quinta-feira, 30 de abril de 2009

Adriano, entre o Morro e o Asfalto

Adriano, entre o Morro e o Asfalto

Marco Aurélio Luz [1]

Enquanto os “poderes públicos” discutem em seus gabinetes o “destino das favelas” no Rio, um escândalo acontece! Um jogador de futebol profissional, bem sucedido, da Seleção Brasileira, jovem e famoso, jogando em Milão, na Itália, ganhando milhões, se sente infeliz e interrompe essa trilha de valores da modernidade e volta para suas origens: no morro ou favela carioca onde se sente acolhido e pleno!?

Nas imagens da TV o contraste. Numa tomada, ele aparece completamente só, numa casa de luxo com piscina na Itália. Em outra umas sete tias, daquelas da ala das Baianas das Escolas de Samba, sentadas num sofá, acalentam o garotão estirado no colo delas na casa da favela Cruzeiro (RJ).

Enganam-se os que pensam que a favela é um aglomerado de gente sem ter prá onde ir. Na verdade ela é uma sociedade, com história e identidade sócio-cultural, uma comunidade, constituída de sociabilidade onde pulsa uma forma de vinculação humana característica.

As origens urbanas remontam por ocasião da instauração da República, quando se aceleraram na constituição da Razão de Estado a presença de teorias da discriminação e do racismo, baseadas na invenção do “conceito de raça” para justificar a política de branqueamento, isto é, estabelecer estratégias de estímulos diversos para aumentar a presença de europeus e seus valores e de diminuir as “outras”. Nesse contexto, aconteceu o episódio emblemático de Canudos.

Gente do nordeste, oriunda da civilização aborígine e da civilização africana em suas lutas pela liberdade no Brasil, constituíram uma sociedade aldeã no sertão da Bahia, para além do território totalizante e eurocêntrico do Estado republicano. Foi então que aconteceu o ataque feroz da tecnologia de guerra do Estado e a defesa tenaz e surpreendente da gente de Canudos nas margens do morro da Favela, assim chamado pela abundância da planta. Favela se caracteriza pela folha que queima a quem nela encostar.

Retirantes se abrigam no Rio, atrás do convento de Santo Antonio, e se chamou Morro da Favela, o nome se generalizou.

As cidades brasileiras são compostas de morros ou favelas, cantadas em prosa e verso:

“Em Mangueira a poesia
num sobe desce constante
anda descalço ensinando
um modo novo da gente viver
de cantar de sonhar de vencer”...
(Hermínio Belo e Paulinho da Viola)

“Eu só quero é ser feliz
andar tranquilamente na favela onde nasci”...
(Cidinho e Doca)

Recorro à poesia para expressar um caminho em que uma nova ética de convivência e coexistência de valores sociais poderá apaziguar tensões e conflitos.

“A vida não é só isso que se vê
é um pouco mais
... Que os olhos não conseguem perceber,
e as mãos não ousam tocar,
que os pés recusam pisar
sei lá não sei”...
(Hermínio Belo e Paulinho da Viola)

No balanço pendular do espírito do tempo a proximidade de tempos pós-modernos incorpora dimensões sagradas do mistério do existir.

[1] Autor de Cultura Negra Em Tempos Pós Modernos, Salvador, 3º Ed., Edufba 2008.
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