguagens:

a) Língua Portuguesa;
b) Língua Materna, para populações indígenas;
c) Língua Estrangeira moderna;
d) Arte; e
e) Educação Física;

II – Matemática;

III – Ciências da Natureza;

IV – Ciências Humanas:
a) História;
b) Geografia;

V – Ensino Religioso.”

§ 6º O Ensino Religioso, de matrícula facultativa ao aluno, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui componente curricular dos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil e vedadas quaisquer formas de proselitismo, conforme o art. 33 da Lei nº 9.394/96.

Entendendo como controversa a matéria em questão, a Procuradoria Geral da República, no dia 2 de agosto de 2010, propôs ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4439), solicitando interpretação constitucional do artigo 33 da Lei de Diretrizes de Bases, no sentido de tornar clara a incompatibilidade entre a laicidade da escola pública e o ensino de caráter confessional. A matéria aguarda decisão final do Superior Tribunal de Justiça, estando em tramitação no referido órgão.


VOTO DA RELATORA

O amplo debate que cerca a normatização do ensino religioso afeta este Conselho sob duas perspectivas. Uma, de natureza político-filosófica, que diz respeito a tornar pública para a sociedade a compreensão que este Conselho tem do tema em tela. Outra, de natureza pragmática, refere-se às deliberações necessárias para que as redes de ensino organizem seus currículos e seus quadros docentes.

Muitos pontos polêmicos e conflituosos ainda se fazem presentes, sem que tenham sido tocados pelas alterações dos textos oficiais. Alguns já foram tratados por este Conselho no Parecer 23, de 31 de julho de 2001. Outros permanecem em aberto, reafirmando o caráter polêmico da temática.

Se, como prescreve a lei, o ensino religioso é de matrícula facultativa ao aluno, como pode fazer parte dos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental? Farão parte das 800 horas de carga horária mínima estipulada? Como computar a carga horária dos alunos que optarem por não freqüentá-lo?

Estas questões associam-se a outras: Como pensar o estabelecimento de conteúdos que respeitem a diversidade cultural e religiosa, ouvindo entidades civis constituídas pelas diferentes denominações religiosas, sem que isso represente qualquer forma de proselitismo? A consulta a essas instituições religiosas poderia ser interpretada como uma forma de ingerência em matéria que cabe ao Estado? Quais critérios seguir para o oferecimento de aulas/turmas que levem em consideração a diversidade de credos (ou ausência deles) dos alunos?

Como equacionar a representatividade de credos religiosos e os critérios oficiais de organização de turmas pautados na relação adulto-criança/jovem? Quantos e com que formação deveriam ser os professores credenciados para esse cargo?

Quais as implicações jurídicas, administrativas, financeiras e estruturais seriam decorrentes dessa medida?

Considerando os muitos questionamentos que permanecem em aberto e as conseqüências administrativas de uma adequação precipitada numa rede de tamanha extensão, é recomendável que nenhuma decisão seja tomada até que a ação de inconstitucionalidade apresentada pela Procuradoria Geral da República seja votada.

O Conselho Municipal do Rio de Janeiro, reafirmando o caráter laico da escola pública, compreende que o ensino religioso não se constitui em uma área de conhecimento específica que deva ser tratada nos moldes disciplinares.

O Conselho compreende que ele integra o que as Diretrizes Curriculares Nacionais nomeiam como Princípios (éticos, estéticos e políticos), devendo, portanto, ser tratado, na condição de Princípio, como um balizador dos Projetos Políticos Pedagógicos, sem hierarquização face a outros valores que circulam na cultura.


DECISÃO DA CÂMARA

Rita Marisa Ribes Pereira
Iza Locatelli
Sérgio Sodré Peçanha
Marcelo Pereira
Maria de Nazareth M. de B. Vasconcellos
Luiz Otávio Neves Mattos

Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 2011.

DECISÃO DO PLENÁRIO

O presente Parecer foi aprovado por unanimidade.

Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 2011.


sábado, 19 de fevereiro de 2011

Carta ao Ziraldo e a todo-a e qualquer racista


Carta Aberta ao Ziraldo, por Ana Maria Gonçalves”

Com total desinformação sobre o teor do Parecer do CNE sobre o livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato (ver MLG Informa e ainda mais), o bloco “Que M... é Essa?!”, do Rio de Janeiro, diz que traz, no carnaval 2011, o tema “é proibido proibir”, inspirado naquilo que -pessoas que apenas ouvem e emitem “opiniões” – chamam de “polêmica”, como se o parecer do eminente Conselho Nacional de Educação - CNE - tivesse a intenção de “censurar livros de Monteiro Lobato”.

O cartunista Ziraldo, conhecido e reconhecido em todo o País e no exterior e participante do “bloco”; além de concordar com a iniciativa, ainda desenhou um cartum que será estampado nas camisetas dos/as participantes. O cartum de péssimo gosto e explícita afronta a qualquer princípio de cidadania étnico-racial identifica o longo caminho ainda a ser trilhado para a superação do racismo neste Brasil... e o que é pior: o longo caminho para que se alcance o respeito de pessoas que teriam todos os motivos para serem consideradas “parceiras” e “aliadas”, não fosse o cair total da máscara em situações limites e pretensamente jocosas, como são aquelas do período carnavalesco.



Ana Maria Gonçalves - Negra, escritora, autora de "Um defeito de cor" publicou “
Carta Aberta ao Ziraldo, por Ana Maria Gonçalves”, em “O Biscoito Fino e a Massa”, um blog que está na rede desde 2004:

Caro Ziraldo,

Olho a triste figura de Monteiro Lobato abraçado a uma mulata, estampada nas camisetas do bloco carnavalesco carioca "Que merda é essa?" e vejo que foi obra sua. Fiquei curiosa para saber se você conhece a opinião de Lobato sobre os mestiços brasileiros e, de verdade, queria que não. Eu te respeitava, Ziraldo. Esperava que fosse o seu senso de humor falando mais alto do que a ignorância dos fatos, e por breves momentos até me senti vingada. Vingada contra o racismo do eugenista Monteiro Lobato que, em carta ao amigo Godofredo Rangel, desabafou: "(...)Dizem que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e dá uns produtos instáveis. Isso no moral – e no físico, que feiúra! Num desfile, à tarde, pela horrível Rua Marechal Floriano, da gente que volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal. Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se do português de maneira mais terrível – amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde. E vão apinhados como sardinhas e há um desastre por dia, metade não tem braço ou não tem perna, ou falta-lhes um dedo, ou mostram uma terrível cicatriz na cara. “Que foi?” “Desastre na Central.” Como consertar essa gente? Como sermos gente, no concerto dos povos? Que problema terríveis o pobre negro da África nos criou aqui, na sua inconsciente vingança!..." (em "A barca de Gleyre". São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944. p.133).

Ironia das ironias, Ziraldo, o nome do livro de onde foi tirado o trecho acima é inspirado em um quadro do pintor suíço Charles Gleyre (1808-1874), Ilusões Perdidas. Porque foi isso que aconteceu. Porque lendo uma matéria sobre o bloco e a sua participação, você assim o endossa : "Para acabar com a polêmica, coloquei o Monteiro Lobato sambando com uma mulata. Ele tem um conto sobre uma neguinha que é uma maravilha. Racismo tem ódio. Racismo sem ódio não é racismo. A ideia é acabar com essa brincadeira de achar que a gente é racista". A gente quem, Ziraldo? Para quem você se (auto) justifica? Quem te disse que racismo sem ódio, mesmo aquele com o "humor negro" de unir uma mulata a quem grande ódio teve por ela e pelo que ela representava, não é racismo? Monteiro Lobato, sempre que se referiu a negros e mulatos, foi com ódio, com desprezo, com a certeza absoluta da própria superioridade, fazendo uso do dom que lhe foi dado e pelo qual é admirado e defendido até hoje. Em uma das cartas que iam e vinham na barca de Gleyre (nem todas estão publicadas no livro, pois a seleção foi feita por Lobato, que as censurou, claro) com seu amigo Godofredo Rangel, Lobato confessou que sabia que a escrita "é um processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, 'work' muito mais eficientemente".

Lobato estava certo. Certíssimo. Até hoje, muitos dos que o leram não vêem nada de errado em seu processo de chamar negro de burro aqui, de fedorento ali, de macaco acolá, de urubu mais além. Porque os processos indiretos, ou seja, sem ódio, fazendo-se passar por gente boa e amiga das crianças e do Brasil, "work" muito bem. Lobato ficou frustradíssimo quando seu "processo" sem ódio, só na inteligência, não funcionou com os norte-americanos, quando ele tentou em vão encontrar editora que publicasse o que considerava ser sua obra prima em favor da eugenia e da eliminação, via esterilização, de todos os negros. Ele falava do livro "O presidente negro ou O choque das raças" que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, país daquele povo que odeia negros, como você diz, Ziraldo, foi publicado no Brasil. Primeiro em capítulos no jornal carioca A Manhã, do qual Lobato era colaborador, e logo em seguida em edição da Editora Companhia Nacional, pertencente a Lobato. Tal livro foi dedicado secretamente ao amigo e médico eugenista Renato Kehl, em meio à vasta e duradoura correspondência trocada pelos dois: “Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. (...) Precisamos lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade precisa de uma coisa só: póda. É como a vinha".

Impossibilitado de colher os frutos dessa poda nos EUA, Lobato desabafou com Godofredo Rangel: "Meu romance não encontra editor. [...]. Acham-no ofensivo à dignidade americana, visto admitir que depois de tantos séculos de progresso moral possa este povo, coletivamente, cometer a sangue frio o belo crime que sugeri. Errei vindo cá tão verde. Devia ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros." Tempos depois, voltou a se animar: "Um escândalo literário equivale no mínimo a 2.000.000 dólares para o autor (...) Esse ovo de escândalo foi recusado por cinco editores conservadores e amigos de obras bem comportadas, mas acaba de encher de entusiasmo um editor judeu que quer que eu o refaça e ponha mais matéria de exasperação. Penso como ele e estou com idéias de enxertar um capítulo no qual conte a guerra donde resultou a conquista pelos Estados Unidos do México e toda essa infecção spanish da América Central. O meu judeu acha que com isso até uma proibição policial obteremos - o que vale um milhão de dólares. Um livro proibido aqui sai na Inglaterra e entra boothegued como o whisky e outras implicâncias dos puritanos". Lobato percebeu, Ziraldo, que talvez devesse apenas exasperar-se mais, ser mais claro em suas ideias, explicar melhor seu ódio e seu racismo, não importando a quem atingiria e nem por quanto tempo perduraria, e nem o quão fundo se instalaria na sociedade brasileira. Importava o dinheiro, não a exasperação dos ofendidos. 2.000.000 de dólares, ele pensava, por um ovo de escândalo. Como também foi por dinheiro que o Jeca Tatu, reabilitado, estampou as propagandas do Biotônico Fontoura.

Você sabe que isso dá dinheiro, Ziraldo, mesmo que o investimento tenha sido a longo prazo, como ironiza Ivan Lessa: "Ziraldo, o guerrilheiro do traço, está de parabéns. Finalmente o governo brasileiro tomou vergonha na cara e acabou de pagar o que devia pelo passe de Jeremias, o Bom, imortal personagem criado por aquele que também é conhecido como “o Lamarca do nanquim”. Depois do imenso sucesso do calunguinha nas páginas de diversas publicações, assim como também na venda de diversos produtos farmacêuticos, principalmente doenças da tireóide, nos idos de 70, Ziraldo, cognominado ainda nos meios esclarecidos como “o subversivo da caneta Pilot”, houve por bem (como Brutus, Ziraldo é um homem de bem; são todos uns homens de bem – e de bens também) vender a imagem de Jeremias para a loteca, ou seja, para a Caixa Econômica Federal (federal como em República Federativa do Brasil) durante o governo Médici ou Geisel (os déspotas esclarecidos em muito se assemelham, sendo por isso mesmo intercambiáveis)".

No tempo em que linchavam negros, disse Lobato, como se o linchamento ainda não fosse desse nosso tempo. Lincham-se negros nas ruas, nas portas dos shoppings e bancos, nas escolas de todos os níveis de ensino, inclusive o superior. O que é até irônico, porque Lobato nunca poderia imaginar que chegariam lá. Lincham-se negros, sem violência física, é claro, sem ódio, nos livros, nos artigos de jornais e revistas, nos cartoons e nas redes sociais, há muitos e muitos carnavais. Racismo não nasce do ódio ou amor, Ziraldo, sendo talvez a causa e não a consequência da presença daquele ou da ausência desse. Racismo nasce da relação de poder. De poder ter influência ou gerência sobre as vidas de quem é considerado inferior. "Em que estado voltaremos, Rangel," se pergunta Lobato, ao se lembrar do quadro para justificar a escolha do nome do livro de cartas trocadas, "desta nossa aventura de arte pelos mares da vida em fora? Como o velho de Gleyre? Cansados, rotos? As ilusões daquele homem eram as velas da barca – e não ficou nenhuma. Nossos dois barquinhos estão hoje cheios de velas novas e arrogantes, atadas ao mastro da nossa petulância. São as nossas ilusões". Ah, Ziraldo, quanta ilusão (ou seria petulância? arrogância; talvez? sensação de poder?) achar que impor à mulata a presença de Lobato nessa festa tipicamente negra, vá acabar com a polêmica e todos poderemos soltar as ancas e cada um que sambe como sabe e pode. Sem censura. Ou com censura, como querem os quemerdenses. Mesmo que nesse do Caçadas de Pedrinho a palavra censura não corresponda à verdade, servindo como mero pretexto para manifestação de discordância política, sem se importar com a carnavalização de um tema tão dolorido e tão caro a milhares de brasileiros. E o que torna tudo ainda mais apelativo é que o bloco aponta censura onde não existe e se submete, calado, ao pedido da prefeitura para que não use o próprio nome no desfile. Não foi assim? Você não teve que escrever "M*" porque a palavra "merda" foi censurada? Como é que se explica isso, Ziraldo? Mente-se e cala-se quando convém? Coerência é uma questão de caráter.

O que o MEC solicita não é censura. É respeito aos Direitos Humanos. Ao direito de uma criança negra em uma sala de aula do ensino básico e público, não se ver representada (sim, porque os processos indiretos, como Lobato nos ensinou, "work" muito mais eficientemente) em personagens chamados de macacos, fedidos, burros, feios e outras indiretas mais. Você conhece os direitos humanos, inclusive foi o artista escolhido para ilustrar a Cartilha de Direitos Humanos encomendada pela Presidência da República, pelas secretarias Especial de Direitos Humanos e de Promoção dos Direitos Humanos, pela ONU, a UNESCO, pelo MEC e por vários outros órgãos. Muitos dos quais você agora desrespeita ao querer, com a sua ilustração, acabar de vez com a polêmica causada por gente que estudou e trabalhou com seriedade as questões de educação e desigualdade racial no Brasil. A adoção do Caçadas de Pedrinho vai contra a lei de Igualdade Racial e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que você conhece e ilustrou tão bem. Na página 25 da sua Cartilha de Direitos Humanos, está escrito: "O único jeito de uma sociedade melhorar é caprichar nas suas crianças. Por isso, crianças e adolescentes têm prioridade em tudo que a sociedade faz para garantir os direitos humanos. Devem ser colocados a salvo de tudo que é violência e abuso. É como se os direitos humanos formassem um ninho para as crianças crescerem." Está lá, Ziraldo, leia de novo: "crianças e adolescentes têm prioridade". Em tudo. Principalmente em situações nas quais são desrespeitadas, como na leitura de um livro com passagens racistas, escrito por um escritor racista com finalidades racistas. Mas você não vê racismo e chama de patrulhamento do politicamente correto e censura. Você está pensando nas crianças, Ziraldo? Ou com medo de que, se a moda pega, a "censura" chegue ao seu direito de continuar brincando com o assunto? "Acho injusto fazer isso com uma figura da grandeza de Lobato", você disse em uma reportagem. E com as crianças, o público-alvo que você divide com Lobato, você acha justo? Sim, vocês dividem o mesmo público e, inclusive, alguns personagens, como uma boneca e pano e o Saci, da sua Turma do Pererê. Medo de censura, Ziraldo, talvez aos deslizes, chamemos assim, que podem ser cometidos apenas porque se acostuma a eles, a ponto de pensar que não são, de novo chamemos assim, deslizes.

A gente se acostuma, Ziraldo. Como o seu menino marrom se acostumou com as sandálias de dedo: "O menino marrom estava tão acostumado com aquelas sandálias que era capaz de jogar futebol com elas, apostar corridas, saltar obstáculos sem que as sandálias desgrudassem de seus pés. Vai ver, elas já faziam parte dele" (ZIRALDO, 1986,p. 06, em O Menino Marrom). O menino marrom, embora seja a figura simpática e esperta e bonita que você descreve, estava acostumado e fadado a ser pé-de-chinelo, em comparação ao seu amigo menino cor-de-rosa, porque "(...) um já está quase formado e o outro não estuda mais (...). Um já conseguiu um emprego, o outro foi despedido do quinto que conseguiu. Um passa seus dias lendo (...), um não lê coisa alguma, deixa tudo pra depois (...). Um pode ser diplomata ou chofer de caminhão. O outro vai ser poeta ou viver na contramão (...). Um adora um som moderno e o outro – Como é que pode? – se amarra é num pagode. (...) Um é um cara ótimo e o outro, sem qualquer duvida, é um sujeito muito bom. Um já não é mais rosado e o outro está mais marrom" (ZIRALDO, 1986, p.31). O menino marrom, ao crescer, talvez virasse marginal, fado de muito negro, como você nos mostra aqui: "(...) o menino cor-de-rosa resolveu perguntar: por que você vem todo o dia ver a velhinha atravessar a rua? E o menino marrom respondeu: Eu quero ver ela ser atropelada" (ZIRALDO, 1986, p.24), porque a própria professora tinha ensinado para ele a diferença e a (não) mistura das cores. Então ele pensou que "Ficar sozinho, às vezes, é bom: você começa a refletir, a pensar muito e consegue descobrir coisas lindas. Nessa de saber de cor e de luz (...) o menino marrom começou a entender porque é que o branco dava uma idéia de paz, de pureza e de alegria. E porque razão o preto simbolizava a angústia, a solidão, a tristeza. Ele pensava: o preto é a escuridão, o olho fechado; você não vê nada. O branco é o olho aberto, é a luz!" (ZIRALDO, 1986, p.29), e que deveria se conformar com isso e não se revoltar, não ter ódio nenhum ao ser ensinado que, daquela beleza, pureza e alegria que havia na cor branca, ele não tinha nada. O seu texto nos ensina que é assim, sem ódio, que se doma e se educa para que cada um saiba o seu lugar, com docilidade e resignação: "Meu querido amigo: Eu andava muito triste ultimamente, pois estava sentindo muito sua falta. Agora estou mais contente porque acabo de descobrir uma coisa importante: preto é, apenas, a ausência do branco" (ZIRALDO, 1986, p.30).

Olha que interessante, Ziraldo: nós que sabemos do racismo confesso de Lobato e conseguimos vê-lo em sua obra, somos acusados por você de "macaquear" (olha o termo aí) os Estados Unidos, vendo racismo em tudo. "Macaqueando" um pouco mais, será que eu poderia também acusá-lo de estar "macaqueando" Lobato, em trechos como os citados acima? Sem saber, é claro, mas como fruto da introjeção de um "processo" que ele provou que "work" com grande eficiência e ao qual podemos estar todos sujeitos, depois de sermos submetidos a ele na infância e crescermos em uma sociedade na qual não é combatido. Afinal, há quem diga que não somos racistas. Que quem vê o racismo, na maioria os negros, que o sofrem, estão apenas "macaqueando". Deveriam ficar calados e deixar dessa bobagem. Deveriam se inspirar no menino marrom e se resignarem. Como não fazem muitos meninos e meninas pretos e marrons, aqueles que são a ausência do branco, que se chateiam, que se ofendem, que sofrem preconceito nas ruas e nas escolas e ficam doídos, pensando nisso o tempo inteiro, pensando tanto nisso que perdem a vontade de ir à escola, começam a tirar notas baixas porque ficam matutando, ressentindo, a atenção guardadinha lá debaixo da dor. E como chegam à conclusão de que aquilo não vai mudar, que não vão dar em nada mesmo, que serão sempre pés-de-chinelo, saem por aí especializando-se na arte de esperar pelo atropelamento de velhinhas.


Racismo é um dos principais fatores responsáveis pela limitada participação do negro no sistema escolar, Ziraldo, porque desvia o foco, porque baixa a auto-estima, porque desvia o foco das atividades, porque a criança fica o tempo todo tendo que pensar em como não sofrer mais humilhações, e o material didático, em muitos casos, não facilita nada a vida delas. E quando alguma dessas crianças encontra um jeito de fugir a esse destino, mesmo que não tenha sido através da educação, fica insuportável e merece o linchamento público e exemplar, como o sofrido por Wilson Simonal. Como exemplo, temos a sua opinião sobre ele: "Era tolo, se achava o rei da cocada preta, coitado. E era mesmo. Era metido, insuportável". Sabe, Ziraldo, é por causa da perpetuação de estereótipos como esses que às vezes a gente nem percebe que eles estão ali, reproduzidos a partir de preconceitos adquiridos na infância, que a SEPPIR pediu que o MEC reavaliasse a adoção de Caçadas de Pedrinho. Não a censura, mas a reavaliação. Uma nota, talvez, para ser colocada junto com as outras notas que já estão lá para proteger os direitos das onças de não serem caçadas e o da ortografia, de evoluir. Já estão lá no livro essas duas notas e a SEPPIR pede mais uma apenas, para que as crianças e os adolescentes sejam "colocados a salvo de tudo que é violência e abuso", como está na cartilha que você ilustrou. Isso é um direito delas, como seres humanos. É por isso que tem gente lutando, como você também já lutou por direitos humanos e por reparação. É isso que a SEPPIR pede: reparação pelos danos causados pela escravidão e pelo racismo.

Assim você se defendeu de quem o atacou na época em que conseguiu fazer valer os seus direitos: "(…) Espero apenas que os leitores (que o criticam) não tenham sua casa invadida e, diante de seus filhos, sejam seqüestrados por componentes do exército brasileiro pelo fato de exercerem o direito de emitir sua corajosa opinião a meu respeito, eu, uma figura tão poderosa”. Ziraldo, você tem noção do que aconteceu com os, citando Lobato, "negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão", e do que acontece todos os dias com seus descendentes em um país que naturalizou e, paradoxalmente, nega o seu racismo? De quantos já morreram e ainda morrem todos os dias porque tem gente que não os leva a sério? Por causa do racismo é bem difícil que essa gente fadada a ser pé-de-chinelo a vida inteira, essas pessoas dos subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal, - porque nelas está a ausência do branco, esse povo todo representado pela mulata dócil que você faz sorrir nos braços de um dos escritores mais racistas e perversos e interesseiros que o Brasil já teve, aquele que soube como ninguém que um país (racista) também de faz de homens e livros (racistas), por causa disso tudo, Ziraldo, é que eu ia dizendo ser quase impossível para essa gente marrom, herdeira dessa gente de cor que simboliza a angústia, a solidão, a tristeza, gerar pessoas tão importantes quanto você, dignas da reparação (que nem é financeira, no caso) que o Brasil também lhes deve: respeito. Respeito que precisou ser ancorado em lei para que tivesse validade, e cuja aplicação você chama de censura.

Junto com outros grandes nomes da literatura infantil brasileira, como Ana Maria Machado e Ruth Rocha, você assinou uma carta que, em defesa de Lobato e contra a censura inventada pela imprensa, diz: "Suas criações têm formado, ao longo dos anos, gerações e gerações dos melhores escritores deste país que, a partir da leitura de suas obras, viram despertar sua vocação e sentiram-se destinados, cada um a seu modo, a repetir seu destino. (...) A maravilhosa obra de Monteiro Lobato faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças. Nenhum de nós, nem os mais vividos, têm conhecimento de que os livros de Lobato nos tenham tornado pessoas desagregadas, intolerantes ou racistas. Pelo contrário: com ele aprendemos a amar imensamente este país e a alimentar esperança em seu futuro. Ela inaugura, nos albores do século passado, nossa confiança nos destinos do Brasil e é um dos pilares das nossas melhores conquistas culturais e sociais." É isso. Nos livros de Lobato está o racismo do racista, que ninguém vê, que vocês acham que não é problema, que é alicerce, que é necessário à formação das nossas futuras gerações, do nosso futuro. E é exatamente isso. Alicerce de uma sociedade que traz o racismo tão arraigado em sua formação que não consegue manter a necessária distância do foco, a necessário distância para enxergá-lo. Perpetuar isso parece ser patriótico, esse racismo que "faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças." Sabe o que Lobato disse em carta ao seu amigo Poti, nos albores do século passado, em 1905? Ele chamava de patriota o brasileiro que se casasse com uma italiana ou alemã, para apurar esse povo, para acabar com essa raça degenerada que você, em sua ilustração, lhe entrega de braços abertos e sorridente. Perpetuar isso parece alimentar posições de pessoas que, mesmo não sendo ou mesmo não se achando racistas, não se percebem cometendo a atitude racista que você ilustrou tão bem: entregar essas crianças negras nos braços de quem nem queria que elas nascessem. Cada um a seu modo, a repetir seu destino. Quem é poderoso, que cobre, muito bem cobrado, seus direitos; quem não é, que sorria, entre na roda e aprenda a sambar.

Peguei-o para bode expiatório, Ziraldo? Sim, sempre tem que ter algum. E, sem ódio, espero que você não queira que eu morra por te criticar. Como faziam os racistas nos tempos em quem ainda linchavam negros. Esses abusados que não mais se calam e apelam para a lei ao serem chamados de "macaco", "carvão", "fedorento", "ladrão", "vagabundo", "coisa", "burro", e que agora querem ser tratados como gente, no concerto dos povos. Esses que, ao denunciarem e quererem se livrar do que lhes dói, tantos problemas criam aqui, nesse país do futuro. Em uma matéria do Correio Braziliense você disse que "Os americanos odeiam os negros, mas aqui nunca houve uma organização como a Ku Klux Klan. No Brasil, onde branco rico entra, preto rico também entra. Pelé nunca foi alvo de uma manifestação de ódio racial. O racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos”. Se dependesse de Monteiro Lobato, o Brasil teria tido sua Ku-Klux-Klan, Ziraldo. Leia só o que ele disse em carta ao amigo Arthur Neiva, enviada de Nova Iorque em 1928, querendo macaquear os brancos norte-americanos: "Diversos amigos me dizem: Por que não escreve suas impressões? E eu respondo: Porque é inútil e seria cair no ridículo. Escrever é aparecer no tablado de um circo muito mambembe, chamado imprensa, e exibir-se diante de uma assistência de moleques feeble-minded e despidos da menos noção de seriedade. Mulatada, em suma. País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan é país perdido para altos destinos. André Siegfred resume numa frase as duas atitudes. "Nós defendemos o front da raça branca - diz o sul - e é graças a nós que os Estados Unidos não se tornaram um segundo Brasil". Um dia se fará justiça ao Kux-Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca - mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destroem (sic) a capacidade construtiva." Fosse feita a vontade de Lobato, Ziraldo, talvez não tivéssemos a imprensa carioca, talvez não tivéssemos você. Mas temos, porque, como você também diz, "o racismo brasileiro é de outra natureza. Nós somos afetuosos." Como, para acabar com a polêmica, você nos ilustra com o desenho para o bloco quemerdense. Olho para o rosto sorridente da mulata nos braços de Monteiro Lobato e quase posso ouvi-la dizer: "Só dói quando eu rio".

Com pesar, e em retribuição ao seu afeto,



Ana Maria Gonçalves
Negra, escritora, autora de Um defeito de cor.



Publicado em O Biscoito Fino e a Massa



Recebido de Jorge Luís Rodrigues dos Santos, a quem agradecemos.


A repercussão em O Globo - 24/02/2011 às 09:49: Camiseta e enredo do bloco 'Que Merda É Essa' causam mais polêmica




quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Mulheres: espaço e cargos estratégicos na polícia


Mulheres ganham espaço e cargos estratégicos no escalão da polícia / Martha Rocha assumiu chefia da Polícia Civil do Rio nesta semana.

G1 colheu exemplos de mulheres em posição de chefia em outros 4 estados.
/ / Thamine Leta, Alex Araújo, Flávia Cristini, Bibiana Dionísio e Tahiane Stochero Do G1 RJ, G1 MG, G1 PR e em São Paulo / / 17/02/2011 07h00 - Atualizado em 17/02/2011 15h58


Martha Rocha é a primeira chefe de polícia do Rio (Foto: Aluízio Freire/ G1)

Martha Rocha é a primeira chefe de polícia do Rio
(Foto: Aluízio Freire/ G1)

O Rio de Janeiro nomeou nesta semana uma mulher para chefiar a Polícia Civil. Uma mulher vai chefiar também as Unidades de Polícia Pacificadora. E o caso delas não é único nas polícias brasileiras. O G1 colheu exemplos em outros quatro estados.

Martha Rocha assumiu a chefia da Polícia Civil do Rio no lugar de Allan Turnowski, que deixou o cargo após uma operação que investiga denúncias de corrupção na instituição.

Martha é a primeira mulher a ocupar o cargo no Rio. Segundo a Polícia Civil, além de Martha, mais de 35 mulheres assumem o controle de delegacias do estado. Na Polícia Militar, três mulheres comandam batalhões. Além disso, todas as UPPs serão coordenadas por uma figura feminina.

“Acho que é uma mudança mesmo de paradigma. Acho que talvez há cinco anos você não pensasse em ter uma mulher presidente, talvez há cinco anos você não pensasse em ter uma mulher chefe de polícia. Daqui a pouco vai deixar de causar espanto, vai deixar de ser diferente. Quando esse dia chegar vai ser muito bom. Acho que ao longo de nossa carreira estamos nos preparando e nos qualificando para essa situação”, afirmou Martha.

A delegada entrou na Polícia Civil em 1983 e começou sua carreira policial como única mulher no plantão da 14ª DP (Leblon). Ela foi titular ainda de outras cinco delegacias, inaugurou a Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM), em Campo Grande, na Zona Oeste, e também esteve à frente da DEAM, no Centro da cidade. Em 1999, Martha ocupou o cargo de subchefe de polícia e atuou como corregedora de polícia.

Martha tem 51 anos, não é casada e não tem filhos. “Não estou nesse cargo porque sou mulher. Ser a primeira mulher aumenta a minha responsabilidade. A Polícia Civil e os meus policiais me recebem muito bem. Não há a menor perspectiva de ter qualquer tipo de resistência”, disse.

Priscilla assumiu recentemente o comando das UPPs (Foto: Analder Lopes / Ascom Seseg)

Priscilla assumiu recentemente o comando das UPPs
(Foto: Analder Lopes / Ascom Seseg)


UPPs do Rio


As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio também serão comandadas por uma mulher. A major Pricilla de Oliveira Azevedo vai assumir a coordenadoria-geral de todas as UPPs do Rio. Priscilla, de 33 anos, está na polícia desde os 20 e afirmou que nunca teve problemas por ser mulher.

“Eu nunca tive um único problema por ser mulher. Nem por parte do policial, do morador ou do criminoso. Tudo é uma questão de postura. Se você tem postura, nunca vai colocar sua competência em dúvida", acredita.

Priscilla é a policial mais antiga do projeto das unidades pacificadoras e é responsável pelo comando da unidade do Santa Marta, em Botafogo, na Zona Sul do Rio. Prisicila ficará responsável por normatizar e padronizar as ações das UPPs em todas as 14 unidades já instaladas e nas próximas a serem inauguradas.

“No início da minha carreira eu fui comandada por uma mulher. Ela foi meu espelho, minha referência. Mas sei que a sociedade ainda está caminhando para a igualdade, e eu me sinto com muita responsabilidade”, disse.

Chefe de Polícia Civil de Sergipe (Foto: Polícia Civil de Sergipe/Divulgação)

Chefe de Polícia Civil de Sergipe Katarina Feitosa
Lima Santana
(Foto: Marcelle Cristinne/Agência Sergipe de Notícias / Divulgação)

Sergipe


O Estado de Sergipe também tem desde terça uma mulher no comando de Polícia Civil. Katarina Feitosa Lima Santana, de 37 anos, é delegada há 10 anos e chefiou toda a segurança da capital, Aracaju.

“Eu vejo com naturalidade uma mulher assumir postos-chave e de comando no Brasil. Não é uma questão de competição com os homens, mas de mostrar a nossa capacidade. Temos condição de mandar e de mostrar bons resultados, sim”, diz Katarina, que é casada e tem um filho de 10 anos de idade.

A delegada diz que nunca sofreu preconceito ou foi desrespeitada por subordinados homens. “Acho que para os homens passa a ser algo natural ser comandado por uma mulher. Eles cresceram sendo educados pela mãe, depois têm de respeitar a namorada, a mulher. Nunca houve resistência ao meu comando por ser mulher, muito pelo contrário”, afirma a delegada.

Por ter sido corregedora da Polícia Civil sergipana, Katarina diz que “conhece bem as mazelas da polícia. “Sei bem os problemas que tenho que atacar e que rumo dar à polícia. Vou trabalhar para diminuir ainda mais os índices criminais e conto com o apoio de todos os meus subordinados”, diz.

Coronel Fátima Ramos Dutra de Sorocaba (Foto: Polícia Militar/Divulgação)

Coronel Fátima Ramos Dutra, de Sorocaba

(Foto: Polícia Militar/Divulgação)

São Paulo

O comando da segurança de 79 cidades na região de Sorocaba, no interior de São Paulo, também está nas mãos de uma mulher. A coronel Fátima Ramos Dutra, de 46 anos, chefia 5 mil homens. “A cada dia as mulheres estão sendo mais reconhecidas por seu potencial de liderança. Deixamos de ser apenas responsáveis por posições de apoio, para galgar postos importantes”, diz a coronel.

Para Fátima, que não é casada e nem tem filhos, “as mulheres têm condições de percepção diferentes das dos homens”. “Temos um olhar diferente sobre os fatos, somos mais emotivas e procuramos entender o outro. Acho que pelas próprias características naturais da mulher, temos uma tendência de ouvir mais e refletir antes de tomar uma decisão”, explica a oficial.

Na PM há 61 coronéis e apenas três mulheres. Fátima é uma delas, mas a única que integra o Alto Comando da corporação - um grupo seleto de 26 pessoas que decide os rumos da segurança pública do estado.

“Sou exigente com homens e mulheres da mesma forma. Temos princípios institucionais e legais que devem ser cumpridos. Não tolero nada errado”, afirma a coronel. Ela ingressou na PM paulista como soldado junto com a irmã, que hoje é sargento e trabalha na capital.

Subchefe do Estado Maior de Minas Gerais, coronel Luciene Magalhães de Albuquerque (Foto: Divulgação/Assessoria de comunicação da PMMG)

Subchefe do Estado Maior de Minas Gerais, coronel

Luciene Magalhães de Albuquerque (Foto: Divulgação
/Assessoria de comunicação da PMMG)

Minas Gerais


A subchefe do Estado Maior de Minas Gerais, coronel Luciene Magalhães de Albuquerque, de 48 anos, se dedica há três décadas à Polícia Militar (PM). Em 1981, quando entrou na corporação, fazia parte de uma minoria. Dois anos mais tarde, foi aprovada no concurso para oficial, juntamente com outras quatro mulheres. “Nesta época, era novidade para a instituição, que era 100% masculina”, destacou Luciene.

A coronel afirmou ainda que a entrada das militares humanizou a corporação por causa da habilidade de relacionamento. “A humanização é mais necessária do que a força física, que é adquirida com o tempo”, justificou.

De acordo com Luciene, em 1992, ela comandou uma tropa de 275 homens. Em 2004, comandou o 34º Batalhão de Polícia Militar de Minas Gerais, na Região Noroeste de Belo Horizonte. Neste, entre homens e mulheres, Luciene chefiou 800 pessoas. Precursora naquilo que faz, Luciene foi a primeira mulher a conquistar a patente máxima de coronel em Minas Gerais, seguindo carreira na PM.

A Delegacia de Homicídios de Curitiba será chefiada por Maritza Maíra Haisi (Foto: Arquivo pessoal)

A Delegacia de Homicídios de Curitiba será chefiada

por Maritza Maíra Haisi (Foto: Arquivo pessoal)

Paraná


A Delegacia de Homicídios de Curitiba será chefiada, este ano, por Maritza Maíra Haisi. Ela exerce a profissão há 17 anos e já atuou em várias cidades do Paraná. Antes de assumir como delegada titular a Delegacia de Homicídios da capital, ela era delegada chefe da 14ª Subdivisão Policial de Guarapuava, na região central do Paraná.

Na avaliação de Maritza Haisi, uma mulher assumir o comando da Polícia Civil do Rio de Janeiro abre portas para aquelas que têm intuito de construir carreira na instituição. “É importante para a população saber que não importa ser homem ou mulher”, declarou a delegada. Ela disse ainda que é o início de uma nova era porque ainda é difícil para a mulher galgar cargos de chefia.

Sobre a profissão, Maritza Haisi declara que é fascinante a versatilidade do cargo porque, segundo ela, não se resume a teoria aprendida na Academia e nem ao técnico operacional. “Se eu tivesse uma filha, indicaria a profissão para ela”.

Extraído de G1.Globo


Ministras: pacto igualdade de gênero, racial e combate à miséria


Ministras propõem pacto pela igualdade de gênero, racial e pelo combate à miséria


As ministras Iriny Lopes, da Secretaria Especial de Política para as Mulheres; Maria do Rosário, Direitos Humanos e Luiza Bairros, da Secretaria de Igualdade Racial, assumiram ontem o compromisso de trabalhar, ao lado da bancada feminina da Câmara, pela igualdade de gênero, racial e no combate à violência e à pobreza no país. O pacto foi firmado durante seminário da bancada feminina da Câmara para discutir as pautas de interesse das mulheres que deverão ser incluídas nas votações da Casa durante o ano de 2011.

Na mesa de abertura do seminário, presidida pela deputada Janete Rocha Pietá (PT-SP), coordenadora da bancada feminina, a ministra Iriny Lopes, defendeu avanços nas políticas públicas do país, que assegurem autonomia financeira, política e social para as mulheres no Brasil. De acordo com a ministra, apesar de todos os avanços obtidos no governo Lula, ainda existem grandes obstáculos a serem superados. “A miséria no Brasil tem gênero e raça: ela é feminina e negra. A nossa luta pela independência da mulher vai aumentar. Vamos lutar juntas para aprovarmos matérias importantes que tramitam nesta Casa, não só para ampliar a participação das mulheres na vida política do país, como também dar a elas empoderamento econômico, social e político”, afirmou Iriny.

A ministra Rosário pediu empenho de todas as deputadas no projeto de governo da presidenta Dilma, que tem como foco o combate à miséria. Segundo a ministra, diante do cenário favorável à equiparação de gêneros no país, as mulheres estão diante de uma grande oportunidade para fazer a diferença. Estamos aqui para fazer a diferença, expressar o olhar das mulheres sobre todas os desafios para o Brasil. Juntas com a presidenta Dilma, vamos trabalhar para extinguir a pobreza, promover a igualdade de gêneros e racial e acabar com a violência em todas as suas expressões na sociedade brasileira”, defendeu Rosário.

A ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, fez um chamado a toda a população brasileira para a promoção da igualdade racial no Brasil. De acordo com a ministra, 2011 foi instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o ano dos afrodescendentes. “A igualdade racial só se realiza quando as políticas públicas tiverem impacto direto na vida cotidiana da população negra”, disse.

Carta – Durante a abertura do evento, as deputadas entregaram ao presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), uma carta com as principais reivindicações das deputadas. Ao receber o documento, Marco Maria reafirmou o seu compromisso com a valorização das mulheres na Casa e propôs um encontro quinzenal com as deputadas para debater a inclusão de matérias de interesse das mulheres na pauta de votações da Casa.

Na carta, as deputadas pedem uma reforma política que priorize a igualdade entre homens e mulheres, a valorização das parlamentares e de sua representação, inclusive com a criação de estrutura física na Câmara para a bancada feminina.

Fonte: Informe PT

Lei Maria da Penha em Cordel

A Lei Maria da Penha em Cordel.
Autor: Tião Simpatia.


I
A Lei Maria da Penha
Está em pleno vigor
Não veio pra prender homem
Mas pra punir agressor
Pois em “mulher não se bate
Nem mesmo com uma flor”.

II
A violência doméstica
Tem sido uma grande vilã
E por ser contra a violência
Desta lei me tornei fã.
Pra que a mulher de hoje
Não seja vítima amanhã.

III
Toda mulher tem direito
A viver sem violência
É verdade, está na lei.
Que tem muita eficiência
Pra punir o agressor
E à vítima, dar assistência.


IV
Tá no artigo primeiro
Que a lei visa coibir;
A violência doméstica
Como também, prevenir;
Com medidas protetivas
E ao agressor, punir.

V
Já o artigo segundo
Desta lei especial
Independente de classe
Nível educacional
De raça, de etnia;
E opção sexual...

VI
De cultura e de idade
De renda e religião
Todas gozam dos direitos
Sim, todas! Sem exceção.
Que estão assegurados
Pela Constituição.

VII
E que direitos são esses?
Eis aqui a relação:
À vida, à segurança.
Também à alimentação
À cultura e à justiça
À Saúde e educação.

VIII
Além da cidadania
Também à dignidade
Ainda tem moradia
E o direito à liberdade.
Só tem direitos nos “As”,
E nos “Os”, não tem novidade?

IX
Tem direito ao esporte
Ao trabalho e ao lazer
E o acesso à política
Pra o Brasil desenvolver
E tantos outros direitos
Que não dá tempo dizer.

X
E a Lei Maria da Penha
Cobre todos esses planos?
Ah, já estão assegurados
Pelos Direitos Humanos
A lei é mais um recurso
Pra corrigir outros danos.

XI
Por exemplo: a mulher
Antes da lei existir,
Apanhava, e a justiça
Não tinha como punir
Ele voltava pra casa
E tornava a agredir.

XII
Com a lei é diferente
É crime inaceitável.
Se bater, vai pra cadeia!
Agressão é intolerável.
O Estado protege a vítima
Depois pune o responsável.

XIII
Segundo o artigo sétimo
Os tipos de Violência
Doméstica e Familiar
Têm na sua abrangência
As cinco categorias
Que descrevo na seqüência.

XIV
A primeira é a Física
Entendendo como tal
Qualquer conduta ofensiva
De modo irracional
Que fira a integridade
E a saúde corporal...

XV
Tapas, socos, empurrões;
Beliscões e pontapés
Arranhões, puxões de orelha;
Seja um ou sejam dez
Tudo é violência física
E causam dores cruéis.

XVI
Vamos ao segundo tipo
Que é a Psicológica
Esta merece atenção
Mais didática e pedagógica
Com a autoestima baixa
Toda a vida perde a lógica.

XVII
Chantagem, humilhação;
Insultos; constrangimento;
São danos que interferem
No seu desenvolvimento
Baixando a autoestima
E aumentando o sofrimento.

XVIII
Violência Sexual
Dá-se pela coação
Ou uso da força física
Causando intimidação
E obrigando a mulher
Ao ato da relação...

XIX
Qualquer ação que impeça
Esta mulher de usar
Método contraceptivo
Ou para engravidar
Seu direito está na lei
Basta só reivindicar.

XX
A quarta categoria
É a Patrimonial:
Retenção, subtração,
Destruição parcial
Ou total de seus pertences
Culmina em ação penal.

XXI
Instrumentos de trabalho
Documentos pessoais
Ou recursos econômicos
Além de outras coisas mais
Tudo isso configura
Em danos materiais.

XXII
A quinta categoria
É Violência Moral
São os crimes contra a honra
Está no Código Penal
Injúria, difamação;
Calúnia, etc e tal.

XIII
Segundo o artigo quinto
Esses tipos de violência
Dão-se em diversos âmbitos
Porém é na residência
Que a violência doméstica
Tem sua maior incidência.

XXIV
Quem pode ser enquadrado
Como agente/agressor?
Marido ou companheiro
Namorado ou ex-amor
No caso de uma doméstica
Pode ser o empregador.

XXV
Se por acaso o irmão
Agredir a sua irmã
O filho, agredir a mãe;
Seja nova ou anciã
É violência doméstica
São membros do mesmo clã.

XXVI
E se acaso for o homem
Que da mulher apanhar?
É violência doméstica?
Você pode me explicar?
Tudo pode acontecer
No âmbito familiar.

XXVII
Nesse caso é diferente
A lei é bastante clara.
Por ser uma questão de gênero
Somente a mulher ampara
Se a mulher for valente
O homem que livre a cara.

XXVIII
E procure seus direitos
Da forma que lhe convenha
Se o sujeito aprontou
E a mulher desceu-lhe a lenha
Recorra ao Código Penal
Não à Lei Maria da Penha.

XXIX
Agora, num caso lésbico;
Se no qual a companheira
Oferecer qualquer risco
À vida de sua parceira
A agressora é punida;
Pois a lei não dá bobeira.

XXX
Para que os seus direitos
Estejam assegurados
A Lei Maria da Penha
Também cria os Juizados
De Violência Doméstica
Para todos os Estados.

XXXI
Aí, cabe aos governantes.
De cada federação
Destinarem os recursos
Para implementação
Da Lei Maria da Penha
Em prol da população.

XXXII
Espero ter sido útil
Neste cordel que criei
Para informar o povo
Sobre a importância da Lei
Pois quem agride uma Rainha
Não merece ser um Rei.

XXXIII
Dizia o velho ditado
Que “ninguém mete a colher”.
Em briga de namorado
Ou de “marido e mulher”
Não metia... Agora, mete!
Pois isso agora reflete
No mundo que a gente quer.

O cordel recitado no You Tube



sábado, 12 de fevereiro de 2011

Incidente episódio em programa infantil

O que poderia ser um inocente capítulo da Turma do Pererê, na TV Brasil...
  • capítulo de 12 de fevereiro de 2011
  • Título do capítulo: "Boneca, A Redentora"
Sinopse:
  • "Saci resolve convocar a todos para uma reunião anti-escravidão e em prol da liberdade. Saci é eleito representante para intervir junto ao guardador de passarinho e ele diz que só libertará os pássaros com autorização de Nereu. Como Nereu está viajando, Boneca assina autorização e a turma consegue convencer o guardador a soltar os pássaros. Todos comemoram. Um passarinho faz cocô na cabeça do Saci."

... incide, mais uma vez, no racismo "à brasileira" odiendo, descarado, subliminar!

Se questionada, a direção da TV, do programa, do episódio - como sempre - vai insistir em dizer que só eu estou vendo racismo neste episódio... só eu!!!


Nem com a pesquisa Datafolha que mostrou alguns dados óbvios na vivência da população negra brasileira: de que "brasileiro reconhece o preconceito no outro, mas não em si mesmo"... Nem com a pesquisa Datafolha serve de instrumento para o trabalho dessa gente! E pensar que o grupo Folha segue linha editorial muito parecida com a da referida TV!