quarta-feira, 23 de março de 2011

Frente Parlamentar pela Igualdade Racial

Câmara sedia seminário e relança a Frente Parlamentar pela Igualdade Racial

A Câmara dos Deputados promove (em 22 de março 2011) o seminário sobre o direito dos quilombolas dentro do ordenamento jurídico brasileiro e debaterá as implicações do decreto 4.887/03, que trata da demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades dos quilombos. A iniciativa do evento é do Núcleo de Parlamentares Negros do PT. Após o seminário será relançada a Frente Parlamentar pela Igualdade Racial. Os eventos acontecerão a partir das 9 h, no plenário 2, do anexo II da Câmara.

Para o deputado Domingos Dutra (PT-MA), uma das metas do seminário é despertar a sociedade brasileira para a ameaça, representada por setores conservadores do país, que rejeitam a demarcação e a titulação das terras quilombolas. “A comunidade negra do Brasil precisa resistir a ação de forças conservadoras do país, representada pelo Democratas e setores ruralistas, que desejam negar o direito a essas comunidades, e para isso até ajuizaram uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a anulação do decreto presidencial editado pelo ex-presidente Lula que garante esse direito”, alertou.


Segundo Dutra, o Brasil precisa ainda aplicar a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que entre outros pontos, reconhece o direito de propriedade das terras tradicionalmente ocupada pelas comunidades remanescentes de quilombos. Foram convidados para o encontro o Secretário Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho; a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, além do jurista e professor de direto da Universidade Estadual do Amazonas, Alfredo Wagner.

Além de Domingos Dutra, compõem o Núcleo de Parlamentares Negros do PT os seguintes deputados: Benedita da Silva (RJ), Beto Faro (PA), Edson Santos (RJ), Eliane Rolim (RJ), Gilmar Machado (MG), Luiz Alberto (BA), Janete Rocha Pietá (SP), Vicentinho (SP), Dalva Figueiredo (AP), Sibá Machado (AC) e Valmir Assunção (BA).

Frente Parlamentar - O deputado Luiz Alberto, coordenador da Frente Parlamentar pela Igualdade Racial, explicou que, além de lutar pela demarcação das terras dos quilombolas, o colegiado vai trabalhar para ampliar o direito da comunidade negra do país.

Entre as prioridades da Frente estão a (1) defesa dos direitos dos quilombolas, (2) a inclusão no currículo escolar da disciplina que trata da contribuição do negro para o desenvolvimento do país; (3) o combate a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo Democratas no STF que questiona a cotas raciais, além da (4) aprovação do projeto que institui o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável para as comunidades negras tradicionais”, defendeu Luiz Alberto.

O parlamentar vai propor que a Frente faça um debate sobre a inclusão de mecanismo que amplie a participação do negro na política do país. Entre as propostas de Luiz Alberto, está a implantação de cotas para candidatos negros nos partidos e também na composição dos parlamentos.


Fonte: Informes PT nº 4682 - seg 21/03/2011 08:25

quarta-feira, 9 de março de 2011

Rio ganha dois presentes da história

O Rio ganhou dois presentes da história

Elio Gaspari
quarta-feira, 9 de março de 2011

Um grande livro e o cais de desembarque dos escravos ajudarão a cidade a conhecer seu passado

(1)

HÁ MUITO TEMPO o Rio de Janeiro não recebia notícias tão boas de seu passado. É provável que uma equipe de arqueólogos do Museu Nacional tenha encontrado nas escavações da zona portuária as lajes de pedra do cais do Valongo. Entre 1758 e 1851, por aquelas pedras passaram pelo menos 600 mil escravos trazidos d'África. Metade deles tinham entre 10 e 19 anos.

Devolvido à superfície, o cais do Valongo trará ao século 21 o maior porto de chegada de escravos do mundo. Se ele foi soterrado e esquecido, isso se deveu à astuta amnésia que expulsa o negro da história do Brasil. A própria construção do cais teve o propósito de tirar do coração da cidade o mercado de escravos.

A região da Gâmboa tornou-se um mercado de gente, mas as melhores descrições do que lá acontecia saíram todas da pena de viajantes estrangeiros. Os negros ficavam expostos no térreo de sobrados da rua do Valongo (atual Camerino). Em 1817, contaram-se 50 salas onde ficavam 2.000 negros (peças, no idioma da época).

Os milhares de africanos que morreram por conta da viagem ou de padecimentos posteriores, foram jogados numa área que se denominou Cemitério dos Pretos Novos.

Ele foi achado em 1996, durante a reforma de uma casa e, desde então, está sob os cuidados de arqueólogos e historiadores. O cemitério foi soterrado por um lixão, verdadeiro monumento à cultura da amnésia. Devem-se à professora americana Mary Karasch 32 páginas magistrais sobre o Valongo. Estão no seu livro "A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro - 1808-1850".

Com o possível achado do cais, o prefeito Eduardo Paes anunciou que transformará a área num museu a céu aberto. (Cesar Maia prometeu algo parecido com o cemitério, mas deu em pouca coisa.) Felizmente, as obras do porto respeitarão as restrições recomendadas pelos arqueólogos, até porque, se o Cais do Valongo não estiver exatamente onde se acredita, estará por perto.

(2)

O segundo presente são os dois volumes de "Geografia Histórica do Rio de Janeiro - 1502-1700", do professor Mauricio de Almeida Abreu. É uma daquelas obras que só aparecem de 20 em 20 anos. (O livro de Karasch, que está na mesma categoria, é de 1987.)

Ele leu tudo e, em diversos pontos controversos, desempatou controvérsias indo às fontes primárias. Erudito, bem escrito, bem exposto, é um prazer para o leitor. Além disso, os dois pesados volumes da obra estão criteriosamente ilustrados. Nele aprende-se, por exemplo, que o primeiro plano urbano da cidade, do tempo de Mem de Sá, foi traçado por um degredado, Nuno Garcia. (Fuçando-se, sabe-se que era um homicida.)

A edição de 3.000 exemplares, copatrocinada pela Prefeitura do Rio, é um luxo, mas o preço ficou salgado (R$ 198). Sua aparência de livro de mesa pode jogá-lo numa armadilha: quem o tem raramente o lê e quem quer lê-lo não tem como comprá-lo. A prefeitura poderia socorrer a patuleia, providenciando uma edição mais barata ou, até mesmo, uma versão eletrônica.

Quem quiser saber mais (e muito) sobre o Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos, pode buscar na internet, em PDF:

Texto de Elio Gaspari extraído de Franciscoripo
Recebido de Jorge Luís Rodrigues dos Santos [j.rodriguesantos@gmail.com]



terça-feira, 8 de março de 2011

Cepal: Líderes da AL apoiam cotas para mulheres na política

Cepal: Líderes da América Latina apoiam cotas para promover a participação de mulheres na política

Kelly Oliveira - Repórter da Agência Brasil
07/03/2011

Brasília - A maioria dos líderes de opinião da América Latina é favorável a ações afirmativas para estimular a participação de mulheres na política, segundo pesquisa elaborada pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).

De acordo com a terceira edição da pesquisa, feita entre novembro de 2010 e janeiro de 2011, das pessoas consultadas, 64% são favoráveis às leis de cotas. Dos entrevistados, 67% apoiam sanções a partidos que não cumpram as cotas previstas por lei.

Para 78% dos consultados, a política em busca de igualdade favorece a mudança no estilo do exercício da autoridade e da liderança.

Segundo a Cepal, foram consultados acadêmicos, políticos, empresários e líderes sociais e religiosos.
De acordo com a pesquisa, o número de líderes que consideram que a participação masculina nas tarefas domésticas deve ser mais efetiva subiu sucessivamente nas três sondagem: 76% na primeira pesquisa, 81% na segunda e 84% na terceira.

Para os entrevistados, a influência dos movimentos sociais, o contexto eleitoral, a exemplo da eleição de presidentas, e a agenda das instituições internacionais são reforços importantes às ações afirmativas.

Edição: Lílian Beraldo

Extraído de Agência Brasil - EBC


sábado, 5 de março de 2011

Dia Internacional da Mulher 100 anos!













Aprovação de projeto sobre revista íntima

Vaccarezza agiliza aprovação de projeto sobre revista íntima

02/03/2011

A revista íntima das mulheres em empresas e órgãos públicos fica proibida. E as revistas íntimas de mulheres em presídios só poderão ser realizadas por funcionárias, preservando assim a privacidade da mulher. A multa de R$ 20 mil pelo descumprimento da lei será revertida aos órgãos de proteção dos direitos da mulher. O Projeto de Lei 583/2007 que dispõe sobre o tema foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados, na quarta-feira, dia 3 de março.

O líder do Governo, Cândido Vaccarezza, articulou, em Plenário, para que a proposta fosse aprovada. A bancada feminina na Casa solicitou aos líderes que se esforcem para que seja aprovada uma pauta positiva de temas sobre a mulher, neste mês dedicado a elas. Vaccarezza conseguiu que o Plenário aperfeiçoasse a matéria para obter a aprovação da proposta. O texto segue para avaliação do Senado.

Íntegra da proposta:

Subemenda Substitutiva Global de Plenário ao PL 583-A, de 2007

Relatora Jô Moraes

Dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata de revista íntima em ambientes prisionais.

O Congresso Nacional decreta:

Art.1º As empresas privadas, os órgãos e entidades da Administração Pública, Direta e Indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e clientes do sexo feminino.

Art. 2º Pelo não cumprimento do art. 1º, ficam os infratores sujeitos a:

I – multa de vinte mil reais ao empregador, revertidos aos órgãos de proteção dos direitos da mulher;

II – multa em dobro do valor estipulado no inciso I, em caso de reincidência, independente da indenização por danos morais e materiais e sanções de ordem penal.

Art. 3º Nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos.

Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala da Sessões, em 02 de agosto de 2011-03-02

Dep. Jô Moraes
Relatora em Plenário pela Comissão de Trabalho e Administração Pública


Extraído de Deputado Federal Cândido Vaccarezza

Recebido de Vaccarezza


quinta-feira, 3 de março de 2011

Monteiro Lobato era racista

Monteiro Lobato era racista

Por Fernando Molica
em 02 de março de 2011

"Estação carioca", jornal O Dia, 02/3


É triste dizer, mas Monteiro Lobato, um dos maiores escritores brasileiros, responsável por alguns dos melhores momentos da minha infância, era um racista militante. Como o 'Informe do Dia' registrou em 21 de fevereiro, as evidências do racismo explícito de Lobato foram levantadas pela escritora Ana Maria Gonçalves, autora do premiado romance 'Um Defeito de Cor' (Record).

Ao saber que o cartunista e escritor Ziraldo desenhara Lobato abraçado a uma mulata de biquíni para a camiseta do bloco Que Merda é Essa?, Ana Maria foi aos arquivos, consultou cartas de Lobato e redigiu uma pedrada em forma de texto. Sua leitura não deixa dúvidas sobre o pensamento racista do criador do 'Sítio do Picapau Amarelo'. Ele, os documentos comprovam, não se sentiria confortável ao abraçar a mulata da camiseta.

Em carta enviada ao amigo Godofredo Rangel, Lobato chegou a dizer que a miscigenação foi uma vingança dos escravos: "Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se do português de maneira mais terrível amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde." Mulatos e mestiços como quase todos nós fomos chamados de "coisa residual que vem dos subúrbios". "E no físico, que feiúra!" completou o escritor, um entusiasta da eugenia, teoria que pregava o aperfeiçoamento da espécie humana pela seleção genética. Para ele, a humanidade precisava de uma poda. "É como a vinha", escreveu a outro amigo, o médico Renato Kehl.

Em outra carta, enviada de Nova York em 1928 para Arthur Neiva, o criador de Narizinho deu outro inacreditável palpite, algo pra lá de infeliz. Lamentou a ausência, no Brasil, de uma Ku Klux Klan, aquela organização de mascarados que comandou linchamentos de negros nos Estados Unidos: "Um dia se fará justiça ao Kux Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca mulatinho fazendo o jogo do galego", escreveu. Para ele, a mestiçagem do negro destruía "a capacidade construtiva".

Não se deve banir os livros de Lobato. Mas não dá para negar que as referências depreciativas à negra Tia Nastácia em 'Caçadas de Pedrinho' foram escritas por um racista. Vale ter um pouco de cuidado para não ajudarmos a disseminar entre as crianças preconceitos que ferem a todos nós.

Extraído de Fernando Molica

Recebido de Luiz Carlos Gá, a quem agradecemos.

Medalha Zumbi Santa Bárbara do Oeste - SP

quarta-feira, 2 de março de 2011

Monteiro Lobato vai para o trono?


RACISMO "AFETUOSO"
Monteiro Lobato vai para o trono?

Por Muniz Sodré
em 1/3/2011




Se até hoje escritores, intelectuais, jornalistas, homens ditos públicos
não conseguem assimilar a gravidade da questão racial e perdem o siso
quando veem os pés de barro de seu escritor-ídolo de infância,
como esperar que as crianças o façam?



Um incidente pré-carnavalesco trouxe de novo à cena a figura de Monteiro Lobato, que frequentara com alguma assiduidade as páginas da imprensa no ano passado, quando o Conselho Nacional de Educação (CNE) considerou racista o livro Caçadas de Pedrinho. Agora é a camiseta desenhada por Ziraldo para o bloco carioca "Que merda é essa?", em que Lobato aparece sambando com uma mulata. Houve manifestação popular e protestos, dos quais o mais veemente e consistente foi o da escritora Ana Maria Gonçalves, autora de Um Defeito de Cor, romance notável no panorama da literatura brasileira contemporânea.

Nenhum jornal reproduziu o teor da carta – ponderada e judiciosa – da escritora ao cartunista, admitindo que poderia tê-la estendido a outros destinatários, nomes importantes no chamado corredor literário. Há, porém, a internet, e graças a ela se fica a par dos argumentos da romancista, todos inequívocos quanto ao racismo do consagrado autor de Caçadas de Pedrinho. Pela imprensa escrita, ficou-se sabendo apenas que, na opinião da autoridade tal, "a manifestação era uma besteira", ou então que carnaval não é ocasião para "assuntos de seriedade".

Para meter aqui a colher na discussão, é preciso deixar claro de início e de uma vez por todas, o seguinte: Monteiro Lobato era um racista confesso, seu ódio aos negros não é nada que se deduza por interpretação de seu texto ficcional. Mas quase todo o mundo leitor sabe disso. É lamentável fingir inocência ou alegar que o racismo brasileiro é diferente, é "afetuoso". Aí estão publicadas as cartas ao amigo Godofredo Rangel, em que Lobato se perguntava como seria possível "ser gente no concerto das nações" com aqueles "negros africanos criando problemas terríveis". Que problemas? Simplesmente serem negros, serem o que ele chamava de "pretalhada inextinguível". O escritor sonhou ficcionalmente com a esterilização dos negros (vide O Presidente Negro) e sugeriu, muito antes do apartheid sul-africano, o confinamento dos negros paulistas em campos cercados de arame farpado.


Não cabe argumento

No entanto, se me perguntassem qual a minha relação pessoal com a literatura infanto-juvenil de Lobato, eu teria de ser honesto e confessar que, ainda menino, no interior do Brasil, era fascinado por suas narrativas. Francamente, eu nunca havia percebido os laivos racistas, que não são tão numerosos assim em sua obra ficcional, mas estão lá para quem se dispuser a bem enxergar. Lobato dizia que a escrita é um "processo indireto de fazer eugenia" e de fato ele sabia como fazer. Isso significa que se deva banir a literatura de Lobato? Como se pode abominar o que também se ama ou se amou?

Não são questões fáceis. O que se pode inicialmente fazer é fornecer algum material para uma reflexão, que talvez possa mesmo contribuir junto aos editores de nossa mídia para a adoção de posições mais qualificadas no tocante à difícil questão racial brasileira.

O primeiro ponto a se levar em conta, se desejarmos uma avaliação objetiva da posição de um "outro", estranha à nossa, é que se rejeite o binarismo simplista das oposições radicais (direita/esquerda, culpa/inocência etc.) porque debilita as formas mais abrangentes de compreensão do mundo. Claro que existe o racismo, assim como a direita política, autoritária e odiosa no passado, às vezes coberta com pele de cordeiro e sempre formuladora de políticas a serviço do capital financeiro e dos complexos industriais. Mas a radicalização da oposição a seu contrário impede não apenas a compreensão de dimensões sutis e ambivalentes de determinados problemas, como também a percepção de aspectos obtusos e autoritários na esquerda supostamente progressista.

A atuação soviética no leste da Polônia, durante a Segunda Grande Guerra, tinha em comum com alemã no oeste a palavra "atrocidade". Sobre as vítimas dos genocídios, não cabe o argumento das especificidades políticas.


Diferença que não é metafísica

Depois, que se ponham entre parênteses aspectos historicamente rebarbativos das circunstâncias ideológicas em que se gerou um determinado saber tido como relevante para a consciência crítica. Por exemplo, a inegável adesão de Heidegger a um momento do nacional-socialismo alemão, uma das primeiras ditaduras tecnológicas do Ocidente, não oblitera a importância da crítica heideggeriana à técnica. Outro exemplo: o passado nazista de Carl Schmitt não impede que sua obra hoje possa ser academicamente avaliada como uma das mais importantes da ciência política contemporânea.

É um engano, portanto, pôr a razão de um lado e a desrazão de outro, em termos absolutos. Quando falamos de "razão", estamos nos referindo à possibilidade de conhecer a priori, erigida como faculdade superior do homem. Mas não raro as posições divergentes são aspectos diferenciados da mesma razão, tomada como contraditória à primeira vista. É que existe uma espécie de "impacto emocional dos conceitos", referido por Florestan Fernandes ao criticar as formulações sociológicas que se detêm em determinações estruturais de significado geral, fora e acima dos contextos histórico-sociais, e assim "criam uma falsa consciência crítica da situação existente, paradoxalmente simétrica às mistificações antirradicais, elaboradas por meio das ideologias conservadoras".

Há evidentemente limites para a convergência ou para a reconciliação dos contrários (esses limites fornecem historicamente os materiais da oposição esquerda/direita). Em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que a direita sempre esteve do lado do capital, enquanto a esquerda almejou a alternativa socialista. Mas a diferença não é metafísica, e sim histórica, e só pode ser deduzida de situações socialmente concretas.


Racista confesso

Em outras palavras, se não reconhecemos no trabalho dos autores historicamente classificados como de direita (reacionário, comprometido com a manutenção do status quo, a despeito das iniquidades) a mesma inteligência que gerou o trabalho de pensamento de esquerda (revolucionário ou reformista, empenhado na transformação das estruturas sociais e das formas vigentes de dominação), deixamos de entender por quê determinadas formas de dimensionamento da realidade foram tão aceitáveis para vastas parcelas da humanidade, ainda que contrárias à veracidade por nós atribuída à órbita intelectual e afetiva em que nos movimentamos, portanto, às vontades que comandam a nossa inteligência.

É provável que esse modo de pensar não resolva de imediato a questão – lobatiana – em pauta. Mas aponta para a densidade e a diferenciação dos níveis de leitura. Num certo nível, é possível a uma consciência generosa ou solidária para com as diferenças aproveitar algo do brilho de um pensamento conservador, nada solidário para com o outro. Em outro nível, isso é impossível. Por exemplo, a uma criança, portanto no estágio plástico e movediço de sua socialização, torna-se muito difícil fazer a crítica do criticável. O Lobato de que estamos falando é aquele que escrevia para um público infanto-juvenil, esse mesmo sobre quem os preconceitos e os estereótipos atuam com toda a força emocional que costumam ter. É, portanto, um público a ser protegido.

Se até hoje escritores, intelectuais, jornalistas, homens ditos públicos não conseguem assimilar a gravidade da questão racial e perdem o siso quando veem os pés de barro de seu escritor-ídolo de infância, como esperar que as crianças o façam? Lobato era, sim, um bom escritor, um editor importante, um visionário (sempre acreditou na existência de petróleo no solo nacional), mas também um racista confesso. Este é o real, este é o fato, que é preciso aceitar como ponto de partida para depois se decidir, como diria o Chacrinha, se ele vai ou não para o trono, se será ou não buzinado.

Extaído de Observatório da Imprensa

Os grifos são nossos.