quinta-feira, 30 de abril de 2009

Adriano, entre o Morro e o Asfalto

Adriano, entre o Morro e o Asfalto

Marco Aurélio Luz [1]

Enquanto os “poderes públicos” discutem em seus gabinetes o “destino das favelas” no Rio, um escândalo acontece! Um jogador de futebol profissional, bem sucedido, da Seleção Brasileira, jovem e famoso, jogando em Milão, na Itália, ganhando milhões, se sente infeliz e interrompe essa trilha de valores da modernidade e volta para suas origens: no morro ou favela carioca onde se sente acolhido e pleno!?

Nas imagens da TV o contraste. Numa tomada, ele aparece completamente só, numa casa de luxo com piscina na Itália. Em outra umas sete tias, daquelas da ala das Baianas das Escolas de Samba, sentadas num sofá, acalentam o garotão estirado no colo delas na casa da favela Cruzeiro (RJ).

Enganam-se os que pensam que a favela é um aglomerado de gente sem ter prá onde ir. Na verdade ela é uma sociedade, com história e identidade sócio-cultural, uma comunidade, constituída de sociabilidade onde pulsa uma forma de vinculação humana característica.

As origens urbanas remontam por ocasião da instauração da República, quando se aceleraram na constituição da Razão de Estado a presença de teorias da discriminação e do racismo, baseadas na invenção do “conceito de raça” para justificar a política de branqueamento, isto é, estabelecer estratégias de estímulos diversos para aumentar a presença de europeus e seus valores e de diminuir as “outras”. Nesse contexto, aconteceu o episódio emblemático de Canudos.

Gente do nordeste, oriunda da civilização aborígine e da civilização africana em suas lutas pela liberdade no Brasil, constituíram uma sociedade aldeã no sertão da Bahia, para além do território totalizante e eurocêntrico do Estado republicano. Foi então que aconteceu o ataque feroz da tecnologia de guerra do Estado e a defesa tenaz e surpreendente da gente de Canudos nas margens do morro da Favela, assim chamado pela abundância da planta. Favela se caracteriza pela folha que queima a quem nela encostar.

Retirantes se abrigam no Rio, atrás do convento de Santo Antonio, e se chamou Morro da Favela, o nome se generalizou.

As cidades brasileiras são compostas de morros ou favelas, cantadas em prosa e verso:

“Em Mangueira a poesia
num sobe desce constante
anda descalço ensinando
um modo novo da gente viver
de cantar de sonhar de vencer”...
(Hermínio Belo e Paulinho da Viola)

“Eu só quero é ser feliz
andar tranquilamente na favela onde nasci”...
(Cidinho e Doca)

Recorro à poesia para expressar um caminho em que uma nova ética de convivência e coexistência de valores sociais poderá apaziguar tensões e conflitos.

“A vida não é só isso que se vê
é um pouco mais
... Que os olhos não conseguem perceber,
e as mãos não ousam tocar,
que os pés recusam pisar
sei lá não sei”...
(Hermínio Belo e Paulinho da Viola)

No balanço pendular do espírito do tempo a proximidade de tempos pós-modernos incorpora dimensões sagradas do mistério do existir.

[1] Autor de Cultura Negra Em Tempos Pós Modernos, Salvador, 3º Ed., Edufba 2008.
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Publicações sobre Mulheres Indígenas

Publicaciones recientes del IIDH sobre los derechos humanos de las mujeres indígenas y participación política indígena


do IIDH - Instituto Interamericano de Direitos Humanos - São José, Costa Rica

El IIDH presenta dos nuevas publicaciones sobre temas trascendentales para la investigación, promoción y protección de los derechos humanos indígenas: “Manual sobre derechos humanos de las mujeres indígenas” y “Módulos de capacitación sobre participación política indígena”

Ambas publicaciones fueron producidas el pasado año 2008 y comparten la finalidad de ser herramientas doctrinales y pedagógicas que buscan contribuir con la reflexión, el conocimiento y la defensa de los derechos humanos de los pueblos indígenas de la región.

Con sumo agrado y satisfacción ponemos a disposición estas nuevas publicaciones, esperando que sean de utilidad no sólo para las organizaciones y personas especializadas en la temática, sino también para las instituciones estatales y la sociedad civil en su conjunto.

Manual derechos humanos de las mujeres indígenas

Esta publicación surge en el marco de la exitosa Campaña Educativa del IIDH, la cual surgió en el año 2001 y que hasta la fecha, continúa bajo constante revisión y ampliación de sus contenidos. El Manual derechos humanos de las mujeres indígenas constituye el más reciente componente de esa Campaña, y es el resultado de un proceso en el que la retroalimentación, la participación y el intercambio con liderezas indígenas fue fundamental. Los talleres, entrevistas y observaciones de las participantes, permitieron perfilar el Manual de acuerdo con las necesidades y conocimientos de educación en derechos humanos y derechos indígenas de las mujeres indígenas.

Con esta publicación, dividida en distintos módulos para facilitar su uso y comprensión, esperamos contribuir con la reafirmación y el fortalecimiento de la cultura indígena, enriquecida con los aportes de los derechos humanos, en la cotidianidad de la vida en pareja, familiar, comunitaria y organizacional.

Asimismo, al buscar la coincidencia entre dichos principios y los fundamentos de los derechos humanos, se busca propiciar un proceso de adquisición de los nuevos conocimientos en el que estos se asuman y se recreen como propios, al ser comprendidos desde una perspectiva acerca del papel y posición de las mujeres indígenas basada en su visión del mundo.

Esta publicación es posible gracias al apoyo de la Agencia Sueca de Cooperación Internacional
para el Desarrollo (ASDI) y del Real Ministerio de Asuntos Exteriores de Noruega.


“Módulos de capacitación sobre participación política indígena”

Esta publicación forma parte de un proceso de investigación más amplio que el IIDH ha venido desarrollando sobre el tema de la participación política indígena y el cual incluye una investigación en seis países de la región, que fue sistematizada y publicada bajo el título de Estudios sobre participación política indígena. Bolivia, Colombia, Ecuador, México, Panamá, Perú en el año 2007.

Como consecuencia de los hallazgos de dicha investigación, se decide llevar a cabo un Curso-taller de capacitación sobre participación política indígena dirigido a catorce jóvenes indígenas de la región y en colaboración con el equipo académico del Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS), conformado por los investigadores y docentes François Lartigue, Diego Iturralde y Francisco García .

En el marco de la realización de dicho taller, se elaboraron los distintos módulos que componen esta nueva publicación “Módulos de capacitación sobre participación política indígena”. En ella se ofrece un abordaje teórico-metodológico en dos módulos, divididos en unidades, sobre temas claves como derechos humanos, derechos de los pueblos indígenas, participación, democracia y regímenes electorales.

Asimismo, mediante esta publicación se podrá conocer sobre se el enfoque de indicadores de progreso en derechos humanos aplicados a la especificidad de la participación política indígena, incluyendo dos técnicas efectivas para su monitoreo, como son el trabajo de campo (observación) y el trabajo documental.

Esta divulgación fue posible gracias al apoyo de Agencia Sueca de Cooperación Internacional
para el Desarrollo (ASDI) y de la Agencia de los Estados Unidos para el Desarrollo Internacional (USAID).


Los textos completos de estas publicaciones están disponibles en la Sección especializada Diversidades- Web IIDH en Biblioteca Digital (haga click sobre el vínculo).


recebido de derechos.mujeres@iidh.ed.cr
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terça-feira, 28 de abril de 2009

Documentos "Gênero e Diversidade na Escola"

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A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) lançou, em 11 de março, o Curso Gênero e Diversidade na Escola, projeto que visa formar 3 mil educadores/as da rede pública de ensino de 15 municípios do estado do Rio de Janeiro nas temáticas de gênero, sexualidade, diversidade sexual, gravidez na adolescência, igualdade étnico-racial e participação juvenil.

Para o curso foram lançadas as publicações “Os desafios da transversalidade em uma experiência de formação on-line: Curso Gênero e Diversidade na Escola”, organizado por Fabíola Rohden, Leila Araújo e Andreia Barreto, e “Gênero e Diversidade na Escola: formação de professores em gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais”, organizado por Maria Elisabete Pereira, Fabíola Rohden, Maria Elisa Brandt, Leila Araújo, Graça Ohana, Andreia Barreto e Roberta Kacowicz.

Abaixo, os links para baixar as publicações:

Clique aqui e faça o download do documento “Os desafios da transversalidade em uma experiência de formação on-line: Curso Gênero e Diversidade na Escola”

Clique aqui para fazer o download da publicação “Gênero e Diversidade na Escola: formação de professores em gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais”


fonte e íntegra:
http://www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=%5FBR&infoid=5247&sid=7
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sexta-feira, 24 de abril de 2009

Pobres no Rio vivem dias de horror

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Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader*
18-Abr-2009

Estamos na porta de entrada de tempos (ainda mais) difíceis no país. Com crise, desemprego e muita violência nas grandes cidades, os políticos, sem romper seus pactos, precisam apresentar soluções para combater tal quadro. Dessa forma, é produzida uma série de medidas que mais combatem os pobres do que a pobreza. Pintam as paredes, mas não mexem na estrutura interna do ‘prédio’.

Por conta disso, o Rio de Janeiro vem sendo palco de seguidas políticas de limpeza e segregação social, como mostram os choques de ordem e agora o levantamento de muros no entorno de favelas, levados a cabo por prefeitura e governo do estado, respectivamente.

Para a socióloga Vera Malaguti, do Instituto de Criminologia Carioca, o que vemos é a expressão de um fascismo estatal mancomunado com grandes interesses econômicos. O governo pretende levantar 11 mil metros de muros, com 3m de altura, começando pela zona sul, cuja expansão de favelas não chegou à metade do aferido na zona oeste, de 11,5% - dados do Instituto Pereira Passos.

Malaguti aponta que os pobres no Rio de Janeiro são vítimas de crescente truculência oficial e vistos como ‘lixo humano’ que precisa ser removido da cidade, uma vez que a presença dessa parcela da população é prejudicial aos grandes negócios e à especulação imobiliária.


Correio da Cidadania: Como você vê a idéia do governo local de construir muros no entorno de favelas, sob a alegação de preservar algumas áreas verdes da cidade?

Vera Malaguti: É um absurdo e vem junto do circo de horrores do qual vem sendo palco o Rio de Janeiro, através de extermínios da polícia (a que mais mata no mundo), das remoções dos pobres, demolição de casas em áreas populares ilegais...

Enfim, é todo um festival de truculência, em articulação da prefeitura com o governo do estado, completamente ligados aos grandes negócios privados, como os esportivos, e impondo um cerco fascista sobre os pobres. E, além do muro, que é uma vergonha, as remoções voltaram à pauta.

Todo o processo é capitaneado pelas Organizações Globo, com campanha diária no RJTV, no jornal O Globo, sempre focalizando a pobreza como detrito, como algo que conspurca o ambiente. E tudo em nome dos grandes negócios privados, uma vergonha.

O Rio de Janeiro talvez esteja passando pelo seu pior momento desde Lacerda. Parece uma volta com força total da UDN, terrível.

CC: O que pensa do fato de as favelas escolhidas para receberem os primeiros muros se localizarem em bairros mais nobres ou de classe média, mesmo com a expansão recente de tais favelas estando abaixo de índices considerados preocupantes, inclusive em comparação com outras?

VM: Aí fica clara a parceria do governo com a especulação imobiliária, afinal, são áreas nobres, e ter os pobres ali não lhes interessa.

É tão chocante, tão óbvia, essa mistura de truculência fascista com Parcerias Público-Privadas sinistras! Estou sendo enfática, mas é que chegamos num ponto... Ontem mesmo houve o assassinato pela polícia de um menino da Maré, a população tentava protestar e era reprimida da pior forma possível pela mesma polícia. E tudo sempre sob a desculpa do tráfico.

Acho que o fim do brizolismo no Rio foi muito ruim. Para exemplificar, uma das coisas que O Globo fez para comemorar os 45 anos do golpe militar foram acusações levianas sobre o Brizola, ao mesmo tempo em que o associava ao crescimento das favelas. O vazio criado por sua morte, junto ao estraçalhamento das forças de esquerda, deixou o fascismo ocupar a cidade.

CC: Ao se juntar tal ação com a também recente medida dos choques de ordem, vemos que as políticas de higienização nas grandes cidades têm sido levadas ao paroxismo, não?

VM: Exatamente. O velho projeto fascista, com essa maneira de olhar os pobres como lixo humano na cidade, se consolidou, sendo orquestrada também pela grande imprensa tal proposta de apartheid.

Os pobres no Rio de Janeiro vivem dias de horror. Acho que as forças de esquerda, libertárias, precisam se organizar contra isso. Tudo começou pela questão criminal, o que é um problema, pois até a esquerda embarca no discurso de luta contra o tráfico, sempre localizada nas favelas.

Daí para choques de ordem, remoções, muros, é um passo. É um projeto higienista reciclado, em nome da ordem na cidade, dos grandes negócios de Copa, Olimpíadas, dos grandes capitais que circulam no Rio. Tais negócios são uma obsessão para o governo e a prefeitura, que sempre estão em viagem buscando grandes investimentos.

Enquanto isso, pau nos pobres aqui. É um projeto sinistro.

CC: Essas medidas não podem potencializar o ódio entre classes, na medida em que reforçam uma idéia segregacionista?

VM: Claro, isso não vai dar certo. Durante um tempo, algumas forças progressistas do Rio aceitaram a pauta criminal da direita, e assim o fascismo encontrou sua brecha, sendo que acaba se alastrando para a questão habitacional, ambiental, onde muitas vezes se refugia, como neste caso dos muros, aliás.

Uma vereadora do PT foi uma das que mais defenderam os muros, sempre fala em remoções nas favelas da zona sul, como a dos Tabajaras, uma vez que as áreas verdes na cidade se concentram mais na zona sul e posto 9.

Tais equívocos abrem o caminho para o fascismo mais explícito, que vemos nessa mistura de truculência contra os pobres e grandes negócios (com ilegalidades) particulares.

CC: Você acredita que o levantamento dos muros vai impactar de alguma maneira, ainda que a curto prazo, nos índices de criminalidade?

VM: Acho que vai emparedar os pobres e produzir outros efeitos, intra e extramuros. É mais uma grande violência, portanto, entrará nesse moinho gerador de ódios.

Espero que isso possa ser barrado, apesar de todo o esforço da grande imprensa. Fazem pesquisas dizendo que os favelados são favoráveis à remoção, pesquisas para legitimar tais ações... Não deve faltar sociólogo para fazer esse tipo de trabalho e dizer que os pobres estão doidos para serem emparedados e removidos da cidade.

No Rio de Janeiro, neste momento, essas forças, que envolvem institutos de opinião, empresas de publicidade, grande imprensa, setor imobiliário, estão totalmente articuladas na varredura da pobreza da cidade. E da pobreza rebelde, que é uma marca do Rio de Janeiro há muito tempo, pois foi uma cidade quilombola, depois janguista, brizolista...

Estamos diante de um conjunto de interesses escusos, mais uma ‘blitzkrieg’.

CC: Diante do quadro atual, quais medidas seriam efetivas a seu ver, tanto a curto como a longo prazos?

VM: O inverso disso tudo, uma outra maneira de olhar a cidade. Construir políticas habitacionais democráticas, projetos em que as classes populares sejam protagonistas.

Não bastam bons projetos para os pobres, é preciso que esses setores estejam no centro, que a juventude, ao invés de ser criminalizada, seja participante central dos projetos que a libertem dessa concepção de muros, cadeias, extermínio. Temos de produzir outro projeto brasileiro, que não contenha essas conjugações.

É complicado resolver a violência, ninguém tem a solução. Mas uma cidade democrática é gerida de outra forma, e assim produz soluções também democráticas e libertadoras, capazes de permitir que todos usufruam a cidade, apesar das diferenças.

Em suma, é o oposto de tudo isso.



Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

fonte:

http://www.correiocidadania.com.br/content/view/3180/9/

Referências das imagens:
ao alto:
http://marieandyou.files.wordpress.com/2009/01/muro.jpg
abaixo:
http://aliceprina.files.wordpress.com/2008/06/em-cima-do-muro-web.jpg

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sábado, 18 de abril de 2009

Lula convoca Conferência Nacional de Comunicação


O Diário Oficial da União da última sexta-feira (17 de abril) publicou decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocando a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). O encontro será realizado de 1º a 3 de dezembro deste ano, em Brasília, depois de concluídos os debates regionais. Os trabalhos serão coordenados pelo Ministério das Comunicações.

Será editada ainda uma portaria com os nomes que devem compor a comissão executiva do evento. A função da comissão executiva é traçar as diretrizes da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, cujo tema é “Direito e Cidadania na Era Digital”. O grupo deve ser formado por membros do Ministério das Comunicações, da Secretaria de Comunicação Social e da Secretaria-Geral da Presidência da República, além de representantes dos meios de comunicação e da sociedade civil.

O objetivo da 1ª Conferência Nacional de Comunicação é oferecer subsídios ao governo federal para a formulação de políticas públicas para o setor. Convocado pelo Poder Executivo, o encontro vai contar com etapas preparatórias nos estados. Os estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe já realizaram atividades de mobilização para a etapa nacional.
As comissões de Direitos Humanos e Minorias; de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; e de Legislação Participativa da Câmara participam da preparação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Os colegiados apóiam a atuação da Comissão Pró-Conferência Nacional de Comunicação (CPC), criada em 2007.

Até junho, a CPC promove pré-conferências para sistematizar as propostas que serão discutidas nas etapas estaduais. De julho a a setembro, ocorrem as etapas estaduais. Nessa fase, os comitês estaduais devem eleger os delegados para a etapa nacional. Entre outubro e novembro, ocorrem debates nacionais para sensibilizar a sociedade para importância do evento.

Luta - A 1ª Conferência Nacional de Comunicação é uma luta que remonta à Constituição de 1988, quando foi criado o Conselho Nacional de Comunicação. Após duas décadas de mobilização, a realização do evento foi anunciada pelo presidente Lula durante o último Fórum Social Mundial, ocorrido em janeiro deste ano, em Belém.

O Partido dos Trabalhadores está envolvido com a realização do evento. Em abril de 2007, o partido realizou uma conferência nacional com a presença de setores sociais que discutem a Comunicação. “Entre outras questões, debatemos amplamente a democratização do setor e aprovamos uma resolução com 10 pontos centrais, de maneira que temos, hoje, um conjunto sugestões a serem apresentadas”, explica Gleber Naime, secretário nacional de Comunicação do PT.

Em março, a Comissão Executiva Nacional do PT criou um grupo de trabalho, composto por secretarias do partido e pela Fundação Perseu Abramo, com o objetivo de organizar a participação e a intervenção dos petistas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação. “Nossa expectativa é de que a Conferência promova avanços em questões-chave, como a redução dos monopólios midiáticos, a descriminalização das rádios comunitárias, o controle social das comunicações e o estabelecimento de regras mais rígidas para concessão e/ou renovação de canais de rádio e TV”, afirma Gleber Naime.

Propriedade cruzada dos meios de comunicação, fortalecimento da imprensa regional e concentração de veículos nas mãos de um mesmo grupo devem ser temas debatidos durante o evento. Também devem ser exploradas questões como concessões de rádio e TV, convergência tecnológica e as chamadas “novas mídias” – como internet, TV a cabo e celular.

O deputado Luiz Couto (PT-PB), presidente da Direitos Humanos e Minorias de Câmara, destacou a importância da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. “É preciso socializar os meios de comunicação no País. Não podemos continuar com apenas algumas poucas famílias dominando jornais e emissoras de rádio e televisão”, disse.

O jornalista Celso Schröder, coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, avalia que há “uma expectativa grande” para a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. “É uma grande vitória da sociedade brasileira. Nossas políticas anteriores são muito mais o resultado de pressões de setores econômicos do que uma demanda social. As políticas públicas decorrentes da Conferência serão muito mais legitimas e eficientes”, afirmou.

Saiba mais: “Por que precisamos da Conferência Nacional de Comunicação. Cartilha produzida pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. http://www.fndc.org.br/arquivos/cartilha_fndc_2_edicao.pdf

Resolução sobre democratização das comunicações”. Documento aprovado pela 1ª Conferência Nacional de Comunicação do PT, realizada nos dias 24, 25 e 26 de abril de 2008 em Brasília. http://www.pt.org.br/portalpt/cnc/index.php?conteudo=noticia&codigo=31

Informes 20/abril/2009

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Novos tempos: Comunicação instantânea; Parlamento, decisões e ações... um dia!

O blog do Magno tem amplitude nacional. Veja esta
16/04/2009

Do blog do jornalista Ricardo Kotscho, ex-assssor de Lula: 'Uma semana depois de todo barulho causado pela proposta em que lançou a idéia de um plebiscito, para o povo decidir se deseja ou não o fechamento do Congresso Nacional, recebi do senador Cristovam Buarque o texto, que reproduzo abaixo, no qual ele explica a origem da polêmica.

Tudo começou numa despretensiosa entrevista do senador ao blog do colega Magno Martins, de Pernambuco, e correu célere até chegar à tribuna do Senado, mostrando como a internet mudou as relações entre os políticos e a opinião pública.

Cristovam revela que aprendeu quatro lições com este episódio, a principal delas, a meu ver, mostrando que, se o plebiscito fosse mesmo realizado, a maioria absoluta da população votaria pelo fechamento do Congresso Nacional.

Entre a entrevista e o artigo, mais uma enxurrada de denúncias contra os parlamentares nos últimos dias alagou os salões acarpetados da ilha da fanstasia onde eles vivem.

A mais recente, revelada hoje, dá conta de que um deputado do Rio Grande do Norte, Fábio Faria, do PMN usou sua cota para pagar com dinheiro público passagens para a ex-namorada Adriane Galisteu, a mãe dela, e outros artistas.

Ao se explicar, Faria lançou mais uma novidade: Adriane era como se fosse sua parente. Se esse critério vingar, e tivermos que pagar as passagens de todas as namoradas dos senhores deputados e senadores como se fossem parentes, estamos fritos.

Vale a pena ler o artigo em que o senador Cristovam Buarque faz uma serena e, ao mesmo tempo, dramática análise do atual momento vivido pelo Congresso Nacional:

Lições de uma Frase

Cristovam Buarque

Na semana passada, em Recife, em entrevista por telefone para o blog do Magno Martins, respondi que diante da crise de credibilidade do Congresso, em breve surgiria uma proposta de plebiscito para o povo decidir se deseja ou não um Parlamento aberto. A dimensão tomada pela divulgação desta frase, no blog, permite algumas lições.

A primeira, de como uma frase por telefone, de dentro de um carro no meio do engarrafamento, em poucas horas se espalha por todo o Brasil. Quando cheguei aonde ia, já havia jornalista me ligando para saber sobre o assunto.

Anos atrás, a frase ficaria restrita a poucas pessoas, porque demoraria tanto a se espalhar, que se espalharia morta. Esta lição nos permite descobrir que os políticos, como eu, não estamos preparados para os novos tempos das comunicações universalizadas e instantâneas. O Parlamento também não.

Apesar desta instantaneidade universal das informações e, portanto, das imediatas manifestações de vontade da população, nós parlamentares continuamos agindo no mesmo ritmo de décadas ou mesmo séculos atrás.

Nossos projetos de lei demoram anos, ou décadas, para esgotarem todo o processo até aprovação ou rejeição. Ficamos um poder atrasado em relação ao Executivo, daí as Medidas Provisórias como uma necessidade, mas que terminam paralisando o Congresso. Mas, além do oportunismo do Executivo, as MP são fruto da baixa velocidade como o Congresso desempenha suas funções. Esta é outra lição.

Outra, mais grave é a prova de que o Congresso está tão desmoralizado, que nenhum dos críticos à frase levantou a hipótese de que o plebiscito poderia receber o voto favorável do eleitor para manter o Congresso funcionando.

A crítica considerando a frase golpista demonstrou que todos tomaram a idéia do Plebiscito como se a resposta fosse um claro e rotundo apoio ao fechamento, não à manutenção. Esta é a mais importante das lições.

Os formadores de opinião estão convictos de que o povo deseja fechar o Congresso. Caso contrário, teriam tomado a idéia de um plebiscito como o momento da reafirmação do Congresso, que receberia o apoio popular.

Uma quarta lição é como as frases adquirem vôo próprio, transformam-se e passam a definir o que não estava na sua origem. Eu quero abrir o Congresso, não fechá-lo, como ele de certa forma está neste momento.

As pessoas já esqueceram que durante os 21 anos do regime militar, o Congresso só esteve fechado por poucas semanas. Estava aberto todo o tempo, mas era irrelevante e inoperante, e não respeitado pela opinião pública. Até 1978, quando novos parlamentares começaram a falar contra o regime e articularem o fim da ditadura. Imediatamente recebeu o respeito e o reconhecimento do povo porque essa era a pauta do povo: a anistia, as eleições diretas para presidente, o fim do exílio, da tortura e das prisões políticas.

Alguns congressistas estavam sintonizados com o povo. Mas nem todos. A emenda das diretas foi recusada pelos congressistas, muitos deles até hoje com mandatos. Naquela época, um plebiscito teria aprovado as eleições diretas, o Congresso, com sua elite bem formada, derrubou-a.

A crise do Congresso é imensa e não adianta imaginar que vai ser resolvida sem um choque de idéias levando em conta o que o povo deseja. Até recentemente, o povo ficava silencioso entre as eleições, agora, a mídia, por todos seus meios modernos, colocou o povo na “rua virtual” que leva uma frase de dentro de um carro para o País inteiro.

Não vai demorar que esta rua se manifeste. Pode ser de forma eleitoral, substituindo todos os atuais parlamentares, nas eleições de 2010, pode ser de formas não eleitorais, que ainda não conhecemos, porque ainda não sabemos como vai agir, no futuro, no Brasil, a “rua virtual”. Nos EUA ela encontrou seu caminho e elegeu um negro para presidente, contra a vontade da elite que teve esta oportunidade por mais de dois séculos.

Não há forma de manter um Congresso aberto, durante a democracia, sem que esteja respeitado e sintonizado com a opinião pública. Há golpes barulhentos e golpes silenciosos, uns que fecham o Congresso e outros que o mantém aberto, mas irrelevante, sem sintonia com o povo, desmoralizado.

Esse golpe silencioso está em marcha, por culpa de nós próprios parlamentares, todos nós, não coloquemos a culpa em apenas alguns. E uma das culpas é o silêncio. Melhor passar a aparência de golpista por mostrar o risco de o golpe acontecer, do que ficar no silêncio omisso diante do golpe que já está acontecendo.

Outra lição é de que o político hábil é aquele que não corre risco dizendo frases polêmicas. A polêmica pode levar a desgastes de dimensões fatais eleitoralmente. O bom político é o silencioso, que trabalha sem polêmica, que concentra sua ação nas articulações internas ao Congresso e no convívio dos seus eleitores. Esta lição eu não vou seguir. Não vale a pena ver os problemas sem fazer deles o alarde que a história precisa um dia saber que foi feito.


Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF

Enviado por: Ricardo Kotscho -
Escrito por Magno Martins, às 12h46

fonte:
http://www.blogdomagno.com.br/componentes/paginas/imprimir_pagina_codigo.php?cod_pagina=45701

recebido de Antônio Lúcio -
polcomune@terra.com.br
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quinta-feira, 16 de abril de 2009

Estão mentindo sobre os piratas


Estão nos mentindo sobre os piratas

5/1/2009, Johann Hari: “The Independent”, UK


Quem imaginaria que em 2009, os governos do mundo declarariam uma nova Guerra aos Piratas? No instante em que você lê esse artigo, a Marinha Real Inglesa - e navios de mais 12 nações, dos EUA à China - navega rumo aos mares da Somália, para capturar homens que ainda vemos como vilãos de pantomima, com papagaio no ombro. Mais algumas horas e estarão bombardeando navios e, em seguida, perseguirão os piratas em terra, na terra de um dos países mais miseráveis do planeta. Por trás dessa estranha história de fantasia, há um escândalo muito real e jamais contado. Os miseráveis que os governos 'ocidentais' estão rotulando como "uma das maiores ameaças de nosso tempo" têm uma história extraordinária a contar - e, se não têm toda a razão, têm pelo menos muita razão.

Os piratas jamais foram exatamente o que pensamos que fossem. Na "era de ouro dos piratas" - de 1650 a 1730 - o governo britânico criou, como recurso de propaganda, a imagem do pirata selvagem, sem propósito, o Barba Azul que ainda sobrevive. Muita gente sempre soube disso e muitos sempre suspeitaram da farsa: afinal, os piratas foram muitas vezes salvos das galés, nos braços de multidões que os defendiam e apoiavam. Por quê? O que os pobres sabiam, que nunca soubemos? O que viam, que nós não vemos? Em seu livro “Villains Of All Nations”, o historiador Marcus Rediker começa a revelar segredos muito interessantes.

Se você fosse mercador ou marinheiro empregado nos navios mercantes naqueles dias se vivesse nas docas do East End de Londres, se fosse jovem e vivesse faminto-, você fatalmente acabaria embarcado num inferno flutuante, de grandes velas. Teria de trabalhar sem descanso, sempre faminto e sem dormir. E, se se rebelasse, lá estavam o todo-poderoso comandante e seu chicote [ing. “the Cat O' Nine Tails”, lit. "o Gato de nove rabos"]. Se você insistisse, era a prancha e os tubarões. E ao final de meses ou anos dessa vida, seu salário quase sempre lhe era roubado.

Os piratas foram os primeiros que se rebelaram contra esse mundo. Amotinavam-se nos navios e acabaram por criar um modo diferente de trabalhar nos mares do mundo. Com os motins, conseguiam apropriar-se dos navios; depois, os piratas elegiam seus capitães e comandantes, e todas as decisões eram tomadas coletivamente; e aboliram a tortura. Os butins eram partilhados entre todos, solução que, nas palavras de Rediker, foi "um dos planos mais igualitários para distribuição de recursos que havia em todo o mundo, no século 18 ".

Acolhiam a bordo, como iguais, muitos escravos africanos foragidos. Os piratas mostraram "muito claramente- e muito subversivamente- que os navios não precisavam ser comandados com opressão e brutalidade, como fazia a Marinha Real Inglesa." Por isso eram vistos como heróis românticos, embora sempre fossem ladrões improdutivos.

As palavras de um pirata cuja voz perde-se no tempo, um jovem inglês chamado William Scott, volta a ecoar hoje, nessa pirataria “new age” que está em todas as televisões e jornais do planeta. Pouco antes de ser enforcado em Charleston, Carolina do Sul, Scott disse: "O que fiz, fiz para não morrer. Não encontrei outra saída, além da pirataria, para sobreviver".

O governo da Somália entrou em colapso em 1991. Nove milhões de somalianos passam fome desde então. E todos e tudo o que há de pior no mundo ocidental rapidamente viu, nessa desgraça, a oportunidade para assaltar o país e roubar de lá o que houvesse. Ao mesmo tempo, viram nos mares da Somália o local ideal onde jogar todo o lixo nuclear do planeta.

Exatamente isso: lixo atômico. Nem bem o governo desfez-se (e os ricos partiram), começaram a aparecer misteriosos navios europeus no litoral da Somália, que jogavam ao mar contêineres e barris enormes. A população litorânea começou a adoecer. No começo, erupções de pele, náuseas e bebês malformados. Então, com o tsunami de 2005, centenas de barris enferrujados e com vazamentos apareceram em diferentes pontos do litoral. Muita gente apresentou sintomas de contaminação por radiação e houve 300 mortes.

Quem conta é Ahmedou Ould-Abdallah, enviado da ONU à Somália: "Alguém está jogando lixo atômico no litoral da Somália. E chumbo e metais pesados, cádmio, mercúrio, encontram-se praticamente todos." Parte do que se pode rastrear leva diretamente a hospitais e indústrias européias que, ao que tudo indica, entrega os resíduos tóxicos à Máfia, que se encarrega de "descarregá-los" e cobra barato. Quando perguntei a Ould-Abdallah o que os governos europeus estariam fazendo para combater esse 'negócio', ele suspirou: "Nada. Não há nem descontaminação, nem compensação, nem prevenção."

Ao mesmo tempo, outros navios europeus vivem de pilhar os mares da Somália, atacando uma de suas principais riquezas: pescado. A Europa já destruiu seus estoques naturais de pescado pela superexploração - e, agora, está superexplorando os mares da Somália. A cada ano, saem de lá mais de 300 milhões de atum, camarão e lagosta; são roubados anualmente, por pesqueiros ilegais. Os pescadores locais tradicionais passam fome.

Mohammed Hussein, pescador que vive em Marka, cidade a 100 quilômetros ao sul de Mogadishu, declarou à Agência Reuters: "Se nada for feito, acabarão com todo o pescado de todo o litoral da Somália."

Esse é o contexto do qual nasceram os "piratas" somalianos. São pescadores somalianos, que capturam barcos, como tentativa de assustar e dissuadir os grandes pesqueiros; ou, pelo menos, como meio de extrair deles alguma espécie de compensação.

Os somalianos chamam-se "Guarda Costeira Voluntária da Somália". A maioria dos somalianos os conhecem sob essa designação. [Matéria importante sobre isso, em http://wardheernews.com/Articles_09/April/13_armada_not_solution_muuse.html "The “Armada” is not a solution".] Pesquisa divulgada pelo site somaliano independente “WardheerNews” informa que 70% dos somalianos "aprovam firmemente a pirataria como forma de defesa nacional".

Claro que nada justifica a prática de fazer reféns. Claro, também, que há gângsteres misturados nessa luta - por exemplo, os que assaltaram os carregamentos de comida do World Food Programme. Mas em entrevista por telefone, um dos líderes dos piratas, Sugule Ali disse: "Não somos bandidos do mar. Bandidos do mar são os pesqueiros clandestinos que saqueiam nosso peixe." William Scott entenderia perfeitamente.

Por que os europeus supõem que os somalianos deveriam deixar-se matar de fome passivamente pelas praias, afogados no lixo tóxico europeu, e assistir passivamente os pesqueiros europeus (dentre outros) que pescam o peixe que, depois, os europeus comem elegantemente nos restaurantes de Londres, Paris ou Roma? A Europa nada fez, por muito tempo. Mas quando alguns pescadores reagiram e intrometeram-se no caminho pelo qual passa 20% do petróleo do mundo... imediatamente a Europa despachou para lá os seus navios de guerra.

A história da guerra contra a pirataria em 2009 está muito mais claramente narrada por outro pirata, que viveu e morreu no século 4º AC. Foi preso e levado à presença de Alexandre, o Grande, que lhe perguntou "o que pretendia, fazendo-se de senhor dos mares." O pirata riu e respondeu: "O mesmo que você, fazendo-se de senhor das terras; mas, porque meu navio é pequeno, sou chamado de ladrão; e você, que comanda uma grande frota, é chamado de imperador." Hoje, outra vez, a grande frota europeia lança-se ao mar, rumo à Somália - mas... quem é o ladrão?

http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/johann-hari/johann-hari-you-are-being-lied-to-about-pirates-1225817.html

Fonte:
The Independent, UK, 5/1/2009 (autoria de Johann Hari)
Tradução de Caia Fittipaldi

http://catatau.blogsome.com/2009/04/13/johann-hari-estao-nos-mentindo-sobre-os-piratas/

recebido de Adauto -
ras.adauto@gmx.de

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quarta-feira, 15 de abril de 2009

Remoção, tabu e venda ideológica

Remoção não é tabu

Opinião - 13/04/2009 15:13

Polarizar o debate sobre as remoções de favelas reforça uma abordagem ideológica do assunto. É a opinião do geógrafo Fernado Lannes Fernandes, em artigo escrito sobre o tema para o site do Observatório de Favelas. Para Fernandes, o tema de remoção não é um tabu, mas muito mais uma espécie de venda ideológica que tenta esconder as reais razões do discurso de remoção. Leia abaixo o artigo na íntegra.

A remoção não é tabu, mas uma venda ideológica

Por Fernando Lannes Fernandes*



Em matéria publicada no domingo de páscoa, 12 de abril, O Globo apresentava o “tema tabu” ou, “a palavra proibida”, mencionando-se às remoções de favelas, como algo que deveria ser posto em debate. Incitados pelas afirmações do prefeito e do vice-governador, os jornalistas do veículo elaboraram matéria de duas páginas para dar visibilidade ao assunto.

Antes de qualquer coisa é preciso dizer que soa estranho o jornal O Globo por em pauta se uma palavra ou tema é tabu diante das quase diárias menções ao termo, seja em matérias sobre favelas, seja, muito especialmente, na seção cartas dos leitores, onde se lê ou se interpreta textos que sugerem a remoção das favelas. Com isso, quero apenas deixar a ressalva de que para O Globo, o tema das remoções, ou a palavra – entendam como quiser -, não tem sido apresentado como um tabu, mas, pelo contrário, como uma espécie de tábua da salvação para a cidade.

Uma primeira questão a ser analisada no que concerne à dissimulada intocabilidade do tema, diz respeito ao próprio tema: é um equívoco estabelecer uma polarização entre ser a favor ou contra a remoção. Debater o tema desta forma é cair no vazio, pois reforça sua abordagem ideológica e não permite que a sociedade avance em questões muito mais profundas e complexas que permeiam o tema, que a meu ver, tem sido utilizado muito mais como um artifício ideológico do que como uma promoção sadia de um debate sobre o desenvolvimento urbano e o direito à cidade.

Ao que tudo indica o que mais uma vez está em jogo, na fala das pessoas e das autoridades públicas – refletidas, reforçadas e provocadas pela imprensa -, não é o desejo de uma cidade melhor para todos, mas de uma cidade “menos pior” para alguns. O que o tema das remoções sugere não é um debate sobre a melhoria das condições de vida (ou ainda, sobre a vida) dos que vivem nas favelas. O que está em jogo é a vida de quem não vive nas favelas, ou, para ser mais preciso, de quem se incomoda com as favelas e com seus moradores.



Por que ao invés de se pensar na remoção não se põe em debate a reforma urbana? Ou ainda uma política de habitação popular que realmente atenda às demandas e expectativas da população que mais precisa? Simplesmente porque à sociedade carioca e às suas autoridades competentes, é mais fácil falar do que é superficial, daquilo que inflama a revolta e a indignação de uma classe média assustada com as balas perdidas, com os favelados circulando próximo aos seus locais de moradia e lazer e ainda com a desvalorização de seus imóveis.

O tema das remoções não é um tabu. Em hipótese alguma. Mas é uma espécie de venda ideológica, que nos cega para uma realidade que extrapola os limites que a remoção enquanto um instrumento possui. A remoção é um instrumento, um recurso que pode ser necessário em diversas situações. Uma ocupação com risco de desabamento, por exemplo, requer a utilização deste recurso. Em obras de urbanização e melhoria das vias de circulação em uma favela, é igualmente necessário se pensar em remoção. E não é problema dizer que em situações limite isso se coloque, inclusive, para a liberação de uma área inteira, com a “eliminação” da favela. Essas ações devem ser empreendidas dentro de um contexto mais amplo, de melhoria da cidade para todos, não para alguns. Deve ser uma questão de ordem técnica, amparada juridicamente e, sobretudo, que tenha como princípio fundamental, o respeito aos direitos assegurados pela Constituição Brasileira e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não pode ser em hipótese alguma, um recurso político-ideológico utilizado em favor de alguns. Deve ser para todos, e sendo assim, é indispensável que o direito de quem está na favela seja assegurado. E o primeiro passo é descriminalizar o morador, que é geralmente visto como um invasor, e concebê-lo como um cidadão em busca de assegurar, com os meios disponíveis, seu direito à moradia. O que torna o tema um tabu, na realidade, diz respeito ao uso ideológico e conservador com que ele tem sido utilizado no Brasil, cujo exemplo dos tempos de Lacerda e Negrão de Lima (que tinham como pano de fundo o regime autoritário) é apenas o caso extremo dos usos ideológicos que podem ser feitos de um recurso técnico.

Enquanto não despertarmos para o verdadeiro debate, enquanto não nos libertarmos de um tema que anestesia e cega, não resolveremos, efetivamente, o conjunto de problemas de nossa cidade. Problemas esses que certamente não se limitam às favelas e que, em absoluto, não se originam nelas ou a partir delas. As favelas, como são hoje, refletem uma sociedade pobre em investimentos públicos, frágil na presença do Estado, refém da corrupção policial e dos políticos. Elas não podem continuar sendo bodes expiatórios de problemas que provocaram a sua origem.

Quando digo essas palavras, não estou aqui defendendo uma cidade favelizada. Pelo contrário, defendo uma cidade efetivamente direcionada para a instauração de um novo desenho, de transformação de áreas que hoje são estigmatizadas, precarizadas e desestruturadas em bairros integrados, estruturados e conectados à vida urbana em sua plenitude. Onde o Estado esteja presente, onde a iniciativa privada tenha interesse em investir. Mas isso só será possível se o tema das remoções (e da “ordem urbana”, a reboque) deixar de ser o centro das atenções, deixar de ser essa venda ideológica e der lugar a um debate consistente sobre o que realmente interessa, situado no âmbito da reforma urbana e da promoção do direito à cidade, para todos.

* Fernando Lannes Fernandes é Doutor em Geografia e coordenador-executivo do Observatório de Favelas.

Leia artigo de Jorge Barbosa, coordenador do Observatório de Favelas, sobre o tema.

http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/noticias/mostraNoticia.php?id_content=505

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Este texto fica completado com a belíssima matéria

FAVELÓPOLE!
http://www.overmundo.com.br/overblog/favelopole
de Spírito Santo · Rio de Janeiro (RJ) · 17/3/2009 19:45

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Texto original sem ilustração.
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segunda-feira, 13 de abril de 2009

Educação Sexual na Escola - livro de concepção original faz homenagem a Lélia Gonzalez

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“Educação Sexual na Escola
– equidade de gênero, livre orientação sexual e igualdade étnico-racial numa proposta de respeito às diferenças”

organizado pela Professora Doutora Jimena Furlani

Convênio UDESC – MEC – SECAD

UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina
FAED – Centro de Ciências Humanas e da Educação
LabGeF – Laboratório de Estudos de Gêneroe Família
NEAB – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros

Lançamento:
dia 24 de abril de 2009 – sexta-feira
às 19 h
no Auditório do CEART (Centro de Artes)
Avenida Madre Benvenuta, 2007 – Itacorubi – Florianópolis – SC


Sumário
Agradecimentos – p. 3
O Projeto que originou este livro – p. 4
Apresentação MEC/SECAD – p. 5

Capítulo 1 - O curso de formação para educadoras/es sexuais – uma proposta de educação continuada - p. 8
Nathália Clotilde Susin Athanázio
Marina Vieira Cerny

1.1. Uma breve introdução
1.2. O Projeto original e suas parcerias
1.3. Quem se interessou pela formação em Educação Sexual?
1.4. O sujeito da história – falamos de quê? De quem?
1.5. Os temas trabalhados nos 05 Encontros do Curso:
1.6. A opinião das/os participantes - a avaliação do Curso de Formação

Capítulo 2 - Abordagens contemporâneas para Educação Sexual – p. 18
Jimena Furlani

2.1. A abordagem biológica-higienista
2.2. A abordagem moral-tradicionalista
2.3. A abordagem terapêutica
2.4. A abordagem religiosa-radical
2.5. A abordagem dos Direitos Humanos
2.6. A abordagem dos Direitos Sexuais
2.7. A abordagem emancipatória
2.8. A abordagem queer

Capítulo 3 - Pressupostos teóricos e políticos de uma Educação Sexual de respeito às diferenças – argumentando a favor de um currículo pós-crítico – p. 43
Jimena Furlani

3.1. Educação Sexual – o currículo crítico
3.2. Educação Sexual – o currículo pós-crítico
3.3. A perspectiva Pós-Estruturalista e o Currículo da Educação Sexual
3.4. Os Estudos Culturais e o Currículo da Educação Sexual
3.5. A análise feminista, o conceito de “relações de gênero” e o Currículo da Educação Sexual
3.6. As contribuições dos Movimentos Sociais e o Currículo da Educação Sexual

Capítulo 4 - Educação sexual para/na infância – p. 58
Jimena Furlani

4.1. “Crianças Sexualmente Saudáveis” – um entendimento
4.2. Oito (08) princípios para uma educação sexual na escola de respeito às diferenças
4.3. Meu nome tem uma origem e eu me orgulho dela – as crianças do livro explicitam as diferenças identitárias

Capítulo 5 - Educação Sexual – possibilidades didáticas a um começo para Educação Infantil e no Ensino Fundamental – p. 71
Jimena Furlani

5.1 Conhecer as partes do corpo de meninos e meninas – a diferença começa aqui
5.2. Entender noções de higiene pessoal e os conceitos de nudez e privacidade
5.3. Conversar sobre a linguagem (nomes familiares, os nomes científicos)
5.4. Conhecer os vários modelos de famílias (explicitando as muitas formas de conjugalidade – os laços afetivos e a convivência mútua)
5.5. Iniciar o entendimento acerca das “diferenças” (pessoais, familiares, lingüísticas, etc.) ao encontro do respeito às diferenças (de gênero, racial, étnica, de orientação sexual, de condição física, etc.)
5.6. Educação de meninos e meninas a partir dos Estudos de Gênero
5.6.1. A equidade de gênero e os brinquedos infantis
5.6.2. O respeito aos animais domésticos – interferindo na educação de uma masculinidade violenta
5.7. Discutir (antecipar) informações acerca das mudanças futuras do corpo (na puberdade)

Capítulo 6 - “Conhecendo meu corpo – saúde, higiene e sexualidade” – um Projeto possível para Educação Infantil – p. 108
Jamira Furlani

6.1. “A ocasião faz o ladrão” – as oportunidades da formação
6.2. O Projeto – o planejamento, a execução e seus efeitos sobre as crianças
6.3. Educação sexual na creche – da teoria à prática com as crianças

Capítulo 7 - “ESTUDO DO TEMPO: O Dia e a Noite” – Conhecendo e respeitando as culturas indígenas na Educação Infantil
Andréa R. Maria
Eunice Klauberg
Rosângela Luz Vieira

Capítulo 8 - “Informação, apenas, não muda comportamento”? – a Educação Sexual e a construção de uma cultura da prevenção
Jimena Furlani

Capítulo 9 - Educação Sexual para adolescência – os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio – p. 132
Jimena Furlani

9.1. Discussão de Casos
9.2. Jogo - O ano em que nasci
9. 3. Reflexão: Relações de Poder, Identidades e subordinação histórica
9.4. Jogo – O Bingo Adolescente
9.5. Jogo – Conhecendo e respeitando as diferenças individuais
9.6. Entendimentos conceituais: Preconceitos e Movimentos Sociais
9.7. Jogo: 2. “Que mudanças são essas em meu corpo?”
9.8. Jogo: “Vamos ‘ficar’?”
9.9. Discussão conceitual: “A expressão do desejo e do afeto nas pessoas”
9.10. Interagindo como outras disciplinas – Educação Sexual na Matemática
9.11. Exercícios desconstrutivos
9.12. Educação Sexual a partir de Projeto

Capítulo 10 - “Núcleo de Educação e Prevenção/NEPRE” – uma proposta que articula nas Escolas ações educativas voltadas as drogas, a violência e a sexualidade (DSTs, HIV, AIDS, gravidez na adolescência) – p. 155
Natália Cristina de Oliveira Meneghetti

10.1. Educação Preventiva – um entendimento
10.2. Organização Escolar para a Prevenção: a Equipe Pedagógica e o Projeto Político Pedagógico/PPP
10.3. Da resistência da Escola à busca da superação das dificuldades – condições de possibilidades históricas à Educação Preventiva
10.4. Uma possibilidade de intervenção educacional – o surgimento dos NEPRES e a proposta do NEPRE da Gerência de Educação da Grande Florianópolis

Capítulo 11 - Multiculturalismo, Diversidade Cultural e Desigualdades Raciais – um olhar a uma Educação Sexual de respeito às diferenças – p. 162
Paulino de Jesus F. Cardoso
Willian Robson Soares Lucindo

11.1. Notas introdutórias – pensando a promoção da igualdade
11.2. Cultura e multiculturalismo – conceitos essenciais
11.3. Significados e desafios da institucionalização da luta anti-racista no Brasil
11.4. A Lei 10.639/2003
11.5. Desafios da implementação da Lei 10.639/2003 e de suas Diretrizes
11.6. Multiculturalismo, Direito à Diferença e à Escola

Capítulo 12 - Populações indígenas em Santa Catarina – reflexões acerca de uma educação sexual de respeito à diversidade étnico-racial – p . 171
Karla Leandro Rascke

12.1. As Populações Indígenas – no Brasil e em Santa Catarina
12.2. Educação e preservação étnica das populações indígenas no Brasil e em Santa Catarina
12.3. O ensino da história e cultura indígena nas escolas – a Lei 11.645/08




Os agradecimentos de Memória Lélia Gonzalez à Professora Doutora Jimena Furlani que, desde a primeira hora, fez contato conosco para o reconhecimento à feminista negra brasileira Lélia Gonzalez a quem temos a honra de reverenciar neste Blog e em http://www.leliagonzalez.org.br/

sexta-feira, 10 de abril de 2009

À Professora Manuela Carneiro da Cunha

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Postagem do intelectual e compositor Nei Lopes, em Meu Lote

A simpática senhora da foto acima, publicada na edição de nº 17 da Revista de História da Biblioteca Nacional, em fevereiro de 2007, é a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, professora da Universidade de Chicago e autora de várias obras fundamentais sobre a História dos índios e dos negros. Nascida em Portugal, filha de pais húngaros, judeus, formou-se em Matemática Pura, freqüentou o seminário de Lévi-Strausss e acabou por dedicar-se à antropologia. Na década de 1981, foi professora visitante em Cambrigde e na École des Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris.

Trata-se, portanto, de uma intelectual que merece o nosso maior respeito e nossa maior admiração. E foi ela que, na edição mencionada da RHBN (pág. 55), declarou, leiam com atenção, o seguinte:

“Sei que o grande argumento de quem é contra as cotas é que isso introduz ‘raça’ na lei, racializa a legislação. Mas ‘raça’ já existe no Brasil. Existe porque, pragmaticamente, ela está em funcionamento. E, certos momentos, ela até desaparece do censo, mas isso não a tira do universo social. O que eu quero dizer é que ‘raça’ é uma noção que opera e, portanto, existe no Brasil, mesmo que se conteste seu fundamento. Não adianta dizer que raça não é um conceito adequado; ele existe no senso comum e na sociedade, e produz os efeitos sociais e psicológicos que todos conhecemos”.

recebido de Luiz Carlos Gá - galuizcarlos@yahoo.com.br


Manuela Carneiro da Cunha
01/02/2007
Entrevista

No princípio eram as estruturas matemáticas: nascida na cidade portuguesa de Cascais, Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha se formou em Matemática na França. A Antropologia só entrou em sua vida um pouco mais tarde – seu mestre foi ninguém menos que o francês Claude Lévi-Strauss. Poucos imaginam, mas Matemática e Antropologia têm muito em comum: “Lévi-Strauss só me aceitou porque eu era formada em Matemática”.


No Brasil, Manuela lutou pelo reconhecimento dos direitos dos índios na Constituição de 1988 e publicou verdadeiras obras de referência sobre História dos Índios. A antropóloga se diz a favor da política de cotas nas universidades. Afirma, porém, que o sistema necessita de um plano específico para os índios.

Professora da Universidade de Chicago, Manuela não abandonou o trabalho de campo na floresta amazônica. Em sua casa, no quatrocentão bairro paulistano do Pacaembu, conversou com a equipe da Revista de História e a antropóloga Lilia Schwarcz. Entre biscoitos recém-saídos do forno e sucos saborosos, Manuela não evitou temas amargos. Acredita que o governo brasileiro deve priorizar investimentos em ciência e tecnologia para a floresta em pé. As políticas de incentivo ao agronegócio, segundo a antropóloga, estariam promovendo um desenvolvimento nada sustentável no país: “Nós já arrasamos a Amazônia Oriental, agora é a vez da Amazônia Ocidental. Se a política é apenas atrelada ao agronegócio e se a noção de desenvolvimento é apenas o aumento do PIB, estamos perdidos...”


Revista de História - Da Matemática para a Antropologia foi um grande salto. Como isto aconteceu?

Manuela Carneiro Cunha - Formei-me em Matemática em 1967, na França. Meus professores eram de um grupo que usava o pseudônimo coletivo de Nicolas Bourbaki e pretendia refundar a matemática a partir de algumas estruturas básicas. Havia uma grande afinidade entre a matemática bourbakiana e o estruturalismo de Lévi-Strauss. Quando estava escrevendo seu primeiro grande livro, As Estruturas Elementares do Parentesco, Lévi-Strauss consultou um grande matemático francês da velha escola, Hadamard, e perguntou-lhe se a formalização que estava propondo para as regras do casamento não seria passível de um tratamento matemático. Hadamard teria respondido: “Só conheço quatro operações: soma, subtração, multiplicação e divisão. Não vejo como o casamento se enquadra nelas”. Lévi-Strauss falou então com o André Weil, um matemático bourbakiano, que disse: “É claro que dá para matematizar isso”. E há um capítulo dele, dentro do Estruturas Elementares do Parentesco, que é uma matematização algébrica de sistemas de casamento australianos. Havia, portanto, uma afinidade óbvia entre o tipo de matemática que eu tinha feito e aquela na qual Lévi-Strauss se inspirava.

RH - E como você chegou até ele?

MCC - Lévi-Strauss me inspirava um terror sagrado. Uns amigos me encorajaram a marcar uma entrevista com ele para poder freqüentar o seu seminário. No dia, disse que era brasileira, mas ele só me aceitou porque eu era formada em Matemática.

RH - Começaram então suas pesquisas mais dirigidas à Antropologia?

MCC - É, só que eu não tinha estudado realmente Antropologia. Não tinha uma formação sistemática. Em 1970 voltei ao Brasil, e Lévi-Strauss me deu uma carta de recomendação: seria meu passaporte. Ouvi falar de um curso na Unicamp que estava começando e fui para lá. Foi ótimo aprender Antropologia Social britânica com Peter Fry e Verena Stolcke, um contraponto total ao que tinha lido até então. Meu primeiro artigo foi sobre a relação entre mito e história, a partir de um movimento messiânico que ocorreu entre os índios canela, do Maranhão, em 1963. Esse movimento anunciava que iria mudar a relação de forças entre os brancos e os índios: os índios teriam todos os bens industriais, seriam donos de fazenda, e os brancos iriam caçar na floresta. Entre os canela – como em praticamente todos os grupos indígenas de língua gê –, conta-se o mito de Aukê, sobre a origem dos brancos. Aukê é um menino índio que é morto e que reaparece como um fazendeiro ou como D. Pedro II. Ele pergunta para os índios e para os brancos que armas e que utensílios para comer eles preferem. Os índios escolhem o arco e os brancos, a espingarda. Os índios, a cuia, e os brancos, o prato. Esta seria a origem da desigualdade. No artigo, mostro que esse movimento messiânico se moldou em uma inversão estrutural do mito de Aukê, como se a história e a desigualdade fossem assim, por sua vez, se inverter também.

RH - Como é que o Brasil lida com a questão da preservação do patrimônio imaterial da cultura indígena?

MCC - A idéia de patrimônio histórico nacional – e do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) – foi toda formulada e voltada para o patrimônio material, de pedra e cal. Mas no patrimônio imaterial, o importante mesmo é o processo, e o Estado só tem a tradição de legislar sobre produtos acabados. A cultura não é um produto, é um processo dinâmico que está em perpétua modificação. A grande dificuldade é preservar as condições de produção do patrimônio imaterial, como, por exemplo, o conhecimento tradicional. Às vezes, são coisas muito sutis.

RH - E como isso é visto na perspectiva dos índios?

MCC - Muita gente acha que, como a terra não é propriedade privada nas sociedades indígenas, tudo nessas sociedades é coletivo e comunitário, mas não é assim. No direito costumeiro dessas sociedades, há uma elaboração sobre patrimônio imaterial que pode nos parecer complexa. Por exemplo, os direitos sobre nomes, rituais, canções, danças nos grupos de língua gê, ou padrões de desenhos e nomes nos grupos de língua pano. Entre os gê, há toda uma economia dos nomes próprios. Você não pode dar qualquer nome a uma criança. Existe um acervo de nomes, e determinadas pessoas ou casas têm determinados direitos de usufruto ou de posse do nome. O patrimônio imaterial é regulamentado internamente em cada uma dessas sociedades.

RH - Como o Estado deve intervir nessas questões?

MCC - A proteção dos direitos intelectuais relativos ao conhecimento tradicional é fundamental e cabe ao Estado. Isto não quer dizer que se deva simplesmente estender direitos de propriedade intelectual – desenvolvidos e ampliados a partir do século XVII – às sociedades indígenas. Há mais de uma década se discute na ONU que mecanismos seriam mais apropriados. Fazer as sociedades tradicionais participarem das decisões e dos benefícios que advêm de seus conhecimentos sem interromper o processo de produção destes está longe de ser algo simples.

RH - Como é que você, tendo militado desde muito cedo nessa ação de defesa dos índios, vê hoje o movimento indigenista?

MCC - Os índios têm agora seus próprios movimentos, cada vez mais eficazes e organizados. As antigas associações pró-índio, de onde emergiu a maioria dos movimentos propriamente indígenas, não são mais seus porta-vozes ou intermediários. No entanto, acho que existem funções importantes que elas continuam a desempenhar. O Instituto Socioambiental, por exemplo, é um órgão extremamente importante de documentação, treinamento e apoio a projetos indígenas. A Comissão Pró-Índio do Acre teve e continua tendo um papel importantíssimo na questão da educação indígena, formou professores indígenas e agentes agroflorestais de forma excelente – pessoas capacitadas a desempenhar papéis importantes nas comunidades indígenas. Esses órgãos têm hoje papéis essenciais de assessoria. Quanto ao resto, os índios, cada vez mais, têm tomado as rédeas.

http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/impressao.php?id=455&pagina=1
http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=455
http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=edicao&id=8
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Memória Lélia Gonzalez traz essa entrevista para o Blog também como uma especial homenagem à Professora Manuela Carneiro da Cunha por ter aceitado Lélia Gonzalez como sua orientanda, na época em que Lélia decidiu atravessar madrugadas nos ônibus Rio-SãoPaulo-Rio, para o curso de Doutorado na USP.
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segunda-feira, 6 de abril de 2009

Derrotas de março

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Coluna Panorama Econômico
Míriam Leitão e Leonardo Zanelli

29-mar.-2009

Antes que março acabe, eu queria dizer o que me derrota. A Itália descobriu um caso repugnante de estupro sequencial de pai e filho contra a mesma mulher, filha e irmã dos dois. A Áustria encarcerou o monstro que manteve a filha no porão, prisioneira de estupros contínuos. Aqui, a discussão da menina que em Recife foi estuprada e engravidou do padrasto ficou em torno da decisão medieval do bispo.

Estes são apenas casos de março, outros surgiram: o da menina de 13 anos, no Brasil que, grávida do pai — por quem passou a ser violentada a partir da morte da mãe — decidiu ter o filho. Cada um dos dramas é tão vasto. Penso nestas meninas e mulheres e na antiguidade da sua pena. Condenadas, antes de nascer, pelo mais intratável dos lados da opressão à mulher: o suplício sexual.

Melhor seria escrever uma coluna racional, com os dados que provam a exclusão da mulher do poder no mundo, ou da sua discriminação no mercado de trabalho, ou do preconceito embutido nas propagandas. Seria menos doloroso. Há pesquisas novas, interessantes. Com os dados, eu provaria que a mulher avançou nos últimos anos, e que a sociedade equânime ainda está distante. Falar desse aspecto do problema seria até um alívio.

Mas o que tem me afligido são esses casos espantosamente cruéis que acontecem em países diferentes, classes sociais diferentes, religiões diferentes. A vítima é sempre a mulher. A sharia, que voltou a ser código aceito em todo o Paquistão, condena a mulher a receber a pena no lugar de alguém da família que tenha cometido um delito. Normalmente, essa pena é estupro público e coletivo. Foi assim com a notável Mukhtar Mai, a paquistanesa que venceu seus estupradores em uma luta desigual e heroica na justiça comum. No livro “A Desonrada”, ela contou seu suplício e sua vitória.

Eu podia fingir que não sei das estatísticas da violência contra a mulher, e pensar que cada caso é apenas mais um louco em sua loucura, pegando uma vítima aleatória. Melhor ainda, fugir completamente do tema. Afinal, esta é uma coluna de economia e as pautas e assuntos sobre o tema são inúmeros. A nova regulamentação do mercado financeiro americano para prevenir crises como a atual; ou o desequilíbrio econômico e financeiro dos países do leste europeu; ou ainda o risco de déficit em conta corrente nos países exportadores de commodities metálicas. Assuntos áridos, fáceis. Qualquer um deles permitiria que esta coluna fosse para longe do horror imposto às mulheres por pais, padrastos, irmãos, namorados, ex-namorados, maridos, ex-maridos. Em qualquer um desses temas eu teria muito a dizer, mas o que dizer da morte da jovem Ana Claudia, de 18 anos, esfaqueada no pescoço pelo pai do seu filho, de quem tinha se afastado, saindo da Bahia para São Paulo, para fugir dos maus tratos frequentes? Ou Eloá, a menina de 15 anos morta pelo ex-namorado, depois de sofrer por dias, em frente a uma polícia equivocada? Na época do caso, o comandante da operação, o coronel Eduardo Félix de Oliveira, definiu Lindemberg Alves, o assassino de Eloá, como um “garoto em crise amorosa”. Era um algoz que espancou e matou sua vítima.

O abuso de crianças não escolhe sexo. A pedofilia faz vítimas entre meninos e meninas, e em ambos é igualmente abjeta e inaceitável. Mas a frequência, a crueldade, a persistência dos ataques às meninas mostram que o crime é parte de um outro fenômeno mais antigo: o da violência contra mulheres de qualquer idade.

As leis que mantêm a desigualdade em inúmeros países, com o argumento de que essa é a cultura local, o alijamento da mulher das estruturas de poder, a recorrência de casos em que ex-namorados ou maridos matam para provar que ainda têm poder sobre suas vítimas são alguns dos vários lados de uma velha distorção.

Como estão enganadas as mulheres que, por terem tido algum sucesso em suas carreiras, acham que a questão da condição feminina, a velha questão feminista, está ultrapassada. Apenas começou o trabalho de construir um mundo de respeito.

Mas se é fácil discutir políticas públicas para vencer o poderoso inimigo da desigualdade, é paralisante o tema dessa vasta violência praticada em todos os países, em todas as culturas, em tantas casas contra meninas e mulheres que não conseguem se defender.

É espantoso o caso da mulher italiana, de 34 anos, vítima desde os nove anos de idade dos estupros do pai e depois do irmão, que também estuprou suas próprias filhas. Ela chegou a ir à polícia há 15 anos, mas não foi levada a sério. Hoje tem problemas psicológicos. Como não ter?

Pode-se encarcerar cada um dos estupradores e condená-los. Eles merecem toda a punição que a lei de cada país comportar. Mas é preciso ver o horizonte: os casos são frequentes demais, as estatísticas são fortes demais, para que sejam apenas aberrações eventuais.

Março tem um dia, o oitavo, que é “da mulher”. Não pela efeméride, mas por envolvimento com o tema, eu costumo aproveitar a data para analisar, neste espaço, algum aspecto da discriminação contra a mulher. Mas este ano, a imagem da pequena e frágil menina de Recife me derrotou. Tenho tido medo que nunca acabe o sofrimento das pessoas que integram a parte da humanidade a qual pertenço. Fico, a cada novo caso, como os muitos desse março, um pouco mais derrotada.

http://oglobo.globo.com/economia/miriam/post.asp?t=derrotas-de-marco&cod_Post=172738&a=496

Agradecemos a Vanda de Alagoas, por ter mostrado o texto - menezes.vanda@ig.com.br
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domingo, 5 de abril de 2009

Nossa Gente, Axé! Adeus a Isabel Cristina Baltazar

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Isabel Cristina presente
por Marise Pinto *

30/3/2009 - LUTO

Isabel Cristina era uma mulher guerreira em todos os sentidos, de uma tenacidade e garra impressionantes.

Abriu caminhos que poucas abririam.

Em 20 anos de militância sindical formou o coletivo de gênero, raça e etnia do SINDISPREV/RJ, esteve como uma das protagonistas principais na formação do coletivo racial da CUT, esteve à frente na formação do coletivo racial da INTERSINDICAL e do coletivo de negros e negras do PSOL.

Era daquele naipe de pessoas que tem luz própria, que brilha em qualquer lugar por qualquer motivo.

Endurecia quando necessário sem contudo, jamais perder a ternura. E muitas vezes a vi chorar.

foto Januário Garcia
Vai fazer falta aquela mulher forte e cheia de vida.

Isabel tinha um problema de saúde gravíssimo. Era cardiopata e tomava medicamentos para que o coração não crescesse mais do que já tinha crescido e era hipertensa.

Atualmente estava na fila do transplante para receber um coração novo.

Cada dia que ela acordava, poderia ser o último de sua vida, já que sua doença era muito grave, mas ela nunca deixou transparecer isso e sua vontade de viver era tanta, que ela viveu intensamente cada momento, cada segundo, bela, forte, e com muita alegria, que encantava e contagiava qualquer um.

Mas o que mais ela me ensinou foi tratar a todos de forma cortês, gentil, mesmo os que eram FDP (e que as putas me perdoem por atribuir a elas, alguns filhos).

Ela me ensinou o sentido da palavra democracia e a não levar para o pessoal as discordâncias do dia-a-dia sindical.

De uma irreverência impressionante, gritava, quebrava vidraça, mas depois sabia conversar com o adversário, depois que a raiva passava e muitas vezes ela chorava...sabia abrir aquele sorriso que sempre me encantou. Ela me ensinou o que é DEMOCRACIA, e me esforço para vivê-la algum dia como ela.

Levou a consciência negra até as últimas consequências e unificou uma comunidade Angolana com os negros brasileiros porque acreditava ser importante que os negros brasileiros entrassem mais em contato com o povo africano para fortalecer suas raízes anteriores à vinda para o Brasil.Saber de onde se vem, afinal de contas, é fundamental.

Hoje no seu túmulo aglutinou várias tribos: sindicalistas, Psolistas, APS, MTL, PSTU, PT, CONLUTAS, INTERSINDICAL, católicos, evangélicos, candomblecistas, indígenas, MNU, brancos, comunidade angolana, e muitos mais que não dei conta de contar.

Zezé Motta estava lá, Ministro Edson Santos mandou coroa, aliás de funcionários de sindicatos a diretoria, todos e todas lhe renderam homenagem e muitas coroas de flores.

Isabel era assim, aquela estrela brilhante, a Rosa Negra do movimento, belíssima, rara, e de luz própria.

Hoje ficamos meio órfãos (ela foi uma maezona para muitos), menos brilhantes, menos alegres.

Amanhã, ela se tornará uma presença querida no coração de muita gente que a lembrará por muito tempo em situações das mais variadas, porque gente como ela, se torna onipresente quando sai de sua roupagem corporal.

Isabel Cristina, PRESENTE!

*Marise Pinto é diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro - SEPE/RJ - marize_mulherbr@yahoo.com

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Isabel Cristina: "É bom ser mulher e negra"

Entrevista a Claudia Santiago
novembro de 1996

C - Isabel você já foi discriminada por ser negra?

Isabel - Já. No meu local de trabalho. Um dia uma mãe falou que eu não podia pesar uma criança porque uma menina clarinha faria o serviço. E não deixou eu pesar. Algumas outras coisas aconteciam mas eu não me dava conta que era discriminação. Só comecei a entender quando vim para o movimento sindical.

C - Qual a forma de discriminação mais comum que sofre uma pessoa negra?

Isabel - O negro não tem o estereótipo propagado pela mídia. Nos hospitais, muitas vezes, um paciente necessita de contratar um profissional para continuar o tratamento em casa. A pessoa indicada é sempre mulher, branca, educada, e de cheiro agradável. O preconceituoso neste caso seriam os que indicam no hospital e a família que não escolhe o negro.

C - É comum as pessoas afirmarem que ser mulher, negra e pobre é um destino cruel.

Isabel - Não concordo. Esta visão foi incutida na nossa cabeça durante séculos. É bom se assumir enquanto mulher negra. Mas é preciso ter consciência das dificuldade que se tem para ser aceita como mulher negra. Comercial de absorvente, por exemplo, poucas vezes são feitos por mulheres negras. Porque estamos fora dos padrões de beleza.

C - Por que você decidiu participar do Movimento negro?

Isabel - Para ganhar meus pares para o movimento. Para conquistar um espaço que sempre foi nosso.

C - Muita pessoas têm bronca de movimentos específicos, como negros e mulheres por considerarem que estes se preocupam muito com suas questões particulares e se esquecem da luta geral por uma nova sociedade. Por que?

Isabel - O negro não chega à Universidade porque começa a trabalhar muito cedo, porque os nossos salários são baixos e a nossa moradia é precária.

C - O que vocês estão planejando para o dia 20?

Isabel - Reafirmar que o dia 20 deve ser feriado nacional, como já é no Rio de Janeiro. O grande ato do Rio vai ser no dia 19, às 16h, na Central do Brasil. Queremos não desperdiçar este espaço de debate com a sociedade.

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20 de novembro
Dia nacional da consciência negra

Reconhecimento de um dos maiores exemplos de resistência

A história oficial da Comunidade Negra no Brasil está repleta de omissões, distorções e inverdades, que tiveram o único objetivo de encobrir a grande batalha desse povo na construção do país.


Temos necessidade de resgatar a identidade do povo negro. Por isso 20 de novembro volta ao cenário nacional com mais força. É o reconhecimento de um dos maiores exemplos de resistência, liderado por um negro: Zumbi dos Palmares.

Como surgiu o Quilombo dos Palmares
por Isabel Cristina

O Quilombo dos Palmares surgiu com a organização de escravos fugitivos por volta de 1602. Resistiu até 1695 quando seu líder foi decapitado.

Os ideais de Zumbi são um símbolo de resistência negra contra o processo de opressão, discriminação, escravidão. São também um desafio aberto ao sistema vigente e suas bases de sustentação.

Localizado na serra da Barriga no estado de Pernambuco, estava Palmares. O quilombo demonstrou que de forma alguma, em nenhum momento, os negros submeteram-se a escravidão de forma dócil e passiva. Pelo contrário, nosso passado de lutas sem tréguas feito com as garras de Zumbi e de uma infinidade de anônimos. É a resistência dos milhares de escravos fugido das fazendas que desarticularam o trabalho escravo existente. Entre os negros, não houve e nem há conformismo ou ""indolência", e sim lutas sem quartel, sem esmorecer. Luta pela conquista da liberdade. Por isso existe o contra ponto entre 13 de Maio (libertação/abolição da escravatura) e o 20 de novembro. 3 de maio é o dia da lei da Abolição. No dia 20 de novembro comemoramos a luta de libertação.

De um lado essa Lei, que satisfazia e atendia aos interesses dos que admitiam a abolição, para não perder o poder e estreitar relação mundial. Do outro lado os que apenas viam o caminho da luta pela liberdade contra o sistema que os oprimia.

O resgate desta história é fundamental. É a reafirmação de que os negros não estão com disposição para continuar engolindo a história que a Princesa Isabel libertou os escravos e acabou com a discriminação racial.

Por isso hoje e enquanto existir opressão/oprimido, discriminador/discriminado vamos reafirmando o 20 de novembro como exemplo e caminho a ser seguido. É uma luta incansável até a liberdade.
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Isabel - Nós, os negros, somos de 60 a 70% da população brasileira. Somos a maior força de trabalho. Falar na globalizacão da economia, da terceirização, do projeto implementado pelo governo é falar que a maioria dos trabalhadores serão prejudicados. Isso é dizer que os negros serão prejudicados. Basta ver onde os negros estão no mercado de trabalho. Na saúde, por exemplo, quantos médicos negros temos? Em contrapartida, a maioria das auxiliares de enfermagem são negras.

Isabel Cristina Baltazar, 31, auxiliar de enfermagem. Esta mulher é a responsável na CUT/RJ pela questão racial. Isabel é também membro do Coletivo Nacional Anti-racista da CUT, diretora do Sindsprev e da CUT/RJ. Isabel mora em Caxias e seu salário é R$ 480,00.

Por Claudia Santiago
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links:
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Agradecemos a Januário Garcia pelo envio do texto de Marise Pinto e pela cessão da foto, para esta postagem.
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sábado, 4 de abril de 2009

Risério fala sobre pobreza no espaço urbano


Antonio Risério*
De Salvador (BA) - Sexta, 3 de abril de 2009, 07h49

Vai com atraso, mas é que não quero ficar repetindo o que já disse...

Entrevista a Mário Kertész
(Revista Metrópole, n. 17, novembro 2008)

A pergunta que eu quero fazer, um pouco simbolicamente, é a seguinte: nós estamos mais para Bombaim ou para Nova York? Eu falo da cidade do Salvador, que tem crescido muito, inclusive em termos populacionais, nos últimos anos.

A pobreza de Salvador pode ser vista até por um marciano, pode ser vista de satélite. Eu tenho até vontade de fazer esse levantamento. Você pega o número de pobres da cidade, pega o número de ricos e vê a extensão do espaço urbano que eles ocupam. Nas áreas mais pobres, quantos habitantes têm por quilômetro quadrado, com as favelas verticalizadas, com as casas coladas umas nas outras? E quantos habitantes por quilômetro quadrado nas áreas ricas, nos prédios ou nos condomínios de luxo, com áreas de lazer, piscinas, quadras esportivas? Deve ter área pobre aí com milhares de habitantes por quilômetro quadrado e áreas ricas com apenas algumas dezenas. Se a gente fizer um levantamento desses, vai ter um retrato preciso e brutal de como a pobreza se expressa em cada centímetro do solo da cidade. As pessoas podem dizer que alguns índices melhoraram. É provável que sim, os índices melhoraram no país todo. A qualidade do emprego também parece que tem melhorado. Isso pode ser importante no plano individual, porque a pessoa que passa a ter um emprego melhor, realmente muda de vida. Mas, em conjunto, é uma melhorazinha insignificante, porque a pobreza continua imensa. Há 11 anos seguidos, Salvador sempre apresenta a mais alta taxa de desemprego entre as capitais brasileiras. Esse título ninguém toma da gente. Nós somos imbatíveis na incompetência para gerar emprego. Outro dia, o secretário do Trabalho estava falando de boca cheia na mídia que, no ano passado 120 mil postos de trabalho foram criados na Bahia. Isso é ridículo. É uma cifra pro governo se envergonhar. Com a população que a Bahia tem, uma cifra dessas não significa nada. Poderia até significar alguma coisa se fosse só em Salvador, onde a gente tem sido tradicionalmente incompetente na geração de emprego e renda. A Bahia não tem se desenvolvido porra nenhuma. Basta comparar com Pernambuco, em todos os aspectos, em projetos, ações, os próprios recursos do PAC. Pernambuco com porto, refinaria, estrada e tal. A Bahia, porra nenhuma. Salvador também não tem crescido nada. De outra parte, tem também uma coisa: a gente festeja o que não tem que festejar. Fala dos índices da educação, do aumento dos números da escolaridade. Não aumentou o número da escolaridade, aumentou a produção de analfabetos boçalizados por uma formaturazinha qualquer. Analfabetos de canudinho, que não sabem porra nenhuma. Ainda tem uma outra coisa, que é o lance da pobreza aqui. Embora seja muito visível, a pobreza baiana engana. Você vê o retrato da pobreza na África e na Ásia. São corpos esquálidos, esqueléticos. Aqui, não. Outro dia, um amigo meu, Luiz Chateaubriand, que pesquisa essas coisas, me disse assim: a pobreza baiana é uma pobreza gorda. É verdade! Agora, essa gordura vem de onde? Vem de uma alimentação de merda, de péssima qualidade. Então, quando o Chateaubriand vê um gordo passando na favela, ele fala: "lá vai ali um sujeito explodindo de pobreza". 150 quilos de miséria. Enfim, eu acho que Salvador é um escândalo social. É evidente que a gente está cada vez mais próximo de cidades como Lagos. Não é afro só no Olodum e no Ilê Aiyê, não. É africana na miséria.

Por outro lado, nossa elite, inclusive a chamada elite intelectual, a elite que tem acesso aos meios de comunicação, que dirige jornais e televisões, alguns políticos, ficam sonhando ou pensando que é possível transformar Salvador em Nova York, Zurique... Uma cidade bonita, ordenada, sem barraca de praia, sem restaurantes no meio da rua, sem os cacetes armados, sem os camelôs. Sim - e o que a polícia administrativa, que no caso é a prefeitura, pode fazer para realizar o sonho dessa elite, que se manifesta até nos nomes dos novos empreendimentos imobiliários, tipo Manhattan Square, Vale do Loire, etc.?

Em primeiro lugar, eu acho que a gente deveria perguntar o que a polícia pode fazer com essa elite. Porque essa elite infringe todas as regras, não tem educação urbana, não tem uma visão do significado dessa cidade. Na verdade, eu acho uma coisa muito grave. Acho que a atual população de Salvador não está à altura da cidade que herdou. Não está à altura da cidade que recebeu. É por isso que está avacalhando a cidade a cada dia que passa. Salvador é uma cidade cada vez mais maltrada, mais feia. E tem uma elite desinformada, provinciana, mimética. Eu vivi minha adolescência na cidade de Jorge Amado, Vivaldo da Costa Lima, Pierre Verger, Carybé. E hoje é a cidade de quem? De Nizan Guanaes? Da axé music? Do Chiclete com Banana? Do prefeito que temos? Dos quadros políticos atuais? Esse é um drama da gente, hoje. Salvador é atualmente uma cidade grande, onde todo mundo pensa pequeno. Empresários, políticos, intelectuais, artistas... todo mundo. Quanto mais a cidade cresce, mais o pensamento é menor, se é que a gente pode falar de pensamento. Salvador não é só a capital do desemprego, é a capital da desinformação, da subcidadania. Agora, o que a prefeitura vai fazer? A prefeitura não destoa em nada disso, pelo contrário, ela própria é promotora da depredação de Salvador. Ela vem avacalhando a cidade sistematicamente. Eu acho que o prefeito de Salvador, antes de assumir o cargo, devia tomar um curso básico sobre o que é Salvador, sobre o significado dessa cidade. E essa elite de que você fala, com seus prédios esteticamente ridículos, não sabe onde vive. E eu fico triste, porque não vejo ninguém preocupado em encontrar soluções para isso, ninguém pensar a cidade em seu conjunto. Salvador virou um vilarejo com elefantíase e só tem programazinhos pontuais. Ela é administrada como uma cidade do interior. Essa elite, que quer escorraçar os pobres, é a mesma que não sabe se comportar com relação ao espaço urbano. E também invade calçadas e terrenos públicos. A gente precisa de uma grande polêmica, uma grande discussão, hoje, em Salvador.

É isso que é complicado. Quando tento provocar isso, fica parecendo muito uma birra pessoal, porque poucas são as vozes que se juntam. Tivemos uma série de administrações municipais desastrosas. E hoje também não há nenhum pensamento crítico em relação a Salvador. A mesma coisa acontece, infelizmente, em relação ao Governo do Estado da Bahia, não é? Fica lá nosso querido amigos Jaques Wagner, com toda amizade e tal, mas e aí? Qual o projeto que a Bahia tem? Não se discute, não há debate. Como é que a gente provoca esse debate?

É difícil provocar, mas eu queria falar uma coisa antes. Quando você fala que não há um projeto de cidade, não há. O que você esperaria, por exemplo, em uma eleição como a que acabou de acontecer, com um segundo turno disputado por candidatos que supostamente teriam visões diferentes da cidade? O que era de esperar é que estivessem em jogo, ali, duas concepções distintas de Salvador, dois modelos distintos de cidade, dois modos diversos de pensar o problema urbano e de ter programas pra ele. Não, os dois candidatos eram absolutamente idênticos. Um dizia que podia gerenciar melhor que o outro. Não havia formulação nenhuma, nenhum pensamento. Eram dois subgerentes iguaizinhos, que, em matéria de conhecimento de Salvador, são muito provavelmente incapazes de distinguir entre uma orquídea e um extintor de incêndio. Chegamos a esse grau tão baixo. O debate está cada vez mais difícil, também, porque está todo mundo muito satisfeito. Isso já vem há tempos. Primeiro, não há pensamento. Segundo, não há espaço na mídia pra essas discussões. Terceiro, eu não sei se as pessoas estão realmente interessadas nessas discussões. E se têm preparo para isso. Eu não acredito que a Câmara de vereadores, que as pessoas que andam badalando por aí, estejam preparadas para uma sabatina sobre Salvador, em qualquer aspecto da vida da cidade. O debate aqui está atravancado em todas as áreas e por ausência de pensamento. As pessoas dizem que, quando aumenta o grau de escolaridade, vem a ascensão social, a nova classe média e tal. O que você espera teoricamente é que a ascensão social aumente o grau de exigência com relação aos serviços públicos, ao funcionamento da cidade. Você espera que se modifique o trato com a cidade. Mas isso é só teoricamente. Porque a elite, que já está lá em cima, não sabe tratar da cidade. Essa ascensão social é importante, sim, no plano do indivíduo e mesmo no do conjunto. Agora, o que a gente chama hoje de nova classe média, de ascensão social, é o seguinte: o sujeito que era fodido e meio, agora é só fodido. Não altera muita coisa. As pessoas acham que, botando o bolsa-família, uma grana e tal, o sujeito vai experimentar uma mudança. O Jessé Souza está certo. Isso é uma visão muito primária, muito economicista. Porque você dá um dinheirinho para complementar a renda familiar, mas não dá condições culturais, morais, espirituais pras pessoas romperem o círculo de ferro da subcidadania. As empregadas domésticas continuam sendo treinadas para vender o corpo, combinam isso com o bolsa-família, não têm como transcender esse horizonte. Então, essa ascensão social não vai modificar culturalmente a situação. Vai continuar sendo a estética-feira-de-santana, na qual foi criada nosso atual prefeito, que é a cultura do cacete armado, a cultura do armengue, a incapacidade de distinguir formas, de lidar com os elementos da cidade. No caso da elite, é engraçado. Porque ela quer que as coisas se modifiquem, mas em função dela, não em função da cidade. Não se trata de pensar em termos de soluções urbanas para a cidade, de discutir mobiliário urbano, de melhorar os serviços da cidade. Trata-se de melhorar o circuito de cada um, a cidade que se foda. E ficam fazendo de conta que estão morando não sei onde, botam nome francês no prédio, mas estão morando num favelão. E têm o mesmo nível mental que esses analfabetos que nossas escolas estão formando, porque nem sabem falar português direito. Então, fica difícil debater sem interlocutores. A cidade poderia ter muitos mecanismos de voz para as pessoas se expressarem, tem mais do que antigamente até, mas onde está o pensamento que essa voz vai ter?

Mas Salvador se prostituiu muito e se transformou numa cidade tida como o turismo sendo o grande gerador de emprego e renda e, portanto, tudo ao turismo. O carnaval de Salvador sendo louvado como a maior e mais democrática festa do planeta. Para mim, ela não tem nada disso. Você vê a gente sendo vendido e louvado, também, por uma classe média paulista que adora vir para cá, adora ter um apartamento aqui no Corredor da Vitória, fazer festas e essas coisas. Como é que isso bate na vida de Salvador, nos últimos anos?

Antigamente, eu fazia uma comparação. Dizia que Salvador era suja e desleixada, mas com uma coisa sofisticada. São Paulo, ao contrário, era o reino da grossura, mas onde tudo era bem tratado. Isso passou. Salvador continua desleixada, mas perdeu a sofisticação. Hoje, ela junta o que havia de pior em São Paulo com o que havia de pior aqui. É o casamento da grossura com o maltrato, o desleixo. O carnaval, eu acho que não existe mais. Existe uma festa aí que, por comodidade, a gente continua dando o nome de carnaval. Numa situação em que nem consegue ser o superespetáculo do carnaval carioca, nem uma festa de participação popular, como é o carnaval de Pernambuco. Essa é a miséria do carnaval local, nesse sentido de que virou uma porção de discotecas, chamadas camarotes, vendo shows de bandas. E, também nesse caso, não foi preciso chamar a polícia administrativa. Foi o próprio poder econômico da elite que escorraçou o povo das ruas.

Como é que você vê o fato de Recife continuar tendo um carnaval de intensa participação popular? Os blocos imensos, sem cordas, como é que funciona, qual a diferença?

Eu acho que a gente pode pensar isso num quadro maior. Compare as associações comerciais e as federações da indústria da Bahia e de Pernambuco. Lá, você tem projetos, programas, tem ação, tem pensamento - aqui, você não tem nada. O empresariado baiano, o governo e tal, eles passaram um ano, sei lá, à espera da Toyota. Parecia um messias: era a fábrica redentora que vinha. A Toyota não veio. E aí? Nada. Vamos passar a outro plano, o da atuação do poder executivo. Eu me referi às obras do PAC, ao governo de Pernambuco com projetos, fazendo coisas. Pernambuco está tendo uma efervescência, nesse sentido de discussões do futuro do estado, da construção de uma refinaria, da montagem de uma infra-estrutura. Pernambuco, até poucas décadas, não era mais do que um engenho. E a Bahia, industrializada. Agora, Pernambuco está passando a Bahia. Em todas as áreas. Pegue a música pernambucana, manguebeat, etc. É mais criativa, mais preocupada com a realidade local, mais empenhada na vida pernambucana. Compara no cinema. A criatividade do cinema pernambucano e esse narcisismo de província que é o cinema que se faz hoje na Bahia. Compare, então, no carnaval. Pernambuco mantém um carnaval vital, criativo, popular. Quer dizer, em todos esses planos, a Bahia ficou para trás. O ritmo de que ela tanto se orgulha... a Bahia perdeu o ritmo. Acho que hoje o engajamento do habitante de Olinda e Recife, com Olinda e Recife, é qualitativamente diferente de uma certa indiferença que você vê em Salvador. O sujeito, aqui, está preocupado com o seu condomínio, a sua barraca de praia. Nós destruímos a orla, nós estamos esculhambando a cidade. É por isso que eu digo que a atual população de Salvador não está à altura da cidade. Isso já vem há tempos. Eu me lembro de uma campanha publicitária de Salvador, na época dos 500 anos do Brasil, que era pra ter uns outdoors no Rio e em São Paulo. Uma agência aqui me chamou e nós fizemos uma peça, onde a gente dizia o óbvio: "Salvador: uma cidade que começou a existir, para que o Brasil existisse". E é isso o que Salvador é. Mas o cliente na época, o poder público local, achou que era muito pretensioso. Como é que pode ocupar o cargo uma pessoa que não sabe o significado do lugar que dirige? Não, a propaganda teve que ser assim: Salvador, há 500 anos, sei lá, 300 dias de sol, festa, etc.

De carnaval de gente bonita...

Carnaval de gente bonita!

É, porque aqui, no carnaval, só se fala disso. O camarote estava cheio de gente linda, de gente bonita...

Parece piada, né? E então como é que você vai ter debate, entre arquitetos, alguns empresários, intelectuais, artistas? Você vai num camarote e eles estão todos lá! Eles são iguais àquilo, fazem parte daquilo, eles são aquilo. Mais do que objetos de debate, eles devem ser objetos de combate. Precisam de uma crítica severa e dura. Como é que eles podem discutir o carnaval, se eles são os camarotes? Como é que podem discutir os problemas urbanos de Salvador, se eles são a Vitória? Eu digo "são a Vitória" no seguinte sentido: Salvador sempre foi uma cidade lindamente dividida em dois andares. Aqueles edifícios enormes na Vitória detonaram a linha que dividia Salvador em duas. E agora Salvador não tem mais esse negócio de dois andares. Destruíram o desenho da cidade. Então, é difícil debater porque essas pessoas são a merda que a gente está criticando. E eu digo todas, no poder público, entre os intelectuais, entre os técnicos. Elas são isso, elas são a cara da Salvador de hoje e é por isso que eu digo que a população atual de Salvador não está à altura da cidade que herdou. Ela é essa Salvador avacalhada.

Você acha que há um processo de acomodação generalizada, no sentido de: "olha, bota a sujeira toda debaixo do tapete e não vamos discutir"?

O problema é que não dá pra colocar a sujeira debaixo do tapete porque a sujeira é muito maior do que o tapete.

Eu também acho isso, e cada vez maior, né?

E vai ser sempre maior se continuar do jeito que está. As pessoas falam da violência urbana, por exemplo, e se protegem nos condomínios. Violência urbana não tem nada a ver com pobreza, apenas. Em nossa adolescência, nós vivemos numa cidade pobre, mas que tinha trato urbano, civilidade, uma cidade que não tinha violência. A violência não é fruto da pobreza. Ela é fruto da desigualdade extrema, quando o povo é escorraçado. Quanto mais as desigualdades se acentuam, mais violência elas produzem. O medo que as pessoas sentem do espaço urbano é o medo que elas sentem de um espaço urbano que foi criado por elas. Foi criado pela estupidez e a ganância da elite. Ela criou uma situação em que ela foi expulsa das calçadas. E agora, para poder andar nas calçadas, ela tem que expulsar os pobres dali. Porque os pobres ocuparam o espaço urbano. E não há alternativa. O cara vai batalhar dinheiro é na sinaleira mesmo. E não adianta vir com bolsinha compensatória de 100 reais. Porque, se você batalha dinheiro numa sinaleira, ganha mais do que isso por mês. Os pobres, impedidos de desfrutar as belezas e os benefícios que a cidade tem e produz, eles vão tomar isso. Você tem hoje uma situação de "barrados no baile". Grande parte da população está barrada no baile. A classe média, regra geral, aceita ser barrada no baile, limita-se a um muxoxo dentro de casa, a uma tristeza. É uma resignação amargurada e silenciosa. Os mais pobres, não. Muitos deles não estão a fim de ficarem barrados no baile e não vão ficar resignados ou calados como a classe média. Eles vão sujar o baile. O Bauman viu isso. Porque lá dentro está rolando uma puta festa, com salgadinho, champanhe. E, ainda mais, com uma ideologia dominante muito cruel de que o êxito é o consumo. Hoje, quando você não tem dinheiro para participar do baile, isso não quer dizer só que você não tem dinheiro. Quer dizer que você fracassou como indivíduo, desde que o ser humano se realiza no consumo. A gente vive hoje numa sociedade em que o que se incrementa é a competitividade. As pessoas têm que estar preparadas para competir no mercado. Mas competir para quê? É a competição pela competição, é o êxito pessoal, é ter acesso ao baile. Agora, muito pouca gente tem acesso ao baile. E, enquanto a classe média vai ficar se lamentando, fazendo grevezinhas ocasionais, os outros vão como na música de Cazuza: "meu cartão de crédito é a navalha".

Tem um outro dado aí que é o tráfico de drogas, consumo e tráfico de drogas, que gera muito dinheiro...

E emprego.

Pois é, a economia informal da cidade gera mais que a formal... E gera muita violência em cima disso, muita repressão policial, muita corrupção. Corrupção policial, corrupção política, corrupção da Justiça. Como esse elemento, que não existia e que agora é cada vez mais forte em Salvador, pode mexer e já está mexendo no quadro em que a gente vive?

Não acho que o negócio das drogas tenha criado um "Estado paralelo", como falam. Pode até ter formas fragmentárias de atuação de tipo estatal, coisas filantrópicas, até tribunais e tal. Mas nem chega a ser uma organização para-estatal. É apenas um empresariado ilegal e o que você tem são grupos armados disputando espaços de mercado. Nem tem também essa história de guerra civil. Guerra civil é quando uma classe ou uma etnia, por exemplo, enfrenta outra, por questões econômicas, ideológicas, etc. Você tem mesmo é disputa de mercado, numa situação de ilegalidade. O tráfico oferece ao jovem pobre, além de aventura e risco, coisas que a juventude adora, dinheiro e acesso ao consumo. Você fica vendo o tempo todo, nas novelas da Globo, aquele padrão de vida ali... e vai ter acesso àquilo como? Ou tomando ou traficando, não há muitos caminhos. Não temos política educacional, a política de inclusão social ainda é muito fraca, não tem inclusão cultural, não tem nada. A periferia é abandonada e é um prato cheio, claro, para o tráfico. Com um agravante, hoje, que é o seguinte. Antes, a gente falava que o que distinguia o tráfico no Brasil era a base territorial. É um traço específico da bandidagem brasileira. Uma quadrilha controlava um morro no Rio, por exemplo, que então era fechado a outras quadrilhas. Aqui, também. Era a partir da base territorial que se negociava. Era isso que fazia, por exemplo, com que o crack não entrasse no Rio. Mas esse ano a gente viu que esse negócio foi detonado. O PCC passou a controlar financeiramente o tráfico carioca. Então, essas bases territoriais não existem mais. Continuam sob controle, mas não são fechadas ao jogo financeiro. O que existe hoje são redes de empresas do tráfico, sediadas em São Paulo, como as grandes empresas legais. Esse empresariado paralelo está no país todo e de forma organizada. Agora, para lidar com isso a gente também não pode ser hipócrita. É o óbvio: se existe tráfico, existem consumidores. Um sujeito que cheira pó, num apartamento de luxo na Vitória, não tem autoridade nenhuma para falar de tráfico e violência urbana. Ele tem que se ver como cúmplice, como partícipe do processo. Sem ele, o tráfico de drogas não existiria. Muita gente não tem consciência disso, fala como se o tráfico fosse uma coisa distante. Não é. Nós fazemos parte desse circuito comercial. Nós fazemos parte estruturalmente do tráfico de drogas. Nós somos o mercado.

O fato de ser uma briga territorial faz com que determinadas áreas das cidades, inclusive aqui em Salvador, sejam totalmente dominadas. Não entra polícia, nem serviços públicos, nem nada. Como se fosse um território estrangeiro.

E que foi criado graças à complacência dos poderes públicos, que nunca quiseram lidar com isso, sempre pactuaram, permitiram, e isso alimentado pelo conjunto da sociedade. Agora, é o seguinte. Essas bases territoriais distinguem o tráfico brasileiro do tráfico de Londres ou Nova York, por exemplo, onde você tem tráfico, mas não tem base territorial. E isso é uma coisa terrível aqui. Porque, com a base territorial, você tem comunidades controladas e pessoas que já nascem naquilo, né? Todo mundo sabe disso no Rio, mas não vejo ninguém discutindo isso em Salvador. Você vê como as coisas estão reduzidas aqui. Em relação a tudo. Passei esse ano em São Paulo e não tinha uma semana que eu não recebesse um manifesto para assinar. Aí você pensa, é a sociedade civil se movimentando e tal. Mas tudo era manifesto para preservar alguma coisa. Claro que há coisas há serem preservadas. Mas nem sempre era o caso. Não tem mais critério. Eu digo: até fogareiro de baiana do acarajé virou monumento histórico. Só tinha preocupação preservacionista e nenhum projeto para o presente ou para o futuro? Por outro lado, até entendo. As intervenções no espaço urbano de Salvador têm sido tão desastrosas que você se sente inclinado a preservar até tampinha de guaraná. Mas a cidade não pode ficar paralisada. Isso aqui precisa de uma puta sacudida. De onde, não sei.

Talvez do tráfico...

Vamos ver se essa meninada aí vem com alguma coisa. O que resta à gente é tentar transformar o que é possível transformar. Mas é difícil. Você apresenta um projeto, acham maravilhoso, mas não vai pra lugar nenhum. Nós estamos vivendo no reino da lábia.

O que é o reino da lábia?

Todo mundo fala, acha ótimo, faz um barulho, mas fica só nisso. Parece psicanalista, que acha que resolve tudo na conversa. Aqui, as pessoas conversam sobre um assunto e acham que o assunto foi resolvido. A conversa não é uma preliminar pra encarar o problema. O problema já se resolve na conversa. Quer dizer, a conversa é um âmbito auto-suficiente onde as coisas se resolvem. Deveria se fazer aqui o que o governador de Brasília fez. Proibiu o gerúndio: estamos fazendo, estamos construindo, estamos dando... Sempre estamos dando alguma coisa, mas cadê a coisa?

E aqui ainda tem esse negócio de colocar a "pedra fundamental" de uma coisa que ainda se vai construir...

Então, o que está faltando é a pedrada fundamental.

* Antonio Risério é poeta e antropólogo.
Fale com Antonio Risério: ariserio@terra.com.br

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