domingo, 5 de abril de 2009

Nossa Gente, Axé! Adeus a Isabel Cristina Baltazar

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Isabel Cristina presente
por Marise Pinto *

30/3/2009 - LUTO

Isabel Cristina era uma mulher guerreira em todos os sentidos, de uma tenacidade e garra impressionantes.

Abriu caminhos que poucas abririam.

Em 20 anos de militância sindical formou o coletivo de gênero, raça e etnia do SINDISPREV/RJ, esteve como uma das protagonistas principais na formação do coletivo racial da CUT, esteve à frente na formação do coletivo racial da INTERSINDICAL e do coletivo de negros e negras do PSOL.

Era daquele naipe de pessoas que tem luz própria, que brilha em qualquer lugar por qualquer motivo.

Endurecia quando necessário sem contudo, jamais perder a ternura. E muitas vezes a vi chorar.

foto Januário Garcia
Vai fazer falta aquela mulher forte e cheia de vida.

Isabel tinha um problema de saúde gravíssimo. Era cardiopata e tomava medicamentos para que o coração não crescesse mais do que já tinha crescido e era hipertensa.

Atualmente estava na fila do transplante para receber um coração novo.

Cada dia que ela acordava, poderia ser o último de sua vida, já que sua doença era muito grave, mas ela nunca deixou transparecer isso e sua vontade de viver era tanta, que ela viveu intensamente cada momento, cada segundo, bela, forte, e com muita alegria, que encantava e contagiava qualquer um.

Mas o que mais ela me ensinou foi tratar a todos de forma cortês, gentil, mesmo os que eram FDP (e que as putas me perdoem por atribuir a elas, alguns filhos).

Ela me ensinou o sentido da palavra democracia e a não levar para o pessoal as discordâncias do dia-a-dia sindical.

De uma irreverência impressionante, gritava, quebrava vidraça, mas depois sabia conversar com o adversário, depois que a raiva passava e muitas vezes ela chorava...sabia abrir aquele sorriso que sempre me encantou. Ela me ensinou o que é DEMOCRACIA, e me esforço para vivê-la algum dia como ela.

Levou a consciência negra até as últimas consequências e unificou uma comunidade Angolana com os negros brasileiros porque acreditava ser importante que os negros brasileiros entrassem mais em contato com o povo africano para fortalecer suas raízes anteriores à vinda para o Brasil.Saber de onde se vem, afinal de contas, é fundamental.

Hoje no seu túmulo aglutinou várias tribos: sindicalistas, Psolistas, APS, MTL, PSTU, PT, CONLUTAS, INTERSINDICAL, católicos, evangélicos, candomblecistas, indígenas, MNU, brancos, comunidade angolana, e muitos mais que não dei conta de contar.

Zezé Motta estava lá, Ministro Edson Santos mandou coroa, aliás de funcionários de sindicatos a diretoria, todos e todas lhe renderam homenagem e muitas coroas de flores.

Isabel era assim, aquela estrela brilhante, a Rosa Negra do movimento, belíssima, rara, e de luz própria.

Hoje ficamos meio órfãos (ela foi uma maezona para muitos), menos brilhantes, menos alegres.

Amanhã, ela se tornará uma presença querida no coração de muita gente que a lembrará por muito tempo em situações das mais variadas, porque gente como ela, se torna onipresente quando sai de sua roupagem corporal.

Isabel Cristina, PRESENTE!

*Marise Pinto é diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro - SEPE/RJ - marize_mulherbr@yahoo.com

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Isabel Cristina: "É bom ser mulher e negra"

Entrevista a Claudia Santiago
novembro de 1996

C - Isabel você já foi discriminada por ser negra?

Isabel - Já. No meu local de trabalho. Um dia uma mãe falou que eu não podia pesar uma criança porque uma menina clarinha faria o serviço. E não deixou eu pesar. Algumas outras coisas aconteciam mas eu não me dava conta que era discriminação. Só comecei a entender quando vim para o movimento sindical.

C - Qual a forma de discriminação mais comum que sofre uma pessoa negra?

Isabel - O negro não tem o estereótipo propagado pela mídia. Nos hospitais, muitas vezes, um paciente necessita de contratar um profissional para continuar o tratamento em casa. A pessoa indicada é sempre mulher, branca, educada, e de cheiro agradável. O preconceituoso neste caso seriam os que indicam no hospital e a família que não escolhe o negro.

C - É comum as pessoas afirmarem que ser mulher, negra e pobre é um destino cruel.

Isabel - Não concordo. Esta visão foi incutida na nossa cabeça durante séculos. É bom se assumir enquanto mulher negra. Mas é preciso ter consciência das dificuldade que se tem para ser aceita como mulher negra. Comercial de absorvente, por exemplo, poucas vezes são feitos por mulheres negras. Porque estamos fora dos padrões de beleza.

C - Por que você decidiu participar do Movimento negro?

Isabel - Para ganhar meus pares para o movimento. Para conquistar um espaço que sempre foi nosso.

C - Muita pessoas têm bronca de movimentos específicos, como negros e mulheres por considerarem que estes se preocupam muito com suas questões particulares e se esquecem da luta geral por uma nova sociedade. Por que?

Isabel - O negro não chega à Universidade porque começa a trabalhar muito cedo, porque os nossos salários são baixos e a nossa moradia é precária.

C - O que vocês estão planejando para o dia 20?

Isabel - Reafirmar que o dia 20 deve ser feriado nacional, como já é no Rio de Janeiro. O grande ato do Rio vai ser no dia 19, às 16h, na Central do Brasil. Queremos não desperdiçar este espaço de debate com a sociedade.

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20 de novembro
Dia nacional da consciência negra

Reconhecimento de um dos maiores exemplos de resistência

A história oficial da Comunidade Negra no Brasil está repleta de omissões, distorções e inverdades, que tiveram o único objetivo de encobrir a grande batalha desse povo na construção do país.


Temos necessidade de resgatar a identidade do povo negro. Por isso 20 de novembro volta ao cenário nacional com mais força. É o reconhecimento de um dos maiores exemplos de resistência, liderado por um negro: Zumbi dos Palmares.

Como surgiu o Quilombo dos Palmares
por Isabel Cristina

O Quilombo dos Palmares surgiu com a organização de escravos fugitivos por volta de 1602. Resistiu até 1695 quando seu líder foi decapitado.

Os ideais de Zumbi são um símbolo de resistência negra contra o processo de opressão, discriminação, escravidão. São também um desafio aberto ao sistema vigente e suas bases de sustentação.

Localizado na serra da Barriga no estado de Pernambuco, estava Palmares. O quilombo demonstrou que de forma alguma, em nenhum momento, os negros submeteram-se a escravidão de forma dócil e passiva. Pelo contrário, nosso passado de lutas sem tréguas feito com as garras de Zumbi e de uma infinidade de anônimos. É a resistência dos milhares de escravos fugido das fazendas que desarticularam o trabalho escravo existente. Entre os negros, não houve e nem há conformismo ou ""indolência", e sim lutas sem quartel, sem esmorecer. Luta pela conquista da liberdade. Por isso existe o contra ponto entre 13 de Maio (libertação/abolição da escravatura) e o 20 de novembro. 3 de maio é o dia da lei da Abolição. No dia 20 de novembro comemoramos a luta de libertação.

De um lado essa Lei, que satisfazia e atendia aos interesses dos que admitiam a abolição, para não perder o poder e estreitar relação mundial. Do outro lado os que apenas viam o caminho da luta pela liberdade contra o sistema que os oprimia.

O resgate desta história é fundamental. É a reafirmação de que os negros não estão com disposição para continuar engolindo a história que a Princesa Isabel libertou os escravos e acabou com a discriminação racial.

Por isso hoje e enquanto existir opressão/oprimido, discriminador/discriminado vamos reafirmando o 20 de novembro como exemplo e caminho a ser seguido. É uma luta incansável até a liberdade.
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Isabel - Nós, os negros, somos de 60 a 70% da população brasileira. Somos a maior força de trabalho. Falar na globalizacão da economia, da terceirização, do projeto implementado pelo governo é falar que a maioria dos trabalhadores serão prejudicados. Isso é dizer que os negros serão prejudicados. Basta ver onde os negros estão no mercado de trabalho. Na saúde, por exemplo, quantos médicos negros temos? Em contrapartida, a maioria das auxiliares de enfermagem são negras.

Isabel Cristina Baltazar, 31, auxiliar de enfermagem. Esta mulher é a responsável na CUT/RJ pela questão racial. Isabel é também membro do Coletivo Nacional Anti-racista da CUT, diretora do Sindsprev e da CUT/RJ. Isabel mora em Caxias e seu salário é R$ 480,00.

Por Claudia Santiago
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links:
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Agradecemos a Januário Garcia pelo envio do texto de Marise Pinto e pela cessão da foto, para esta postagem.
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