sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Declaração da Bahia contra o esvaziamento do Estatuto

-

Declaração da Bahia:

A igualdade racial se conquista com
autonomia e luta do povo negro.

Diversas lideranças e entidades negras assinam esse texto com posição contraria ao esvaziamento do Estatuto da Igualdade Racial. Estamos difundindo nacionalmente a Declaração no dia 20 de novembro, por meio de sites, blogs e releases para a imprensa.

Abraços,
Valdisio Fernandes
Coordenador Geral
Instituto Búzios
www.institutobuzios.org.br
*Comissão de Redação da Declaração da Bahia


Declaração da Bahia:

A igualdade racial se conquista com
autonomia e luta do povo negro

Luta e resistência sempre foram características da população negra no Brasil. O movimento negro é o mais antigo movimento social brasileiro, em mais de quatrocentos anos de luta, desde os quilombos ao movimento negro contemporâneo, chegando às diversas organizações, entidades e articulações de grupos anti-racistas em nossos dias atuais.

Essa longa experiência de luta acumulada desde os tempos coloniais por africanos e seus descendentes é nosso mais valioso patrimônio cultural, fonte inesgotável da resistência que opomos à continuada opressão desumanizadora do racismo. Renunciar à luta para eliminar o racismo é renunciar a nossa humanidade.

O empenho em combater o racismo e superar as desigualdades raciais está na base do esforço incansável de várias gerações para construir políticas públicas reunidas e articuladas no Estatuto da Igualdade Racial. O projeto aprovado, no entanto, dá as costas ao trabalho coletivo e resulta de um arranjo negociado entre a base do governo e forças conservadoras.

O que se busca alcançar é um efeito político-eleitoral com um documento meramente autorizativo, esvaziado de qualquer iniciativa que efetivamente possa vir a alterar o atual quadro de desigualdades. O que poderia ser uma conquista histórica em favor de uma sociedade efetivamente democrática e pluralista transformou-se numa peça de retórica, da qual não resultam obrigações concretas do Estado em benefício da população negra.

As condições impostas pelas elites racistas se efetivaram com a retirada do texto das propostas fundamentais nas seguintes áreas: Saúde: A identificação da raça/cor em documentos do SUS, que serviria de base para traçar políticas públicas específicas; Educação: Criação de cotas em todas as universidades públicas brasileiras e nos contratos do FIES; Quilombolas: Remanescentes de quilombos teriam a propriedade definitiva das terras ocupadas; Mercado de trabalho: O Estado poderia realizar a contratação preferencial de afro-brasileiros no setor público e incentivar medidas semelhantes nas empresas privadas. Em uma licitação, o critério de desempate poderia ser o fato de empresas terem ou não ações afirmativas; Meios de comunicação: Filmes, peças publicitárias e programas de tevê teriam no mínimo 20% de afrobrasileiros.

Causa indignação as declarações de algumas lideranças negras saudando, junto com parlamentares governistas e da oposição conservadora, a aprovação do estatuto, quando é evidente a vitória nesse processo das forças reacionárias e racistas. Representantes de entidades negras usaram (pseudo) poderes de "negociar", sem mandato e sem respeitar fóruns ou espaços coletivos amplos de deliberação do próprio movimento. Arrastaram entidades representativas para um processo de subordinação a políticas conciliatórias, de contenção das pressões sociais por conquistas concretas para a afirmação da cidadania negra.

Nós, Organizações e ativistas do Movimento Negro repudiamos a conciliação exacerbada que resultou na criação desse instrumento inócuo que não assegura direitos ao povo negro.

Reafirmamos a defesa da autonomia do movimento negro em relação ao Estado, aos governos e aos partidos políticos. A luta estratégica do povo negro pela igualdade racial não subordina nosso projeto político.

Nosso rumo é em direção a emancipação social e política do povo negro e a construção de uma sociedade multiétnica e igualitária no Brasil. A auto-organização do povo negro é a base de sustentação do nosso projeto político.

Repudiamos o pacto racial que preserva os privilégios das elites brancas e racistas.

Reafirmamos nossa luta por ações afirmativas e contra a discriminação de raça, gênero e orientação sexual.

Repudiamos o extermínio sistemático da juventude negra, nas periferias urbanas, impetrado por uma polícia racista e a serviço das elites dominantes no Estado e a sua segregação nos espaços urbanos e rurais, configurando uma sistemática faxina étnica.

Pela aprovação do sistema de cotas, promovendo o acesso de negras e negros às Universidades, aos cursos de pós-graduação e às Escolas Técnicas Federais.

Pela posse definitiva e titulação das terras pelas comunidades quilombolas e tradicionais.

Salvador, 20 de novembro de 2009

Assinam:
> Alcir Matos - União Nacional por Moradia Popular
> Ana Margarida de Jesus - Coletivo de Angoleiras Teresa de Benguela / JP/PB
> Ana Maria Felippe - Memorial Lélia Gonzalez - Rio de Janeiro - RJ
> Ana Maria Souza Mendes - Coordenação do NUCAB - Núcleo de Cultura Afro-Brasileira da Universidade de Sorocaba
> André Borges - Coordenaçâo Estadual do CONNEB/RJ
> Babalorixa Joelmir D' Oxossi - Templo Umbandista Oxossi Caçador /RJ
> Bernardino Francisco - Fundação Cafunê - Sorocaba (SP)
> Beth Ferreira - Secretaria Executiva Nacional da AMB-Articulação de Mulheres Brasileiras
> Conceição Leal - MAIPO - Movimento de Articulação e Ação Popular, Uberlândia / MG
> Damião Braga dos Santos - Presidente da ARQPEDRA - Associação da Comunidade Remanescente do Quilombo Pedra do Sal / Vice-presidente da ACQUILERJ - Associação de Comunidades Remanescente de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro
> Demerson Cardoso - Coordenação do GAEEC / BA
> Edson Cardoso - Presidente do Ìrohìn
> Enoque Matos - Inclusão Pré-Vestibular / BA
> Fabiano Santos - JUNA / Alagoinhas - BA
> Gesa Corrêa- Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação/RJ
> Grupo de Mulheres Negras Nzinga Mbandi - SP
> Hamilton Assis - Coordenação Nacional do Circulo Palmarino
> Hamilton Borges - Coordenação da Campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto e ASFAP-BA - Associação de Familiares e Amigos de Presas e Presos da Bahia
> Heloisa Greco - Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania / MG
> Inêz Oludé da Silva - Coordenadora do projeto 23 de Agosto dia Internacional da Memória do Tráfico Negreiro - projeto parceiro da Unesco
> Jupiraci Ferreira - Movimento Salvador Pela Paz / BA
> Luciene Lacerda - Fórum Estadual de Mulheres Negras / RJ
> Luiz Mendes - Coordenação do Centro Cultural Cândido Velho - Guaíba/RS
> Marcos Pereira da Silva - Movimento Ambientalista Salve Maracaípe
> Marisa Feffermann - Comitê Contra a Criminalização de Crianças e adolescentes / SP
> Paulo Cesar de Oliveira - Centro Cultural Orunmila-Ribeirão Preto / SP
> Reginaldo Bispo - Coordenação Nacional do MNU - Movimento Negro Unificado
> Rita Santos - Associação das Baianas/os de Acarajé e Mingaus / BA
> Rosalia Lemos - E´LÉÉKÒ: Gênero, Desenvolvimento e Cidadania / RJ
> Simone Magalhães - Ylê Axé Oyá Deji / BA
> Tiago Paixão - Coordenação do Campo Étnico e Popular
> Ubiraci Gonçalves - Coordenação de Expressões Afrobrasileiras do Conselho de Cultura Popular da Região Nordeste de Amaralina
> Valdisio Fernandes - Coordenação do Instituto Búzios
> Valdo Lumumba - Fórum de Entidades do Subúrbio de Salvador / BA
> Walter Altino - Coordenação do Atitude Quilombola / BA
> Anhamona de Brito - advogada/Ba
> Flávia Santos de Araújo - University of Massachusetts Amherst, EUA
> Franklin Oliveira Jr. - professor e escritor, doutor em História Social / BA
> Lenny Blue de Oliveira - Advogada - SP
> Nelson da Mata - Pesquisador do Cepaia / BA
-

Nenhum comentário:

Postar um comentário