quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Netqueta na empresa

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Desconectados: Executivos correm risco de perder contatos e arquivos armazenados em aparelhos corporativos.

Empresas bloqueiam computador e celular na hora de demitir

Por Jacilio Saraiva, para o Valor, de São Paulo
12/08/2009

Em abril, a executiva Lúcia (o nome verdadeiro não será divulgado a pedido da entrevistada) foi chamada para uma reunião a portas fechadas na empresa onde trabalhava, uma multinacional americana com operações em São Paulo. Quando o encontro terminou, ela e mais de cem empregados estavam demitidos. "Foi um reajuste de quadro feito por orientação da matriz nos Estados Unidos", diz a então coordenadora comercial, com dez anos de casa. "Durante a reunião, também foi avisado que, ao voltarmos às nossas mesas, não teríamos mais acesso ao e-mail corporativo e aos sistemas da empresa."
Com a decisão, Lúcia quase perdeu todos os contatos de clientes e fornecedores que colecionou ao longo de uma década de trabalho. "Era a política interna. No momento seguinte à demissão, a conexão do funcionário aos sistemas da companhia era desativada." Por sorte, a executiva conseguiu que o setor de tecnologia lhe devolvesse uma pasta pessoal eletrônica, mas a experiência serviu como lição. "Nunca considerei que ia trabalhar para sempre no mesmo lugar e mantive contatos em redes sociais na internet, como o Plaxo e o LinkedIn", afirma. "E jamais usei o e-mail corporativo para assuntos particulares."

No Brasil, as políticas de recursos humanos são rigorosas sobre o uso de equipamentos corporativos como microcomputador e celular - e essa rigidez aparece com força no momento da dispensa, do pedido de demissão ou da aposentadoria. No escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe, desde o começo da crise financeira, cerca de 40% dos desligamentos de executivos intermediados pela banca envolveram esse tipo de conflito: os demitidos não conseguiram recuperar dados pessoais guardados nos equipamentos das empresas.

Para não perder contatos construídos ao longo da carreira, especialistas em recursos humanos aconselham que os executivos utilizem uma agenda, um micro pessoal e redes de relacionamentos na internet para guardar os nomes mais importantes. As recomendações incluem o uso do computador e do programa de e-mail corporativo estritamente para assuntos profissionais e a realização de cópias dos arquivos particulares com o consentimento do empregador.


"Geralmente, no ato da contratação, o executivo assina um termo comprometendo-se a usar corretamente os equipamentos que lhe foram designados para as atividades do expediente", afirma Andréia Campos, diretora da Alpen Executive Search, especializada na contratação de executivos. Segundo a consultora, na hora do desligamento, o funcionário perde o acesso ao e-mail, que é redirecionado ao seu gestor direto.

Cada empresa tem uma política em relação à suspensão do acesso aos sistemas depois do desligamento funcional - pode ser imediata ou durar o tempo que o empregado precisar para recuperar informações importantes. "O e-mail com o nome do executivo dispensado permanece ativo até que todos sejam comunicados sobre quem vai assumir as responsabilidades dele", explica. "Deve-se lembrar ainda que nenhum documento pode ser deletado ou alterado durante a saída da empresa."

Informações pessoais também não devem ser armazenadas no computador corporativo. "Dados particulares devem ir para uma agenda ou um micro portátil." Andréia ressalta que as redes de relacionamentos são fundamentais para reforçar o networking e devem ser alimentadas ao longo da carreira - e não apenas em momentos críticos, como na semana do desligamento. "Na hora de deixar o emprego, fica mais fácil para o executivo que manteve uma rede ativa acionar contatos e buscar novas oportunidades", diz. "A seleção de profissionais por meio de uma corrente de conhecidos é amplamente usada pelas firmas de seleção."

Para Andréia, como o computador da empresa não deve ser ocupado para fins pessoais, a maioria das corporações não garante um prazo para o executivo recuperar pastas armazenadas na máquina. "Se ocorre uma demissão, algumas organizações são ainda mais criteriosas e não permitem nem o retorno do funcionário ao seu departamento."

As empresas mais rigorosas em relação ao uso das máquinas são corporações multinacionais de grande porte, de acordo com Rodrigo Forte, diretor da consultoria Michael Page, de recrutamento de executivos. "E as políticas de proteção são feitas especialmente para os colaboradores que produzem um grande volume de informações confidenciais."

Segundo o advogado Fábio Chong de Lima, da área trabalhista do escritório Trench, Rossi e Watanabe, quando o funcionário ocupa um cargo de decisão obtém acesso garantido a projetos sigilosos - e isso pode brecar a recuperação de outros arquivos guardados no computador. "No momento da demissão, surge um conflito porque o empregado quer levar informações pessoais, mas a empresa não pode disponibilizá-las temendo a cópia de planos estratégicos", afirma. "O empregador pode até se oferecer para fazer o 'back up' das pastas particulares, mas geralmente o funcionário recusa a proposta por não permitir que outra pessoa tenha acesso aos seus dados."

Para Lima, esse tipo de problema é bastante comum nas demissões, principalmente quando os funcionários estão no topo da hierarquia da companhia. "Após o início da crise, cerca de 40% dos desligamentos de executivos intermediados pelo escritório envolveram esse tipo de assunto."

Segundo Roberto Britto, gerente da Robert Half, do setor de recrutamento, os profissionais das áreas comerciais são os que têm menos liberdade de recuperar documentos na hora da dispensa. Ele lembra que algumas organizações incluem no contrato de trabalho cláusulas que impedem a retirada de informações do computador corporativo e também estabelecem quarentena para futuros relacionamentos profissionais. "As companhias temem ser prejudicadas por uma concorrência desleal", afirma.

Em alguns casos, quando um funcionário deixa a companhia sem problemas de comportamento inadequado, a direção costuma dar o tempo necessário para que ele faça uma cópia dos arquivos pessoais, acompanhado de algum técnico do departamento de tecnologia ou de recursos humanos, segundo Elaine Saad, country manager da Right Management Brasil, especializada em RH. "É um procedimento natural e deve ser aplicado a qualquer funcionário."

Para Elaine, apesar das vidas pessoais dos executivos se misturarem às rotinas profissionais, o "sobrenome corporativo" só existe enquanto eles servem a uma empresa. "É importante que as pessoas não confundam esses papéis e lembrem que o endereço de e-mail vinculado a uma organização pode desaparecer imediatamente quando se deixa uma função."

Com 700 funcionários no Brasil, a farmacêutica Bristol-Myers Squibb prefere dar o tempo necessário para que o funcionário resgate seus contatos eletrônicos quando é demitido, pede demissão ou se aposenta. "O e-mail é desativado no final do último dia de trabalho, mas o empregado pode ter mais tempo para recuperar o que deseja", garante o diretor de RH Aníbal Calbucci, há três anos na empresa.

A Bristol também permite que o funcionário se despeça dos outros colegas por e-mail ou pessoalmente quando deixa a companhia. "Costumamos dizer aqui que a internet e os programas de mensagens devem ser usados com bom senso e bom gosto." A recomendação de Calbucci é que o funcionário mantenha uma cópia eletrônica e até uma agenda de papel para contatos pessoais. "O computador pode apresentar algum problema técnico por exemplo e a empresa não poderá se responsabilizar pela possível perda de arquivos particulares."

A companhia também cede celulares e notebooks para cerca de 200 funcionários, entre gerentes, diretores e pessoal de vendas. Os equipamentos são devolvidos após a saída do empregado da folha de pagamento, mas é possível manter o mesmo número do telefone móvel. "Incentivamos a manutenção de redes de relacionamentos, importantes para a empresa e para o funcionário."

Na Levi's, empresa do setor de vestuário com 70 funcionários, o empregado recebe, no ato da contratação, um código de ética para o melhor uso dos ativos no trabalho. "Há mais de dez anos, criamos uma política interna para o uso dos computadores. A equipe sabe que a máquina pode ser monitorada em relação ao conteúdo e à capacidade de armazenamento", diz a gerente geral da Levi's no Brasil, Tânia Alves, há 23 anos na companhia. "Mas um afastamento já é um trauma e tentamos sempre minimizá-lo."

Depois do desligamento, a empresa concede um prazo de transição para o funcionário obter os dados guardados na estação de trabalho. "Mesmo em raras ocasiões de demissão por justa causa, um funcionário da área de tecnologia acompanha o empregado para que ele possa retirar da máquina os arquivos importantes." Tânia sugere que os executivos mantenham um e-mail pessoal e uma base de dados fora dos servidores da empresa, em sites gratuitos de armazenamento. "Costumo guardar os meus contatos no celular e também em um pen drive."

Demitida por receber e repassar internamente um e-mail sobre a empresa onde trabalhava, a especialista em marketing Cláudia (o nome verdadeiro não será divulgado a pedido da entrevistada) trabalhava há seis anos em uma multinacional de grande porte. "Sem más intenções, retransmiti a mensagem indevida numa sexta-feira e na segunda o meu e-mail já estava bloqueado", lembra. "Não consegui recuperar nada."

A executiva só conseguiu refazer sua lista de contatos porque os clientes e fornecedores a procuraram para saber o que havia acontecido. "Colegas de trabalho e amigos também me ajudaram a criar uma nova agenda", afirma Cláudia, que conquistou uma recolocação um ano depois. "Vale a pena ter um caderninho com os telefones mais importantes. O computador pertence à empresa e ela tem o direito de afastá-lo do funcionário no momento em que achar necessário."

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